Comando Vermelho reata com PCC para reaver favelas

Parece cena de filme. Em 10 de setembro, o bandido carioca Rodrigo Prudêncio Barbosa, o Gordinho, de 35 anos, ex-gerente do tráfico no Complexo do Alemão, sentou-se com policiais em uma sala da Penitenciária Bangu 9, onde cumpria pena de doze anos por homicídio e assalto, e pôs-se a descrever, com abundância de detalhes, o funcionamento, os planos de ação e a perturbadora pregação doutrinária do Comando Vermelho, a maior e a mais brutal facção criminosa do Rio de Janeiro. Durante duas horas e meia, Barbosa identificou, um a um, os treze presidiários a quem a alta cúpula do CV delegou as decisões do dia a dia da organização. Também traçou as linhas gerais do projeto que hoje norteia o bando: retomar territórios enfraquecidos com a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). E ainda acrescentou que, para garantir o abastecimento de armas e drogas, a quadrilha reatou relações com o Primeiro Comando da Capital, a poderosa facção do crime em São Paulo. “Poucas vezes tivemos em mãos um relato tão completo e esclarecedor”, diz um integrante do setor de inteligência da polícia do Rio.


O marginal resolveu falar porque acha que está marcado para morrer. Em fevereiro, preferiu não se arriscar numa fuga espetacular de 27 criminosos orquestrada pela cúpula da facção para pôr bandidos de confiança em posições-chave nos morros. Por causa disso, acredita, entrou no rol da impiedosa limpeza de quadros que o “comitê executivo” começou a promover. Barbosa falou em troca de proteção — já conseguiu mudar duas vezes de presídio para afastar-se de seus algozes. O conjunto de revelações — do qual VEJA publica com exclusividade os principais destaques — é de estarrecer pela constatação, sem retoques, de que, na sua selvageria aparentemente indiscriminada, o CV é capaz de usar método e organização, junto com intimidação e execuções sumárias, para se fortalecer e se alastrar – já conseguiu mudar duas vezes de presídio para afastar-se de seus algozes. O conjunto de revelações — do qual VEJA publica com exclusividade os principais destaques — é de estarrecer pela constatação, sem retoques, de que, na sua selvageria aparentemente indiscriminada, o CV é capaz de usar método e organização, junto co intimidação e execuções sumárias, para se fortalecer e se alastrar.

A REORGANIZAÇÃ0

No depoimento, Barbosa traz à  luz um novo "estatuto" do Comando Vermelho, em vigor desde o começo do ano. Em meio a insanas considerações sobre uma certa "ética do crime" ("Somos o lado certo da vida errada"), o texto de sete paginas elenca os deveres da tal junta de treze criminosos — entre eles, impor castigos aos "irmãos" relapsos que vão do banimento ao "decreto", como chamam a sentença de morte. Barbosa incriminou esses líderes em duas mortes, que creditou à limpeza de quadros indesejáveis (a polícia não havia feito até então a ligação). Segundo o informante, o "conselho" foi criado para ser o braço operacional dos dois grandes cérebros da facção – gangue): Márcio dos Santos Nepomuceno. o Marcinho VP, e Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, que. detidos em Catanduvas. no Paraná, tem contato limitado com o lado de fora. Isolados. eles delegaram poder – mas continuam no topo da hierarquia criminosa. "A voz final é deles. Quem morre e quem vive é Deus no céu que decide. Mas, no mundo do crime, são os dois", resume Barbosa.

ATOS DE VIOLENCIA

Na manha de 26 de maio deste ano, os atletas do Desafio da Paz se preparavam para refazer o percurso da fuga da bandidagem do Complexo do Alemão durante a retomada daquele QG do crime pelo Estado quando ouviram tiros. Ninguém chegou a se ferir. Barbosa esclarece: foi um ato tanto de provocação ao secretário da Segurança, José Mariano Beltrame (que admite que a região está ocupada, mas ainda não pacificada), quanto a primeira mostra da intenção do Comando Vermelho de voltar a avançar depois de um breve recuo no período pós-UPPs — "Eles falaram: vamos mostrar que nós ainda pode botar o couro pra comer-, conta Barbosa. O CV, segundo ele, está se sentindo à vontade para voltar à guerra por novos e antigos redutos na cidade. Há gradações nessa ofensiva, explica. A quadrilha entende que não vale a pena impor a força no Complexo do Alemão, pois o local é uma "vitrine do governo", onde eles estariam mais sujeitos a retaliação. Já a vizinha Penha, que abarrotaram de armamento pesado, é a trincheira preferencial dos bandidos, que, ainda de acordo com o relato de Barbosa, chegam ali e vão embora sem ser incomodados. Ao longo do ano, o CV apontou suas armas para outras áreas pacificadas, como o Morro do Chapéu Mangueira, no Leme, onde reassumiu a bala o controle das bocas de fumo, e para favelas da Baixada Fluminense e das zonas Norte e Oeste do Rio.

ALIANÇA COM O PCC

A polícia percebeu que a profícua relação do Comando Vermelho com o PCC (que havia se tornado o maior abastecedor de armas e drogas da facção carioca) estava esfriando, mas desconhecia a razão. "Foi por causa de dinheiro-, revela Barbosa. Os traficantes do Rio acumularam uma dívida multimilionária com a quadrilha paulista, que os retaliou minguando o negócio. Foi um baque, e, há poucos meses, o CV resolveu começar a pagar o que devia. Pelo menos 9 milhões de reais já foram quitados. Barbosa diz que o abastecimento se normalizou e aponta inclusive a área onde a droga vinda de São Paulo está sendo processada: uma região de fazendas em Itaboraí, próximo a Niterói. A aliança com o PCC é estratégica, reforça o informante: a facção de São Paulo dá refúgio a integrantes do CV em quinze estados "Se precisar, entocam gente fora do Rio".

LAVAGEM DE DINHEIRO
 
Barbosa traçou o caminho dos sacos de dinheiro arrecadados nas bocas de fumo, um total calculado em 3 milhões de reais por semana: o atual chefão do Alemão, Luciano Martiniano da Silva. o Pezão, entrega a maior parte do faturamento a Silvana dos Santos uma das irmãs de Marcinho -VP, que por sua vez coloca a montanha de notas na igreja do pastor Marcos Pereira da Silva (preso por estupro). O esquema é simples e engenhoso: os milhões de reais entram na mesma conta do dízimo dos fiéis. "Então, tem coisas que estão em nome da igreja, imóveis, essas coisas, mas compradas com dinheiro do Marcinho. E como provar que o dinheiro é do Marcinho?", questiona. Assim se reforça o que o presidente da ONG Afroreggae, José Júnior, denuncia desde o ano passado: que a lavagem do dinheiro do crime passa pelo ex-pastor celebridade (agora investigado por isso). Outra revelação: o dinheiro que não vira dízimo é investido em estabelecimentos comerciais. Só de uma operadora de telefonia, são trinta lojas no Rio de Janeiro em nome de laranjas, contou Barbosa. A polícia confirmou a informação.
 

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