Brasil cuidadoso com EUA e Argentina

Sergio Leo
 

Estados Unidos e Argentina estão, ambos, no topo da prioridade de política externa de Dilma Rousseff. E, com isso, o Itamaraty tem o desafio de evitar qualquer passo em relação a esses dois países sem cuidadosa consulta prévia à mandatária. É nesse contexto que deve ser entendida a declaração do ministro de Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, ao deixar, na semana passada, o encontro com a conselheira da Casa Branca para a Segurança Nacional, Susan Rice. "Saio igual", disse, ao lhe perguntarem se saía mais otimista ou pessimista. Tradução: saiu com a missão de relatar o encontro a Dilma para decidirem entre o otimismo ou pessimismo.

Rice convidou Figueiredo a Washington às vésperas do discurso de Obama sobre a espionagem abusiva da agência de inteligência americana. A esse sinal político de prestígio, a liturgia diplomática indicaria uma resposta rápida. Figueiredo aceitou, mas fez Rice esperar, e só uma semana e meia depois foi aos Estados Unidos. Acertos de agenda, explicou o Itamaraty. Quase tão importante quanto o encontro sobre espionagem foi a reunião seguinte de Figueiredo, com o representante comercial da Casa Branca, espécie de ministro de Comércio Exterior, Michael Froman. Conversa em tom amigável, com desafios sérios.

Na conversa privada com Rice, ela pôde detalhar o que, no discurso de Obama, ficou vago e foi ouvido sem nenhum entusiasmo em Brasília. Rice pediu sigilo, o governo brasileiro pretende atender, interessado que está em não melindrar a já incomodada elite governamental americana. Um ponto é certo: sem uma manifestação pública do governo americano, desculpando-se pela bisbilhotice nos telefones de Dilma, nem pensar em retomar as conversas para a visita de Estado da presidente brasileira, adiada em 2013 devido ao escândalo da espionagem.

Subsídio nos EUA ao algodão ainda é uma questão não resolvida

Nota de Rice sobre o encontro fala em "formas de fortalecer nossa produtiva agenda bilateral". Os EUA aceitaram com prazer o convite do governo brasileiro para que participem da conferência internacional sobre governança da internet, em abril, em São Paulo. Espionagem e direito à privacidade é um dos principais temas e, com o convite aos EUA, o Brasil deixou claro que não quer transformar o encontro em aliança contra os americanos. Isso foi apreciado em Washington.

Mas é no comércio onde estão, atualmente, as maiores cascas de banana para os interessados na reaproximação de Brasil e Estados Unidos. Figueiredo e Froman se conhecem das negociações sobre meio ambiente e tiveram um encontro amigável como há muito tempo não se via entre diplomatas brasileiros e negociadores comerciais americanos. Mas Froman mostrou ao ministro que o governo brasileiro não deve ser atendido em todas as suas reivindicações contra os subsídios americanos aos produtores locais de algodão, considerados ilegais pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

A Lei Agrícola americana recém-aprovada pelos deputados e a caminho do Senado já chegou ao limite político nas alterações dos subsídios ao algodão, tema de forte lobby em Washington, na avaliação da Casa Branca. Em suas quase 700 páginas, a nova lei deve eliminar os subsídios à exportação, mas mantém, em lugar dos pagamentos diretos aos produtores, um esquema de seguro agrícola que pode fazer retornar os subsídios capazes de dar ao algodão dos EUA vantagens desleais no comércio internacional.

O governo brasileiro está autorizado pela OMC a retaliações severas contra os Estados Unidos, e discutirá o que fazer em reunião da Câmara de Comércio Exterior, dos ministros ligados ao tema, no próximo dia 20. As retaliações possíveis afetam até a suspensão de pagamentos de royalties por produtos culturais, como filmes de Hollywood, ou patentes farmacêuticas. Figueiredo não deu indicações do que fará; e o governo brasileiro ainda estuda o calhamaço da Lei Agrícola para concluir se as mudanças são aceitáveis ou não.

Uma eventual decisão de retaliar os EUA, especialmente na área de propriedade intelectual abre um precedente (permitido pela OMC, aliás) e pode azedar os esforços de reaproximação entre Brasília e Washington. Até recentemente, os dois países tratavam o tema como questão técnica (o Brasil moveu processo contra a União Europeia, por subsídios ilegais à soja, durante negociações de acordo comercial com os europeus e isso nem foi mencionado nas discussões dos diplomatas). O governo dos EUA emitiu sinais, porém, de que não aceitará tranquilamente uma dura reação brasileira.

Apesar das nuvens pesadas pairando sobre os dois governos, o clima, na área comercial, não anda tão carregado. Froman e Figueiredo também falaram sobre medidas recentes que prejudicam as exportações de etanol brasileiro aos Estados Unidos e a iminente liberação de exportações de carne brasileira àquele país (uma boa notícia, em meio a tanto atrito). Nesta semana, haverá em Brasília uma reunião do "Diálogo Comercial Brasil-EUA", com uma missão chefiada pelo subsecretário de Comércio dos EUA Kenneth Hyatt. Medidas para facilitar o trânsito de mercadorias entre os dois países são um dos principais assuntos.

Enquanto administra o acidentado relacionamento com os EUA, o governo brasileiro começa a discutir como levar à frente as negociações de comércio entre Mercosul e União Europeia, no momento em que a Argentina enfrenta violentas turbulências econômicas. O governo brasileiro, de certo, só tem a determinação de evitar qualquer gesto que possa agravar o mau humor internacional em relação ao país vizinho. Mas ganham força entre os técnicos propostas para permitir aos argentinos acompanhar mais de longe as discussões de abertura comercial com os europeus.

Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. Escreve às segundas-feiras.

 

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