OPINIÃO – Prevenir ou remediar?


COSME DEGENAR DRUMOND
Especial para DefesaNet

 

 
A opinião é unânime: os requisitos para o F-X foram bem elaborados pelo Estado-Maior da Aeronáutica. Visam contemplar a aquisição de moderna aeronave de superioridade aérea, com transferência de tecnologias para o Brasil. Antes, a FAB comprava equipamentos, fazia exigência técnica, mas não tinha metodologia para os processos. Cabe a COPAC executar o processo. (Nota DefesaNet – COPAC – COMISSÃO COORDENADORA DO PROGRAMA AERONAVE DE COMBATE. Outros projetos e programas são gerenciados pela COPACe não somente os caças)

Criada na década de 1980, no âmbito do programa ítalo-brasileiro AMX, a antiga documentação DMA 400-6 (hoje ICA 400-6) trata do ciclo de vida dos sistemas e materiais de interesse da FAB. São procedimentos técnicos de concepção, aquisição, modernização e gerenciamento de projetos. Os equipamentos e sistemas estratégicos que a FAB compra seguem os requisitos elaborados pelo Estado-Maior, que podem ser modificados, se necessário, mas a alteração tem que ser justificada e aceita, sem sofrer influência política externa. A regra é técnica.

Uma eventual alteração dos requisitos é discutida com a indústria, independente da decisão final. Se determinada aeronave de treinamento militar deve ser substituída, o material pretendido é analisado à exaustão. Estabelecido o melhor perfil técnico, a FAB discute os procedimentos de compra, visando fomentar o desenvolvimento na indústria nacional.

No programa AMX, a COPAC tratou dos parâmetros técnicos do caça subsônico. No F-X2 – que desde os anos 1990 já foi F-X e F-X1 –, o caça selecionado tem que cumprir o envelope operacional, ceder tecnologias de armamento, mostrar potencial para combater novas ameaças e executar missões de caráter secreto. A DMA 400-6 foi aplicada no projeto Super Tucano. Nos aviões inteligentes do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) o procedimento foi idêntico. Houve época em que a COPAC, dirigida por brigadeiro de duas estrelas, ficou vulnerável a injunções externas. O Alto-Comando agiu depressa, corrigiu o rumo e manteve os procedimentos técnicos originais

Noutra ocasião, a Diretoria do Material da Aeronáutica (DIRMA), responsável pelas compras ordinárias, transferiu para sua área os programas originalmente de escopo da Copac. Hierarquicamente inferior, a Comissão conviveu com os métodos e procedimentos da Dirma. A subordinação perdeu força. A sistemática da COPAC prevaleceu. No período em que a relação umbilical Embraer-FAB ficou estremecida, em razão da venda de parte das ações da ex-estatal a empresas estrangeiras, a Copac seguiu o seu caminho, defendendo os interesses da Aeronáutica e sem deixar de fomentar a indústria aeronáutica, até que tudo se ajustou como antes. O programa de desenvolvimento do cargueiro Embraer KC-390 é mais um exemplo na importante integração governo-indústria.
 
Expansão criteriosa
 
Regularmente, os militares são transferidos de unidades, característica comum às Forças Armadas. O metódico trabalho da COPAC foi disseminado. Muitos de seus técnicos passaram ou se acham em posição de comando e entendem a complexa gestão de material, de logística e de interface com a indústria. Na modernização do F-5, a competência da Comissão foi mais uma vez comprovada.

A COPAC ganhou força. Sua metodologia técnica e o seu arcabouço legal tiveram condições inclusive de se contrapor à decisão presidencial de 7 de setembro de 2009, que anunciou o caça Rafale como vencedor do F-X2. O presidente rompeu um processo sólido e robusto que não tinha sido concluído nem era a hora de decisão. A FAB não tinha condição técnica de ratificar a decisão naquele momento, embora pudesse, claro, aceitá-la por questão constitucional. Assessorado pelo Ministério da Defesa, o presidente concluiu que não havia segurança jurídica para suportar a decisão; o processo estava em avaliação. Caso os concorrentes questionassem a decisão judicialmente, isto poderia causar transtornos legais ao Estado. O assunto foi esquecido.

A faculdade do presidente de influir no resultado de qualquer licitação de interesse do país é legítima. Se o governo quisesse, poderia ter mantido aquela decisão. Afinal, o Rafale não tem restrições técnicas (tanto que passou para a fase final), está em serviço operacional e possui capacidade comprovada em combate. Porém, qualquer problema que o processo de compra pudesse eventualmente apresentar, o Tribunal de Contas da União ou instâncias jurídicas superiores poderiam responsabilizar o governo por isso, em razão da decisão precipitada.

O Ministério da Defesa apoiou a posição da COPAC e recomendou a atualização dos pesos dos requisitos estabelecidos de acordo com os objetivos da Estratégia Nacional de Defesa. Cumprida a recomendação, o relatório do F-X2 assimilou os pesos da instrução ministerial e seus relatórios foram reconhecidos e enaltecidos. O modelo de gestão é eficiente. Para isso, a FAB estudou os processos de vários países para aperfeiçoar o seu, inclusive o da França, da Diretoria Geral de Armamento (DGA). Os estudos serviram como referência na elaboração da política de seleção e escolha de projetos estratégicos e compra de equipamentos estrangeiros.

Na requisição das propostas, cláusulas resolutórias conferem ao Brasil o direito de alterar, cancelar a compra a qualquer momento e entrar em negociação com quem quiser, sem ônus para o Estado. O governo poderia, se quisesse, ter usado tais cláusulas para manter a decisão presidencial de 2009. Acautelou-se, no entanto, devido a não conclusão do processo. A decisão política é mais aceita nas compras de oportunidade (Purchase off the Shef). Com as novas instruções em vigor, as compras de prateleira não são admissíveis quando se referem a algo que pode ser industrializado no Brasil.

O modelo criado pela COPAC segue prática militar consagrada mundialmente. Hoje, Marinha, Exército e Aeronáutica dominam metodologias de avaliação bem aperfeiçoadas, nivelando-se às de países avançados. Os técnicos estudam em academias do exterior, concebem metodologias modernas, classificam pontos e analisam riscos, uma competência de alto valor para a indústria, as Forças Armadas e o país.

No gerenciamento de processos de offsets, a COPAC segue os requisitos, orienta as metas a serem atingidas e elenca os coeficientes do projeto. Participa da fixação de normas de contrapartida e tem autoridade para aceitar ou rejeitar o projeto. Na indústria, essa função é essencial na evolução dos negócios do setor. As empresas brasileiras dialogam com fortes grupos estrangeiros. Para o prime contractor quanto mais puder lucrar, melhor. Afinal, essa é uma característica do sistema capitalista.

O governo permanece ao lado da indústria nacional em todo o processo, inclusive na discussão das contrapartidas. No programa H-XBR a COPAC comprovou o grau de investimento na indústria e atestou que tudo vai bem nessa primeira fase de transferência de tecnologia dos helicópteros. As vendas de aeronaves estratégicas impõem implicações ao Estado. O trabalho conjunto entre as partes resulta no crescimento do programa. Acompanhar o contrato e participar da negociação é importante ao comprador. Afinal é ele que vai operar o material e utilizar as contrapartidas decorrentes do negócio. 

No caso do F-X2, o modelo de procedimento foi igualmente competente. Porém, o processo prolongou-se demais, o que não é bom para o país. A Força Aérea está, como se diz popularmente, pendurada na brocha na proteção da soberania aérea. A decisão passou a depender da política. No mercado já há rumores de solução de emergência ou temporária.

Protestar em fórum internacional é um direito de qualquer nação que tenha sofrido violação de soberania. Mas é também uma demonstração de que pouco ou nada fez para prevenir o ato predatório. Historicamente, desde o tempo de Brasil-Colônia, tem sido assim. Contudo, é preciso mudar, acompanhar a evolução do mundo, e não mais remediar. Talento humano e competência para as grandes decisões estratégicas o país sempre teve. Neste caso específico, o Estado-Maior da Aeronáutica e a COPAC deram provas disso.

O Ano Novo está próximo. O F-X2 poderá, enfim, decolar? É esperar para ver!
 

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