Carlos Araújo – Muitos morriam no primeiro choque

Nota DefesaNet – A entrevista realizada pela Rádio Gaúcha com o Sr Carlos Araújo. Recomedamos ouvir o audio. Link no fim do artigo.
O sr Carlos Araujo foi companheiro da Presidente Dilma Rousseff.

Entrevista Carlos Araújo Ex-deputado e ex-preso político

Um dia após o início da Comissão da Verdade, que busca investigar crimes contra os direitos humanos especialmente na ditadura (1964-1985), o ex-deputado Carlos Araújo, que foi preso político e marido da presidente Dilma Rousseff, falou da expectativa com o início dos trabalhos e descreveu as agruras por que passou na prisão ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha. A síntese do relato:

COMPANHEIROS

Nós temos muitos companheiros que nós não sabemos ainda o destino específico. Sabemos que foram conduzidos para a chamada casa da morte, na serra do Rio de Janeiro, em Petrópolis, mas de lá, qual foi o destino deles depois de mortos, a gente não sabe.

A PRISÃO

No momento em que a gente era preso, quase imediatamente, no momento da prisão, era lançado dentro de um carro e começava a tortura ali no carro já. Através de choques elétricos e outros meios. Porque, alegava a repressão, a gente tinha de ser torturado imediatamente, para falar imediatamente, para que nossos companheiros não tivessem tempo de fugir. Eu fui preso nas imediações do campo do Palmeiras, em São Paulo, e já desde que me botaram dentro de uma caminhonete da Chevrolet C-14, começou a tortura. Ali mesmo.

O INÍCIO DA TORTURA

Dali, já me levaram para o Dops lá em São Paulo. Eu fui preso pela equipe do delegado (Sérgio) Fleury e lá foi o dia inteiro de tortura. Não tinha moleza. Não tinha conversa. Ia direto para pau de arara, pro choque elétrico e aquilo permanecia horas e horas. Era infindável. Até que a pessoa ficasse desfalecida, o que acontecia muito.

OS INSTRUMENTOS

Outro aspecto terrível é que durante a tortura no pau de arara com choque elétrico jogavam água na gente. Ligavam fios nos nossos órgãos genitais, nas extremidades, dedos das mãos, dos pés e esses fios elétricos eram ligados na televisão. E cada vez que passava o canal na televisão era um choque terrível. Ainda mais que molhavam o corpo da gente, além de dar pauladas. Havia um médico permanentemente tirando a pressão para ver se a gente aguentava mais tortura.

VALOR DA VIDA

Eles não queriam matar a gente logo, queriam que a gente falasse. Que matassem depois. Depois de falar, matar. Mas matar, depois.

O PLANO

Quando vi que não aguentava mais tortura, que eu teria que ficar sem dizer onde morava por quatro dias no mínimo. É que a pessoa que morava comigo estava viajando e, se voltasse, seria presa. Então resolvi que a única coisa digna que eu podia fazer era me matar. Inventei: disse que no outro dia me encontraria com o (Carlos) Lamarca. Eles sabiam que eu e o Lamarca andávamos muito juntos. Me levaram pra um ponto no outro dia.

A Kombi

Eu escolhi um ponto em uma rua bem movimentada da Lapa em São Paulo, onde passavam jamantas, caminhões em alta velocidade. Eu ali, dei uma vacilada, para me atirar embaixo de um carro, até que finalmente eu me atirei embaixo de uma Kombi. Tentava não morrer e ficar bastante ferido. Para ficar no hospital pelo menos uns quinze dias. E foi o que eu fiz, me atirei embaixo de uma Kombi e depois fui levado para o Hospital das Clínicas.

AS FREIRAS

Das Clínicas eu fui levado para o Hospital Militar onde fiquei oito dias em tratamento. Lá no Hospital Militar tentaram me torturar mas as freiras não permitiram, fizeram um protesto muito grande. Então, os oitos dias que eu fiquei lá me salvaram da tortura neste período.

A ROTINA

Quando fui levado para a OBAN (Operação Bandeirante), a tortura continuou, mas já não era todos os dias. Eu apanhava dois dias seguidos, não era torturado um dia.

AGRURAS COMUNS

Essa situação que ocorreu comigo ocorreu com todas as pessoas que foram presas, inclusive com a Dilma. Claro que de uma forma um pouco diferente cada uma mas o conteúdo era o mesmo.

AS MORTES

Muitos morriam no primeiro choque que levavam. Vários morreram. Morreram do coração, pessoas que tinham problemas do coração ou algum outro problema de saúde. E morriam logo no começo. Outros resistiam à tortura e depois eram assassinados. Houve de tudo nisso aí.

CARÁTER DO TORTURADOR

Mas a verdade é que eu continuo achando que não há nada pior no mundo, que seja mais animalesco que a tortura. Um cidadão, uma pessoa para torturar a outra, ela é doente mental. Eu vi inclusive torturadores que se dopavam na minha frente, tomavam injeção na veia, para continuar torturando. Às vezes, não aguentavam, alguns deles. Outros eram absolutamente desequilibrados.

LOUCURA DO ALGOZ

Esses tipos iam para lá parece que escolhidos a dedo, para nos torturar. Eu acho que era assim mesmo, que a pessoa para torturar a outra, imagine você torturando outra pessoa. Uma pessoa indefesa, pendurada num pau de arara, nua, com choque elétrico, levando paulada. Uma pessoa normal não faz isso.

ZEROHORA.COM
> Ouça a íntegra da entrevista de Carlos Araújo em zerohora.com/blogdarosane

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