O mundo sem lei da internet

ADRIANA CAITANO e GRASIELLE CASTRO 
 
Quando surgiu a notícia, em setembro, de que a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos espionava o governo brasileiro, a presidente Dilma Rousseff considerou o caso um risco à privacidade da população e apressou a tramitação do Marco Civil da Internet no Congresso Nacional. Mas o que não faltam são exemplos de que, mesmo sem a participação de agentes secretos americanos, os dados pessoais dos cidadãos do Brasil estão totalmente expostos a um mercado que envolve empresas dispostas a ganhar dinheiro. E não adianta deixar de publicar fotos ou de expor detalhes nas redes sociais. A vulnerabilidade está no cadastro que se faz em shoppings, em lojas virtuais e até na criação de um e-mail. Pior: não há lei que proíba a prática e, na maioria das vezes, o cliente não tem escolha. O Ministério da Justiça e o Congresso trabalham em propostas para reduzir esse risco. Entretanto, os projetos parecem caminhar mais lentos que a velocidade da antiga internet discada. 
 
Além do Marco Civil da Internet — que pretende organizar as regras de utilização e gestão da rede — o governo federal também investe em uma proposta. A elaboração está sob a tutela do Ministério da Justiça, que fez consulta pública sobre o tema entre novembro de 2010 e abril de 2011 e ainda não concluiu o projeto. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse ao Correio que enviará o texto para ser discutido com outras áreas do governo em 15 dias. “Ele evitará que os dados sejam transferidos ou cedidos sem a autorização da pessoa”, comenta. “Os tempos são novos e precisamos de novas leis.” Segundo informações divulgadas à época da consulta pública, a proposta exigirá que a empresa peça autorização ao cliente para cadastrá-lo e deixe claro a utilização que fará dos dados, ficando também proibida de repassá-los. A punição para quem descumprir a regra será multa que pode chegar a R$ 6 milhões.
 
Países da América Latina, como México, Uruguai e Argentina, já têm normas estabelecidas sobre o uso de dados pessoais baseadas na chamada Diretiva Europeia que, em 1995, definiu como seria o tratamento dessas informações no Velho Continente. No Brasil, as regras estão diluídas, desatualizadas e são, muitas vezes, mal interpretadas. O resultado disso é que informações do usuário circulam livremente e valem ouro para empresas que querem acertar em cheio seu público-alvo (veja quadro). “A arquitetura da internet é feita para que se amplie cada vez mais o acesso. O problema é que essa ampliação facilita a circulação de dados de forma ilegítima. Reforçar a legislação aumenta a proteção no relacionamento de comércio, entre pessoas e empresas”, comenta o advogado especialista em direito digital Victor Haikal. 
 
Eduardo Lacerda, assessor técnico da presidência do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), vinculado à Casa Civil da Presidência da República, destaca outra proposta em tramitação no Congresso. O Projeto de lei 3.558/2012, de autoria do deputado Armando Vergílio (PSD-GO), trata dos dados registrados pelas digitais. “A biometria é essencial para evitar fraudes, mas tem sido muito difundida e é preciso disciplinar sua aplicação, para evitar que as informações sejam compartilhadas indevidamente e sem a permissão de seu dono.” 
 
Vazamento 
 
Quando o assunto é privacidade de dados pessoais, empresários, especialistas e órgãos públicos jogam uns para os outros a culpa de possíveis vazamentos ou de mau uso dessas informações. O Google, por exemplo, utiliza as informações de seus usuários para direcionar publicidade específica. “E as pessoas autorizam que isso aconteça quando criam o perfil, mas nem percebem. Ou seja, a privacidade para qualquer um que usa essas ferramentas é zero”, critica o diretor executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy. 
 
Para o relator do Marco Civil da Internet, Alessandro Molon (PT-RJ), as empresas de telefonia também atravessam a privacidade dos cidadãos. Segundo ele, ao disponibilizar o serviço de internet, elas têm acesso a todo conteúdo visto. “O provedor de conexão é um tubo. Tudo que você faz está lá dentro. Se não proibir, a empresa guarda tudo o que você faz.”  
 
Muitas regras, pouca eficácia 
 
A Constituição Federal considera ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”, mas não entra em detalhes. O Código de Defesa do Consumidor determina que o cliente precisa ser avisado sobre “abertura de cadastro, ficha, registro de dados pessoais e de consumo”. Entretanto, o artigo costuma ser aplicado apenas nos serviços de consulta a débitos. A Anatel proíbe as empresas de telefonia de ter acesso ao conteúdo de ligações e da navegação feita pelo usuário na internet, mas não trata como os provedores ou aplicativos de conteúdo acessam esses dados. 
 
De olho em você 
 
Situações em que seus dados pessoais estão vulneráveis: 
 
– Quando você cria um perfil em um aplicativo de conteúdo, como e-mails gratuitos e redes sociais, automaticamente o autoriza a ter acesso aos passos que você dá. Por meio de mensagens, termos pesquisados e assuntos mais acessados, esses aplicativos usam suas preferências para te direcionar publicidade específica e podem repassar um perfil sobre você a empresas, que vão te mandar propagandas, mesmo sem você pedir. 
 
– Quando você faz um cadastro em uma loja, por exemplo, ou o atendente verifica se você está com o nome sujo na praça. Muitas empresas trocam essas informações, e hoje é possível, inclusive, comprar um pacote com dados de pessoas em feiras ou pela internet. É por isso, por exemplo, que você recebe ligações ou e-mails de alguém te oferecendo um produto que você nunca procurou. 
 
– Hoje em dia, academias, prédios, condomínios e bancos coletam digitais (sistema biométrico) para cadastro de usuários, mas não há regras sobre essa utilização. Portanto, não se sabe como e onde esses dados são armazenados e nada impede que a empresa os repasse. 
 
– Enquanto a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos espionava governos mundo afora, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) admitiu, em agosto deste ano, que monitora cidadãos brasileiros pelas redes sociais, sem especificar em que situação o faz e com que objetivo. 
 
– Ficou comprovado que, quando registrou imagens dos endereços para compor a ferramenta Street View, o Google capturou, inclusive no Brasil, dados pessoais e senhas de cidadãos que estavam pelo caminho, por meio das redes wi-fi. Na última semana, após pedido do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI), a Justiça de Brasília solicitou ao Google essas informações coletadas e detalhes de como elas são armazenadas. 

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