Gen Ex Pinto Silva – Está a FRANÇA em Paz com sua História e com seu Presente?

ESTÁ A FRANÇA EM PAZ COM SUA HISTÓRIA E COM SEU PRESENTE?

 

Carlos Alberto Pinto Silva[1]

“O ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian reafirmou, no Brasil, que seu país não tem pressa em aprovar o acordo recém-aprovado entre União Europeia e MERCOSUL, e reforçou a visão europeia de que Bolsonaro não tem como prioridade a preservação do meio ambiente.”[2]

1.EXCEPCIONALISMO.

Doutrina que defende o carácter excepcional de um dado sistema político, nação ou povo [3].

A Europa, que outrora estava repleta de grandes potências como a Alemanha [4], a França, a Inglaterra e a Austro-Hungria, passou agora a outra direção. Hoje, com débil projeção de poder; fraco crescimento econômico (1,5% ao ano); conflitos entre os 28 membros da União Europeia; incontrolável migração do Oriente Médio e do Norte da África; problemas graves com membros mais pobres da UE, como a Grécia; e saída da Inglaterra da União Europeia, promove questões domésticas em detrimento de questões internacionais.

A economia da Alemanha cresceu 1,5% em 2018, taxa mais fraca em cinco anos e uma clara desaceleração ante o ano anterior [5], enquanto, no mesmo ano, a França registrou um crescimento de 1,5%,arrefecendo fortemente ante o avanço de 2,3% registrado em 2017 [6].

A França, manteve um sentido persistente de excepcionalismo, mas fez as pazes com a perda de seu império externo e da sua missão especial no mundo, recalibrando sua ideia nacional para atender seu papel reduzido e unindo-se com poderes menores e países pequenos na Europa em termos de igualdade; porém alguns argumentariam que suas elites ainda não o fizeram plenamente.

Grande potência: Estado que, por seu poderio econômico, político e militar é capaz de exercer o poder além (por cima) da diplomacia. As posições que assumem são consideradas pelas demais nações antes da tomada de uma ação diplomática ou militar. Uma grande potência tem a capacidade de intervir militarmente praticamente em qualquer parte do planeta, o que a França só seria capaz com apoio da União Europeia ou dos Estados Unidos.

Não resta dúvida que, nos nossos dias, os Estados Unidos da América assumem a condição de superpotência mundial e, segundo alguns estudiosos, de maneira isolada.

Para outros especialistas, a Rússia, como Estado sucessor da ex-URSS, conserva certos aspectos de uma superpotência (arsenal militar, grande população, maior território mundial e capacidade de desenvolver tecnologias militares e espaciais).

Na Ásia, a China, potência continental, por sua vez, ainda caminha para se tornar uma superpotência, devendo, inclusive, desbancar os EUA até 2040, porém, para tanto, terá que superar óbices difíceis de serem ultrapassados, como o atendimento de necessidades básicas de uma superpopulação de 1,3 bilhões de habitantes, a multinacionalidade representada por 56 etnias e a democratização do país.

No que se refere à União Europeia, estudiosos do assunto sustentam que, se considerada em conjunto (unificada), possui características de uma superpotência.

É importante ressaltar a ideia de Putin, que é um severo crítico do “excepcionalismo”, como explicitou no artigo publicado no jornal New York Times, em 11 de setembro de 2013, no qual advertiu: “É extremamente perigoso incentivar as pessoas a se verem como excepcionais, independentemente da motivação. Existem países grandes e pequenos, ricos e pobres, uns com longas tradições democráticas e outros ainda buscando o seu caminho para a democracia. As suas políticas também diferem. Somos todos diferentes, mas quando pedimos as bênçãos de Deus, não devemos esquecer de que Deus nos criou iguais [7]”.

2. POTENCIAL NUCLEAR DA FRANÇA E OS TESTES REALIZADOS NAS COLÔNIAS.

França é conhecida por ter um arsenal de armas de destruição em massa. “O presidente francês revelou, pela primeira vez e em nome da "transparência", a composição do arsenal nuclear da França, confirmando que o país tem menos de 300 ogivas nucleares, em um discurso sobre dissuasão nuclear na base aérea de Istres [8]”.

 

Arsenal este conseguido através teste nucleares na Argélia e na Polinésia Francesa com extremo prejuízo a população e ao meio ambiente.

Em 13 de fevereiro de 1960, a França realizou no sul da Argélia, ainda colonizada, o primeiro teste nuclear. Segundo as estatísticas, durante seis anos após a data do primeiro experimento, ocorreram 17 explosões nucleares. Cientistas locais afirmam que a poluição radioativa causa mutações genéticas e mudanças irreparáveis em todos os seres vivos [9].

“As sequelas provocadas pelos 193 testes (1966 a 1996) nucleares realizados pela França na Polinésia Francesa são o motivo da Assembleia deste conjunto de pequenas ilhas do Pacífico Sul, ainda vinculadas politicamente ao país europeu, para reivindicar uma compensação milionária a Paris”.

"Não queremos ir aos tribunais, o que pretendemos é chegar a um acordo sobre este difícil tema baseado em dois aspectos:o impacto no meio ambiente e as consequências à saúde da nossa população".  Os desabitados atóis de Mururoa e Fangataufa escondem 3.200 toneladas de material radioativo [10].

3. COLÔNIAS FRANCESAS.

No Caribe, a França colonizou as ilhas de Martinica, Guadalupe e Haiti. A ilha de Saint Martin acabou sendo dividida com a Holanda. As colônias francesas na África são inúmeras, sendo o ponto de partida no Senegal, onde, em 1624, estabeleceu entrepostos, limitando-se a traficar escravos para as suas colônias no Caribe. A Île Bourbon (atual Reunião), em 1664, Île de France (atualmente Maurícia), em 1718 e as Seychelles, em 1756, foram as conquistas no Oceano Índico. Parte do Egito, durante o reinado de Napoleão, também foi dominada pela França.

Mas foi no século XIX com a invasão da Argélia e o estabelecimento de um protetorado na Tunísia que o interesse na África foi despertado nos franceses. Quando se formou a colônia do Sudão francês (atual Mali), o Marrocos tornou-se outro protetorado.

Foram colônias francesas até meados do século XX: Marrocos, Tunísia, Guiné, Camarões, Togo, Senegal, Madagascar, Benin, Níger, Burkina Faso, Costa do Marfim, Chade, República do Congo, Gabão, Mali, Mauritânia, Argélia, Comores, Djibouti, República Centro Africana [11].

Em seu ápice, o país foi um dos maiores impérios da história. Incluindo a França metropolitana, a quantidade total de terras sob soberania francesa chegou a 11.500.000 km² em 1920, com uma população de 110 milhões de pessoas em 1939. Na Segunda Guerra Mundial, Charles de Gaulle e os franceses livres usaram as colônias ultramarinas como bases a partir das quais eles lutaram para libertar a França. O historiador Tony Chafer argumenta: "Em um esforço para restaurar seu status de potência mundial após a humilhação da derrota e ocupação, a França estava ansiosa em manter seu império no exterior no final da Segunda Guerra Mundial." No entanto, após 1945 movimentos anticoloniais começaram a desafiar a autoridade europeia [12].

A Primeira Guerra da Indochina foi um conflito entre tropas vietnamitas e tropas coloniais dos franceses que aconteceu entre 1946 e 1954. Os vietnamitas, liderados pelo grupo Vietminh de Ho Chi Minh, tinham como objetivo pôr fim ao domínio colonial dos franceses na região. A Guerra da Indochina marcou a independência de Laos, Camboja e Vietnã. Esse último foi dividido em duas entidades distintas: Vietnã do Norte e Vietnã do Sul [13].

A Guerra de Independência Argelina, também conhecida como Revolução Argelina ou Guerra da Argélia foi um movimento de libertação nacional da Argélia do domínio francês, que tomou curso entre 1954 e 1962, e que se caracterizou por ataques de guerrilha e atos de violência contra civis, perpetrados tanto pelo exército e colonos franceses quanto pela Frente de Libertação Nacional e outros grupos argelinos pró-independência.

O governo francês, na época, considerava criminoso ou terrorista todo ato de violência cometido por argelinos contra franceses, inclusive militares.

Uma campanha de atentados antiárabes (1950-1953) havia sido praticada por colonos direitistas, desencadeando, em contrapartida, a luta lançada pela FLN em 1954, apenas dois anos antes da França ser obrigada a desistir do seu controle sobre a Tunísia e Marrocos.

O principal rival argelino da FLN — com o mesmo objetivo de independência para a Argélia — era o Movimento Nacional Argelino (MNA), criado mais tarde, cujos apoiantes principais eram trabalhadores argelinos na França. A FLN e o MNA lutaram entre si durante quase toda a duração do conflito.

Ao menos 300 000 argelinos foram mortos nesta guerra, e até 3.000.000 enviados para campos de reagrupamento (de uma população de 10.000.000) [14].

 

 

4. MIGRAÇÃO

“Em 2018, uma seleção francesa majoritariamente composta por filhos de imigrantes originários das antigas colônias francesas na África venceu a Copa do Mundo. Mpabbé e Pogba, assim como outros de seus colegas, poderiam defender as seleções de países africanos, mas optaram pela França. Eles cantam alto a Marselhesa durante a apresentação dos times. São filhos de imigrantes negros em espaços brancos porque são capazes de prestar um bom serviço ao país, mereceram um lugar ao sol.

Encaixam-se em um modelo de comportamento. Mas não estão salvos do medo reprimido de que eles, franceses excepcionais, possam recair, falhar, sair do padrão de qualidade. Assim, os hipócritas e racistas justificam a xenofobia e a exclusão. Tal qual ocorreu com os franceses que saquearam lojas em Paris após a vitória, roubaram coisas, e foram rebaixados à categoria dos malditos imigrantes” [15].

“Os cínicos fazem do sucesso desses atletas uma falsa propaganda de multiculturalidade, escondendo que essas pessoas muitas vezes são tratadas de maneira hostil [16]”.

5. NA FRANÇA, O ACORDO ENTRE A UE E O MERCOSUL ENFRENTA OPOSIÇÃO E PROTESTOS DE AGRICULTORES, AMBIENTALISTAS E ATÉ MINISTROS.

Enquanto o setor industrial francês comemora, agricultores, ambientalistas e inúmeros políticos da França, inclusive do partido do governo, se opõem abertamente.

Produtores agrícolas e ecologistas franceses afirmam que o Brasil não cumpre as mesmas exigências sanitárias, trabalhistas e ambientais impostas a produtores da Europa e que, por isso, os produtos sul-americanos têm preços "incomparáveis" aos dos europeus.

“As críticas contra o acordo com o MERCOSUL complicam a situação política de Macron, que alimenta uma imagem internacional de defensor do meio ambiente”. [17]

6. CONCLUSÃO.

O Governo Socialista Francês tem muito mais a se desculpar e justificar, por seu passado colonialista, seus testes nucleares na Argélia e na Polinésia, as guerras fraticidas na Argélia e na Indochina, e a atual revolta dos coletes amarelos, antes de pressionar países livres e democráticos que só estão lutando por seu desenvolvimento econômico e social.

 


[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.

[2] Coluna do Ancelmo Gois- O Globo de 30/07/2019

[4] Excepcionalismo alemão: País é um dínamo de exportação, com enorme superávit comercial, e deve parte deste saldo positivo ao euro. – https://oglobo.globo.com/opiniao/excepcionalismo-alemao-14060972

[7] Putin se referindo ao Excepcionalismo Americano.

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