Como militares brasileiros se preparam para possível conflito entre EUA x Venezuela

Exército atua em três frentes em Roraima, ponto nevrálgico na fronteira venezuelana. Temor maior é do aumento no êxodo de refugiados ou a penetração de tropas em território brasileiro
Na foto (esquerda) treinamento de US Marines a Bordo do navio de desembarque Iwo Jima, Foto US DVIDS, Outubro 2025, e tropas da Fuerza Armada Nacional Bolivariana (FANB),

Humberto Trezzi
Zero Hora
21 Dezembro 2025

O aprisionamento de um petroleiro venezuelano por tropas norte-americanas no sábado (20) – o segundo, em 10 dias -elevou o nível de tensão no norte da América do Sul a níveis não registrados há décadas. E o temor de que a crise respingue no Brasil é tema de reuniões permanentes na cúpula das Forças Armadas brasileiras. Algo que foi verbalizado pelo próprio presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que considerou um eventual conflito como uma “catástrofe e humanitária e um precedente perigoso”.

Este colunista falou com quatro oficiais de alto escalão do Exército (da ativa e da reserva), que traçaram análise decenário, sob anonimato. Embora não comunguem da mesma ideologia, o quarteto concorda em alguns pontos. O primeiro é de que sim, seria catastrófico um conflito. O segundo é a preocupação com o emprego do poder militar de um país (os EUA) para alcançar seu objetivo político, um precedente não visto em época recente na América Latina.

Um general que até meses atrás era do Estado-Maior do Exército e conhece a região Norte como poucos define suas impressões.

—Fiquei 48 anos na ativa e esta é a maior crise geopolítica que já vi próximo às fronteiras com o Brasil. Algo que não ocorria desde a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, quando eu nem era nascido.

Outro general de Exército, também recém-saído do Estado-Maior, fala que se abriu uma Caixa de Pandora: a gente sabe como começa o jogo, mas não tem ideia de como termina.

—Acho que todo brasileiro sério e equilibrado vê essa situação com perplexidade. Não creio que possa afetar diretamente nosso poder militar, mas politicamente uma ação dessa natureza na América do Sul é muito grave. Só que populistas (de esquerda ou de direita) preferem ignorar esse princípio.

Um coronel especialista em geopolítica, que atuou em vários países latino-americanos, considera claro que a atuação de Donald Trump visa tornar as Américas sua zona de influência exclusiva, “correndo com recursos (político, militares e econômicos) russos e chineses daqui”. Um general de Divisão, que participou de exercícios em Roraima, acredita que o Brasil não precisa temer uma ação militar norte-americana. Na raiz dessa despreocupação estaria um acordo de bastidores para que os EUA explorem terras raras em nosso país. o que evitaria a necessidade de os EUA negociarem o assunto diretamente com o adversário maior, a China.

Os quatro especialistas consideram também muito pouco provável uma intervenção armada em larga escala dos EUA na Venezuela, porque Trump é um homem de negócios, justificam. Uma eventual ação de força visaria objetivos físicos(refinarias, bases militares, sob a alegação que seriam depósitos de drogas) e/ou políticos (captura ou eliminação de autoridades), sem ocupação territorial.

Eles acreditam que no campo militar os venezuelanos não são páreo para os norte-americanos. As Forças Armadas bolivarianas (da Venezuela), apesar de numerosas, agem mais internamente do que no preparo para combater inimigo externo. E uma eventual ajuda russa a Maduro é improvável, porque a preocupação maior da Rússia é o conflito na Ucrânia. O cenário mais provável é um aumento gradual da pressão ostensiva dos EUA, com negociação de uma “saída honrosa” nos bastidores (como ocorreu com Bashar Al-Assad na Síria).

E o Brasil, nisso tudo? Pequeno em população e grande em das Forças Armadas, por fazer fronteira com a Venezuela. O Exército atua em três frentes, naquele Estado: no território indígena Yanomami (para expulsar garimpeiros clandestinos),na fronteira venezuelana (com a Operação Acolhida, que encaminha refugiados venezuelanos no Brasil) e na fronteira com a Guiana (pela possibilidade de militares venezuelanos ingressarem em território brasileiro para atingir Essequibo, província guianesa em disputa entre os dois países).

Reforço de blindados e tropas

A preocupação da cúpula militar com Roraima se traduz em números. O Exército tinha lá um general e agora tem três. E agregou, à sua Brigada de Infantaria da Selva naquela região, um esquadrão de blindados. Foi um reforço e tanto. Existiam menos de 20 viaturas blindadas em Roraima, agora são 50, sendo 28 delas de combate. E a tropa foi expandida, de esquadrão (150 militares) para regimento (600 militares). Isso por ser ponto nevrálgico. Foram incluídos no pacote mísseis antitanque e mísseis antiaéreos. Tudo isso custou cerca de R$500 milhões do orçamento do Exército.

Estão na fronteira com a Guiana, hoje, 14 viaturas blindadas multitarefa 4×4 Guaicurus (equipadas com sistemas de armas remotamente controlados, meios de visão termal e módulos de comando e controle), além de oito viaturas blindadas de transporte de pessoal médio sobre rodas Guarani (com canhão e metralhadora), seis viaturas blindadas de reconhecimento média sobre rodas EE-9 Cascavel (com canhão e metralhadora),e algumas viaturas administrativas. O problema é se precisar de reforço.

Mobilização de tropas brasileiras no terreno de Roraima. Observar a composição arenosa do terreno chamado Lavrado ou Lavradio. Ao contrário do pensamento geral de boa parte das pessoas a área de Roraima permite operação de viaturas blindadas

O maior desafio do Brasil, caso tenha de deslocar tropas e armas, é logístico. São 17 mil quilômetros de fronteiras e os meios mais poderosos estão no Centro-Sul do pais, embora a tensão ocorra no Norte. Até para testar essa questão as Forças Armadas realizaram entre 2 e 9 de outubro passado o exercício militar Atlas, que concentrou 10 mil militares brasileiros na Região Norte. Ao todo foram empregadas 470 viaturas e carros de combate (Guaicurus, Guarani, Leopard 1A5, Cascavel, o poderoso obuseiro M-109 e o sistemas de mísseis Astros).

Todos treinaram e voltaram para suas unidades. A lição maior: o Exército levou 22 dias para deslocar tanques Cascavel de Mato Grosso do Sul para a fronteira com a Guiana, por terra e água. E os blindados de artilharia autopropulsada M-109também levaram quase três semanas entre Cruz Alta (RS) e Roraima.

O leitor pode estranhar: carros de combate em Roraima? É que talvez desconheça que metade daquele Estado é formado por campos, como os do Pampa gaúcho, apropriados para uso de tanques. A outra metade é selva, onde age a Infantaria.

A artilharia seria acrescentada, como fator dissuasório, com uso de foguetes que ultrapassam fronteiras, como os Astros baseados em Goiás. Mas dois problemas logísticos impedem ações rápidas. O primeiro é a pequena capacidade viária, que torna tudo mais lento – sobretudo no inverno amazônico, agora, com lama e chuvas. O segundo é existência de escassos aeroportos e o apoio da Força Aérea é fundamental nessas regiões remotas. O controle do espaço aéreo é fundamental para antecipações estratégias.

Uma alternativa seria o uso intensivo de drones, mas a presença deles é escassa nas Forças Armadas, sobretudo os de ataque.

Êxodo de imigrantes preocupa

O principal temor ante um eventual conflito na fronteira é que o êxodo de imigrantes aumente. Hoje, 20% da população venezuelana está fora do país. A maior parte migrou para a Colômbia, mas o segundo destino preferido é o Brasil, que recebeu milhares.

Um general de Divisão que ainda atua na Região Norte analisa a questão migratória e acredita que, caso o regime de Maduro caia, muitos desertores militares venezuelanos iriam cruzar a fronteira com o Brasil.

— Já os que vieram há pouco tempo via Operação Acolhida podem querer voltar para sua terra, para ajudar em um possível novo regime. Mas os que estão há mais tempo no Brasil dificilmente vão querer retornar, pois já constituíram suas vidas, seus empregos. E seus filhos têm maiores oportunidades aqui — conclui o general.

Plataforma do Exército Brasileiro transportando um obuseiro AP M-109A3BR e um M113. Transporte destes equipamentos posicionados no extremos Sul até Roraisma leve de 3 a 4 semanas via rodoviária e fluvial Foto CMS

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