Clube Valdai discute estrutura de segurança europeia

Elisabeth Hellenbroich

de WiesbadenResenhaa Estratégica MSIa

Uma visão muito interessante foi proporcionada por um seminário organizado pelo Clube de Discussões de Valdai sobre o tema “Um jogo de três movimentos: será possível evitar uma Zugzwang?” [Zugzwang é uma jogada de xadrez em que um jogador em posição favorável é obrigado a fazer uma jogada desfavorável – n.e.]

O seminário, moderado pelo diretor de pesquisas de Valdai, Fyodor Lukyanov, foi realizado em 19 de janeiro, após as reuniões em Genebra, Bruxelas e Viena, entre representantes russos, estadunidenses, da OTAN e da OSCE. Na oportunidade, o vice-ministro de Relações Exteriores Sergei Ryabkov qualificou a situação de segurança europeia como “crítica”, porque os EUA e a OTAN estão usando a Ucrânia como alavanca de pressão contra a Rússia.

Em referência às reuniões, Ryabkov ressaltou que todas ajudaram a entender melhor a posição de cada lado: “Preferimos negociar com os EUA, porque há muitas partes interessadas. Por outro lado, em Genebra, insistimos em garantias juridicamente vinculantes de não expansão da OTAN e implantação de armas ofensivas. Precisamos obter garantias juridicamente vinculantes de que todos voltem às fronteiras de 1997… Não estamos dispostos a esperar eternamente e ter uma bagunça diplomática e burocrática. Precisamos de uma resposta clara por escrito.”

Ryabkov enfatizou ainda que a responsabilidade de a situação ter chegado a tal ponto é dos EUA e da OTAN. Segundo ele, “a bola está agora claramente do lado dos EUA, foi o seu curso assertivo que levou à situação atual”.

Depois de acrescentar que os relatos sobre uma invasão russa da Ucrânia não passam de especulação, ele concluiu afirmando que “o comportamento dos EUA me lembra as famosas palavras de Talleyrand: ‘Eles não aprenderam nada e não esqueceram nada’”.

Em seguida, falou o cientista político estadunidense John Mearsheimer, professor da Universidade de Chicago e participante dos debates em Valdai. Ele se mostrou pessimista ao afirmar que “a crise entre os EUA e a Rússia não vai melhorar”. A sua principal causa, afirmou, “foi a decisão de Washington, em 2008, de transformar a Ucrânia em um baluarte ocidental na fronteira com a Rússia”. Ele apontou três aspectos que deixariam isso claro:

1) os EUA estão interessados em expandir a UE para o Leste;

2) incluir a Ucrânia na OTAN; e

3) eles lançaram uma “revolução laranja” na Ucrânia, com o objetivo de fazer do país um “baluarte ocidental”.

Em suas palavras: “A Rússia disse que isso era inaceitável. Em 2014, a crise eclodiu na Ucrânia e o governo do presidente Biden continua a fazer da Ucrânia um baluarte ocidental. Eles argumentam que a Ucrânia é ‘soberana’ em relação à OTAN e estão armando e treinando as forças militares ucranianas.”

Mearsheimer apontou para o que considera um verdadeiro paradoxo, o fato de que “os EUA insistem no direito soberano da Ucrânia de ingressar na OTAN, mas não tolerariam uma situação semelhante em seu próprio hemisfério”. Ele enfatizou que “os EUA não reconhecem a sua própria ‘Doutrina Monroe’ para a Rússia, segundo a qual nenhum poder distante pode formar alianças no Hemisfério Ocidental. De acordo com a lógica do equilíbrio de poder que está sustentando a ‘Doutrina Monroe’, os EUA se recusam a aceitar que a Rússia tenha uma ‘Doutrina Monroe’ por conta própria. Líderes russos enfatizaram que a política de Biden é inaceitável e estão preocupados com que os estadunidenses arrastem a discussão. Os russos pensam em ‘respostas assimétricas duras’”.

Ele resumiu a sua avaliação, afirmando:

 

O governo Biden não se acomodará com os russos. As razões para isso são:

1) A política estadunidense opera em todo o mundo com base em uma intensa ‘russofobia’, onde os EUA são os mocinhos e a Rússia o bandido. Se fizermos concessões aos russos, isso seria como concessões a Adolf Hitler (sic). É tudo preto e branco.

2) A noção de uma expansão ilimitada da OTAN e de que a Ucrânia tem o direito de estar na OTAN está profunda e sagradamente enraizada no pensamento ocidental.

3) O presidente Biden está com problemas políticos profundos na frente interna. Se ele fizesse concessões, seria bombardeado por democratas e republicanos e pagaria um preço.

4) Os estadunidenses temem que a China veja isso como um sinal de fraqueza e avance em Taiwan. Em conclusão, a intransigência estadunidense está na ordem do dia. Acho difícil que possamos evitar um ciclo de ação/reação. E vale lembrar [o falecido diplomata e “guerreiro frio”] George Kennan, que certa vez disse que a expansão da OTAN foi o erro mais fatal em toda a era pós-Guerra Fria.

Mearsheimer foi seguido por Malcolm Rifkind, ex-secretário de Defesa e Relações Exteriores do Reino Unido, que concordou com a declaração de Kennan, mas também tentou explicar o que havia acontecido durante os últimos 30 anos, incluindo a retomada da Crimeia pela Rússia e a guerra Geórgia/Ossétia do Sul. Segundo ele: “O que teria acontecido se não tivesse havido a expansão da OTAN depois de 1997? A pressão veio dos antigos Estados satélites [da URSS]. Eles estavam aterrorizados e entendiram a motivação na Rússia – ‘você controla a segurança russa controlando os vizinhos russos’.”

Em relação à proposta russa de um tratado por escrito, Rifkind afirmou que entendia as suas motivações. Mas, para ele, é unilateral dizer que todas as tropas da OTAN devem se retirar. “E quanto às tropas russas na Crimeia e no Donbass?” – perguntou. Porém, afirmou que se opunha “firmemente à integração da Ucrânia na OTAN, como também a Geórgia. A questão toda é a do Artigo 5 da OTAN. Nunca acreditei que a Grã-Bretanha, França e Alemanha entrariam em guerra com a Rússia”.

Como uma possível solução para a crise, Rifkind sugeriu: “Em termos de segurança da Ucrânia, há uma questão que deve ser seriamente considerada. Neutralidade. Como naÁustria, onde a URSS concordou com a neutralidade e a retirada de suas tropas. Outra coisa, se a Rússia quer resolver a questão da Ucrânia, Putin deve parar de falar sobre a Grande Rússia, que está desatualizada. O Império Russo já desapareceu.”

Nos debates, Ryabkov, ao ser perguntado se a Rússia não está sob uma “Zugzwang”, reunindo 100 mil homens em território russo perto da fronteira com a Ucrânia, respondeu: “Não há risco de uma guerra em grande escala na Europa. Não atacaremos, golpearemos ou invadiremos. Isto já foi dito dezenas de vezes. Vemos a ameaça de a Ucrânia se integrar mais na OTAN sem sequer estar ‘na’ OTAN… Os EUA querem acirrar a crise. Não fizemos nada. Só fazemos exercícios.”

Ele continuou repetindo que não há razão para estar “preocupado”. Mas afirmou claramente que uma fórmula de uma “moratória” sobre a expansão da OTAN não seria aceitável pela Rússia: “Precisamos de garantias juridicamente vinculantes contra a expansão da OTAN. Não ficaremos satisfeitos com essa fórmula

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