O Globalismo e seus Efeitos na Política Externa e de Defesa Norte-Americana

Reis Friede

Desembargador Federal; Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR).

Site: https://reisfriede.wordpress.com/

E-mail: reisfriede@hotmail.com

 

 

No século XXI (e, em grande medida, nos últimos anos da centúria anterior), os EUA não deixaram de ostentar a condição de principal e hegemônica potência tecnológica, podendo ainda ser denominado (e reconhecido) como o “cérebro global”. Entretanto, com toda a certeza, aquele país deixou de ser o chamado “chão de fábrica”.

Os “globalistas”, que fizeram e continuam fazendo suas fortunas nos EUA, gradativamente transferiram suas indústrias (e, consequentemente, parcela expressiva da riqueza nacional estadunidense) para o exterior, em particular para a China, razão fundamental do agigantado volume do comércio bilateral EUA-China e, principalmente, dos crescentes (e cada vez mais pouco controláveis) déficits comerciais nas contas de importação e exportação sino-estadunidense.

No contexto dessa realidade, que se revela cada vez mais perceptível, a política econômica (e, também, a de natureza militar), inaugurada com o governo DONALD TRUMP (2017), procura, em uma natural reação, combater esse fenômeno (denominado, por muito dos estudiosos de relações internacionais, de “globalismo”), o qual, em linhas gerais, dentre outros efeitos apreciáveis, reconhecidamente transfere “poder relativo” a outras nações, e, principalmente, para a ambiciosa potência mandarim, o que se efetiva em detrimento dos interesses norte-americanos, em seu sentido mais amplo.

A Belonave da Força Naval de Autodefesa do Japão JS ATAGO (DDG-177), equipada com o sistema  de proteção balístico AEGIS, realizou no dia 11 de Setembro um teste completo de interceptação do Aegis Ballistic Missile Defense (BMD) capacitando a frota japonesa em Defesa de Mísseis Balísticos. Foto – US Missile Defense Agency

No campo militar, de forma singular e extremamente preocupante, é provável que esse fenômeno “globalizante” (que se tornou, em grande medida, descontrolado e, por conseguinte, completamente desprovido de qualquer regulação por parte da nação líder estadunidense), tenha sido o principal responsável, dentre outros nefastos efeitos, pela construção do atual cenário de instabilidade geopolítica mundial, por permitir que a Coreia do Norte, segundo a opinião de expressiva parcela dos estudiosos da Polemologia, viesse a adquirir, diretamente do Paquistão (que, em 1998, testou, com sucesso, sua primeira bomba atômica), ogivas nucleares devidamente prontas e acabadas, a exemplo do que logrou fazer a África do Sul, em meados da década de 70 do século XX, em relação a uma pequena nação (o Estado de Israel), no meio de uma conturbada região do planeta, país este que se encontrava, à época,  em situação econômica extremamente grave, tendo em vista as dívidas decorrentes dos altos custos efetuados com a Guerra de Yom Kippur, conflito travado (em 1973) pelos israelenses contra uma coalizão de Estados árabes liderados pelo Egito e pela Síria.

 

Muito embora essa complexa e desafiadora manobra sul-africana tenha sido, naquela oportunidade, relatada pela URSS aos EUA, o que se deu por intermédio de uma ampla orquestração internacional, que, por fim, logrou fazer cessar a operação de compra dos vetores (misseis balísticos Jericho) e das correspondentes ogivas nucleares, interrupção esta que restou efetivada por meio de um exitoso (porém, intricado e demorado) processo de desnuclearização da África do Sul, é fato que outras nações acabaram por trilhar, sem as mesmas enfáticas reações oriundas da comunidade internacional, o mesmo caminho daquele Estado africano.

Tal contexto fático, com muita probabilidade, permitiu que a Coreia do Norte conseguisse, através de acordos bilaterais, silenciosos e dissimulados (e, em especial, reciprocamente interessantes), o fornecimento de tecnologia de mísseis balísticos (obtidos através da conjugação do vasto estoque de foguetes Scud’s soviéticos com um amplo programa de aquisição de equipamentos, como motores de mísseis, na Ucrânia) em troca dos artefatos explosivos nucelares paquistaneses, viabilizando, assim, em tempo recorde, o desenvolvimento da atual capacidade bélico-nuclear norte-coreana, fenômeno derivado diretamente do processo de “globalização”, o qual, de forma diversa das previsões originárias, tornaram o mundo um lugar muito mais perigoso do que propriamente seguro, em função de uma inédita forma de disseminação de tecnologias sensíveis, outrora muito bem restritas e limitadas pela denominada Bipolaridade Confrontativa Indireta mantida entre os EUA e a URSS, e que perdurou durante a Guerra Fria (1947-91).

Interessante observar, nesta perspectiva analítica, que os tradicionais aliados estadunidenses (vale dizer, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, etc) acabaram, – em função, sobretudo, das garantias decorrentes do chamado “guarda-chuva nuclear” norte-americano -, não se beneficiando das inéditas e extraordinárias possibilidades globalizantes de obtenção de tecnologias sensíveis e, em especial, as de natureza bélico-nuclear.

Em verdade, apenas a Arábia Saudita e o Egito cogitam, na atualidade, da possibilidade de obtê-las, sendo, entretanto, fortemente dissuadidos, por ora, de fazê-lo, enquanto o Irã (apesar de todos os esforços empreendidos) não lograr sucesso em sua empreitada destinada à busca de tal tecnologia, razão maior das genuínas preocupações de DONALD TRUMP em assinar um novo acordo, mais abrangente e seguro, com o Irã, a respeito do tema.

Ao que tudo indica, a nova política de defesa de DONALD TRUMP, direcionada em fornecer proteção defensiva, com mísseis antibalísticos, para os países ameaçados pelas chamadas “potencias hostis” (anteriormente cunhadas, pejorativamente, como integrantes do “Eixo do Mal”) parece, provisoriamente, dissuadir a nuclearização militar de nações que, alternativamente: ou possuem recursos econômicos para adquirir diretamente armas nucleares (v.g. Arábia Saudita e Egito, ambos de maioria sunita, em relação ao majoritariamente sunita Paquistão, com seus graves problemas econômicos), ou ostentam tecnologia para, a curto ou médio prazos, proceder ao desenvolvimento autônomo de um arsenal nuclear funcional (mísseis e ogivas) próprio e independente (v.g. Japão e Coreia do Sul, dentre outros).

Em agosto de 2018 esquadrões formados com F-35 e F-18 sobrevoam os Porta-aviões Classe Nimitz USS Abraham Lincoln (CVN 72) e USS Harry S. Truman (CVN 75); mais os destroyers Classe Arleigh Burke USS Mason (DDG 87), USS Forrest Sherman (DDG 98) e USS Arleigh Burke (DDG 51) e o cruzador Classe Ticonderoga USS Normandy (CG 60) navegam no Oceano Atlântico.

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