TOA GUERRILHA NA AMAZÔNIA: – O Passado – Parte 1

GUERRILHA NA AMAZÔNIA:

UMA EXPERIÊNCIA NO PASSADO,  O PRESENTE E O FUTURO
(matéria em três partes)

Matéria publicada originalmente em DefesaNet Novembro 2005

Cel Alvaro de Souza Pinheiro(*),

do Exército Brasileiro

DefesaNetGuerrilha na Amazônia: uma experiência no passado, o presente e o futuro

Parte 1 O Passado Link
Parte 2 A Guerrilha do Araguaia Link
Parte 3 A Experiência do rio Traíra Link

DefesaNetNota: O Série de artigos “Guerrilha na Amazônia: uma experiência no passado, o presente e o futuro”, foi produzida como uma posição do Exército Brasileiro referente à Amazônia, nos anos 90.

O seu autor, na época Coronel de infantaria, atuava como oficial de ligação do Exécito Brasileiro junto ao Centro de Armas Combinadas e à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA, apresenta uma visão abrangente e relata com detalhes dois pontos importantes a Guerrilha do Araguaia (Parte 2) e a Ação do Rio Traíra (Parte 3).

Hoje, no posto de General de Brigada (reserva) escreve sobre assuntos militares com vários artigos publicados em DefesaNet

Artigo publicado originalmente na:

Military Review 1º Trim 95 Ed Português

Military Review t – Oct 95 Edição Español

Military Review March-April 96 English Edition

A Amazônia Brasileira foi elevada à situação de área estratégica prioritária, em face dos múltiplos conflitantes aspectos que a caracterizam, conferindo lhe uma problemática política, econômica, psicossocial e militar altamente especial, delicada e sensível. O presente artigo procura decodificar as lições aprendidas nas diversas experiências de guerrilha vivenciadas na Amazônia, tentando estabelecer um paralelo entre o passado, o presente e o futuro.

A CONQUISTA da Amazônia tem sido, desde os primórdios da nossa colonização, uma epopeia escrita com sangue, coragem e determinação. E o sangue foi derramado em acirrados combates na selva onde a criatividade e a implacabilidade das técnicas da guerra de guerrilhas sempre estiveram presentes.

A cidade de Belém, capital do Estado do Pará, assinala o marco inicial da conquista do vasto mundo amazônico, pelas forças luso-brasileiras. Fundada a 12 de janeiro de 1616, por Francisco Caldeira Castelo Branco, após a expulsão dos franceses de São Luís do Maranhão, o pequeno núcleo, representado inicialmente pelo Forte do Presépio, tornou-se admirável pólo de atração e irradiação, marco precursor da expansão, domínio, posse da terra e fixação de uma nova raça em plena zona equatorial, produto natural da miscigenação do branco europeu com o indígena.

Não foi, entretanto, uma conquista pacífica. Lutas violentas foram travadas pelas forças luso-brasileiras para expulsão de ingleses, franceses, holandeses e irlandeses que, em incursões permanentes para exploração e comércio de especiarias, pro curavam também o domínio da terra, com a edificação de fortificações às margens de alguns dos rios da região.

Um vulto de significativa expressão nessa formidável conquista destaca-se dos demais. Trata-se de um remanescente das tropas comandadas por Francisco Caldeira Castelo Branco. Seu nome: Pedro Teixeira. Sua consagração histórica: O Conquistador da Amazônia. Em 28 de outubro de 1637 partiu de Cametá, na margem esquerda do Tocantins, para uma ousada aventura de dois anos e 44 dias. Comandando 87 soldados luso-brasileiros e 300 índios paraenses, flecheiros e remeiros, todos embarcados em 45 canoas, o Capitão Pedro Teixeira subiu o rio Amazonas até a localidade de Quito, no Equador. Durante o longo percurso, lutou, derrotou e expulsou contingentes estrangeiros que procuravam fixação em pontos estratégicos da calha do Rio Mar. Descobriu, efetuou reconhecimentos e deu nome aos principais tributários do rio Amazonas. Fundou, após vencer os índios Encabellados, na confluência dos rios Napo e Aguarico, atual fronteira Peru-Equador, o povoado luso-brasileiro, a Franciscana, distante 1200 léguas de Belém , para assinalar os limites das coroas de Portugal e Espanha, desde 1580 unidas sob a majestade do rei da Espanha.

Pouco após o retorno da expedição a Belém, Portugal tornou-se independente da Espanha e senhor de uma verdadeira Colônia Continente, graças a esta expedição e às de outros bandeirantes como Raposo Tavares, que atingiu Belém 11 anos após, descendo o rio Amazonas pelo Madeira, proveniente de São Paulo. Os resultados obtidos pela expedição Pedro Teixeira serviram, mais tarde, como primeiro argumento da doutrina do Utipossidetis que fundamentou o Tratado de Madrid de 1750 e que viria a confirmar a conquista lusobrasileira.

É importante ressaltar que Pedro Teixeira também se destacou nas lutas para reduzir e pacificar os índios Tupinambás que amea çaram a conquista portuguesa de Belém e de outras localidades litorâneas entre esta e São Luís, como Cumã e Caités. Nestas lutas ratificou a sua condição de chefe militar astuto e audacioso, quando demonstrou de forma plena que a mais eficiente forma de se combater a ação tipicamente guerrilheira tupinambá era também empregar a técnica da guerrilha.

Pedro Teixeira foi nomeado Capitão-Mor do Grão Pará, função equivalente, hoje, a de Comandante Militar da Amazônia. Vítima de rápida e insidiosa moléstia veio a falecer em Belém, em 1641. Seus restos mortais permanecem na Catedral Metropolitana de Belém, erguida no século XVII, na mesma área em que foi construído o Forte do Presépio, atualmente denominado Forte do Castelo.1

Para deslocar o Meridiano de Tordesilhas da foz do Amazonas para os contrafortes dos Andes, retificando àquela época a geopolítica do mundo, Pedro Teixeira se valeu, sobremaneira, das técnicas da guerra de guerrilhas. Pela forma como conduzia suas operações ribeirinhas, quase sempre enfren tando efetivos superiores, e pelo emprego descentralizado de suas frações em ações sempre caracterizadas pela surpresa, o Capitão Pedro Teixeira pode ser considerado um precursor das ações das “Companhias de Emboscadas” que celebrizaram Antônio Dias Cardoso, André Vidal de Negreiros, Henrique Dias e Felipe Camarão na memorável Insurreição Pernambucana, movimento nativista que expulsou os holandeses da região nordeste do Brasil e se notabilizou como um dos mais importantes eventos da formação da nacionalidade brasileira.

Mas a ocorrência da guerra de guerrilhas na história da Amazônia Brasileira tem outro episódio altamente significativo na formação do Estado Independente do Acre.

A exploração e a prosperidade do comércio da borracha levaram grande efetivo de brasileiros, principalmente nordestinos, à região do Acre, uma faixa de terra que, desde 1867, estava cedida à Bolívia pelo Tratado de Ayacucho. Recusando-se a aceitar a autoridade boliviana sobre a região, os brasileiros criam um verdadeiro território independente e exigem sua anexação ao Brasil. Os bolivianos reagem e em contrapartida fundam em janeiro de 1889 a localidade de Puerto Alonso (hoje, Porto Acre). Em maio do mesmo ano, os brasileiros, através de ação armada, expulsam os bolivianos e ocupam a localidade. Em julho de 1899, com o apoio dos seringueiros e do governo do Estado do Amazonas, Luís Galvez Rodrigues proclama a República do Acre. Todavia, o governo brasileiro é obrigado a reprimir tal intenção, tendo em vista a manutenção dos compromissos em vigor. Em 1901, a Bolívia assina o Tratado de Aramayo, arrendando a região ao The Bolivian Syndicate of New York, que recebe autorização de cobrar impostos, explorar a borracha e efetuar mineração. A situação se torna crítica e; em agosto de 1902, uma força de guerrilha brasileira com pouco mais de 2 000 homens, sob a liderança de José Plácido de Castro, inicia uma insurreição vitoriosa. Este gaúcho de 26 anos adaptou às condições da selva amazônica a tática ágil e de grande mobilidade das guerrilhas que praticara, a cavalo, nas coxilhas do Rio Grande, na Revolução Federalista.

Em janeiro de 1903, após acirrados combates, as forças bolivianas são definitiva mente derrotadas e batem em retirada. Plácido de Castro é aclamado governador do Estado Independente do Acre. Em 17 de janeiro de 1903, numa vitória diplomática do Barão do Rio Branco, é assinado o Tratado de Petrópolis. O Brasil compra a região, da Bolívia, por dois milhões de libras esterlinas, compromentendo-se a construir a estrada de ferro MadeiraMamoré e a indenizar o Bolivian Syndicate com 110 mil libras esterlinas. Em 25 de fevereiro de 1904, o Estado Independente do Acre é dissolvido, sendo incorporado à Federação Brasileira como Território Federal do Acre.

Numa análise de maior profundidade é possível verificar que Plácido de Castro conjugou, no campo da estratégia geral, com rara habilidade e compreensão, os fatores fisiográficos, políticos, econômicos e sociais que desembocaram na luta armada. Em suas operações militares, aplicou estratégia de genuína inspiração napoleônica, dentro dos clássicos princípios da arte da guerra, numa movimentada campanha de guerrilhas, com reduzidos efetivos, adaptando perfeitamente a conduta das operações às condições meteorológicas e ao terreno.2

Ficam assim registrados dois exemplos históricos de campanhas militares ama zônicas de grande significado político estratégico, de enorme conotação patriótica, onde a técnica da guerra de guerrilhas foi de fundamental importância.

E, como veremos a seguir, ao focalizarmos as situações mais recentes em que forças regulares brasileiras se viram envolvidas com a guerra de guerrilhas na região amazônica, poderemos concluir que os ensinamentos colhidos nas campanhas conduzidas por estes extraordinários Pedro Teixeira e Plácido de Castro permanecem extremamente válidos, atualizados e com grande probabilidade de serem empregados no futuro, se necessário for defender os interesses vitais do Brasil na Amazônia

1- A Conquista da Amazônia – Major Claudio Moreira Bento

2- Plácido de Castro – 2ª Parte “Operações Militares no Acre” P. J. de Mallet Joubim – Revista do Instituto de Geografia e História ilitar do Brasil – 1º Semestre de 1977 – Volume LVIII nº74

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter