Ideia Fronteiriça

Jânio de Freitas


ESTÁ DE VOLTA a ideia de um grande plano para ocupação populacional da fronteira norte, agora incorporando a fronteira noroeste. O deslocamento humano para criação de concentrações populacionais se faria por meio de incentivos que só podem ser financeiros. E de investimentos, forçosamente gigantescos, para criação da infraestrutura necessária à ocupação humana de área equivalente a um país de bom tamanho.

O ministro José Eduardo Cardozo, da Justiça, juntou-se na ideia ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, e está convocada para amanhã reunião também com as ministras Tereza Campello, do Desenvolvimento Social, e Izabella Teixeira, do Meio Ambiente -como noticiou "O Globo" no domingo. Todos no gabinete do vice-presidente, Michel Temer.

A ideia básica não é nova. Valeu-se, de início, do argumento de proteger a soberania territorial de invasão e nacos de apropriação pela guerrilha colombiana. Enfraquecida tal hipótese já nascida onírica, veio o argumento de proteção contra ameaças, não se soube de quê, vistas em Hugo Chávez. Agora a ideia se reforça como pretendida solução para a permeabilidade da fronteira ao contrabando.

Na semana passada, o "Jornal da Bandeirantes", que tem qualidades, criou curiosidade em torno do motivo de uma série, injustificada pelo que expôs, contra os índios de Roraima, em especial os da reserva Raposa/Serra do Sol. Ainda mais que lá estava, como uma espécie de orientador, o general Augusto Heleno Pereira, já condicionado a um vulgar jeans em lugar do verde oliva, mas com as opiniões de sempre sobre índios e reserva indígena.

E também aparecia o governador José de Anchieta, para criticar os índios por cobrarem certos benefícios em troca de permissão para uma ponte dentro de suas terras. É claro que, ou agem desse modo, ou não recebem os recursos. Mas esse Anchieta contra índios ataca-os sem se incomodar com a indecência de que aliados seus no Congresso exijam a troca de seu votinho ordinário, não por necessidades dos eleitores, mas por vantagens pessoais e grupais.

Seja como for, se a ideia da ocupação está de volta, deve ser discutida outra vez. Há, no mínimo, um bom motivo para tanto. Bom porque factual, comprovado e continuadamente comprovável, até no próprio território brasileiro. É a experiência histórica.

Exceto a exploração de determinados recursos naturais, as aglomerações sempre serviram melhor às atividades ilegais do que as zonas pouco ou não habitadas. Oferecem ao contrabando mais mão de obra, mais atividades como cobertura para o contrabandista, meios de transporte mais variados e mais numerosos, infraestrutura que facilita a ação, como mais vias vicinais e intermunicipais sem repressão, e muitas outras vantagens.

O passado brasileiro tem muitos exemplos do papel múltiplo das aglomerações de ocupação territorial. No que respeita à utilidade presumida pela ideia de ocupação das fronteiras norte e noroeste, a atualidade mesma oferece um caso exemplar de todos conhecido: Foz do Iguaçu. Iniciada a aglomeração ali para exploração turística e apoio ao transporte legal entre Brasil e Paraguai, criavam-se também as condições favoráveis que levaram à formidável edificação do contrabando, de um lado e de outro da fronteira. Em menores dimensões, as fronteiras com o Paraguai, a Bolívia e o Peru têm numerosos outros exemplos do mesmo processo.

O plano que vinha em desenvolvimento, de núcleos militares e policiais com respectivas áreas sob sua vigilância permanente, faz sentido. A floresta e a falta de ocupação humana podem oferecer algumas facilidades à penetração fronteiriça, mas também facilitam muito a percepção do transporte ilegal, com movimentos e vias onde não deviam ocorrer, e indicativos de anormalidade.

A ideia de ocupação de fronteira tão extensa poderia resultar, no máximo, na criação de núcleos. Com intervalos que se prestariam ao que hoje é e continuará sendo floresta. E não haverá mal em que os proponentes da ideia pensem no custo e no tempo demandados por uma nova e muito maior versão da malfadada Campanha da Borracha.

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