Taiwan: que lições tirar dos exercícios militares chineses no entorno da ilha?

Apesar dos apelos de países ocidentais e do Japão, a China confirmou, nesta segunda-feira (8), a continuação de seus exercícios militares no entorno de Taiwan, ainda como uma resposta à visita da congressista americana Nancy Pelosi à ilha reivindicada por Pequim.

No domingo (7), o ministro dos Transportes taiwanês indicou que os voos e a navegação já podiam ser retomados gradualmente em seis das sete “zonas de perigo temporário” – ou seja, onde Pequim realiza manobras militares em escala sem precedentes, desde quinta-feira (4).

De acordo com observadores, essas manobras oferecem apenas uma amostra do que pode se tornar a norma no estreito de Taiwan. As forças armadas de Taiwan anunciaram que realizarão exercícios militares com munição real esta semana, simulando uma defesa da ilha contra uma invasão chinesa.

Em um comunicado, o ministério das Relações Exteriores de Taiwan condenou a continuação das manobras chinesas que minam o status quo no Estreito de Taiwan e aumentam as tensões na região. Os taiwaneses vão treinar na próxima terça (9) e quinta-feiras (11) na região de Pingtung, no extremo sul.

Os exercícios já estavam programados e não são uma resposta às manobras militares chineses. "Diante da intimidação militar criada pela China, Taiwan não vai se amedrontar ou recuar, e vai defender mais firmemente sua soberania, segurança nacional, e estilo de vida livre e democrático", disse a chancelaria taiwanesa em nota.

No domingo, o primeiro-ministro de Taiwan, Su Tseng-chang, disse que "o uso brutal da força militar pela China está minando a paz e a estabilidade regionais". De acordo com a televisão estatal chinesa CCTV, mísseis balísticos sobrevoaram Taiwan nesta semana pela primeira vez.

Para provar o quão perto estavam da costa, os militares chineses divulgaram uma foto que disseram ter tirado de um de seus navios de guerra no fim de semana, mostrando um edifício da marinha taiwanesa a apenas algumas centenas de metros de distância.

Lição a aprender: Taiwan encurralada

O Exército Popular de Libertação chinês pôde testar o poder de fogo de suas forças aéreas e marítimas. Alguns observadores acreditam que a China desenvolveu tanto seus meios militares que um "bloqueio" de Taiwan agora parece possível.

Esta é a primeira vez que o Exército estende seus exercícios para o leste de Taiwan, de modo a cercar a ilha – uma área muito estratégica para a entrada de suprimentos. É também deste lado que chegariam possíveis reforços militares americanos, em caso de um ataque.

A lição a ser aprendida, em caso de guerra, é que Pequim poderá impedir qualquer entrada e saída de Taiwan de navios e aviões, civis ou militares. Os 23 milhões de habitantes ficariam, portanto, encurralados. Os taiwaneses devem esperar outras manobras de tal magnitude no futuro?

Sim, porque esses exercícios em escala real provavelmente se tornarão a norma, dizem os observadores. Se hoje as capacidades militares de Pequim ainda são inferiores às dos Estados Unidos, a China está colocando os meios para alcançá-la.

De acordo com o Pentágono, o objetivo de Pequim seria alcançar poder de fogo suficiente para superar qualquer resistência a uma invasão de Taiwan, até 2027.

 

Nesta foto fornecida pela Agência de Notícias Xinhua da China, um membro do Exército de Libertação Popular olha através de binóculos durante exercícios militares, enquanto a fragata de Taiwan Lan Yang é vista na retaguarda, na sexta-feira, 5 de agosto de 2022. A China está realizando exercícios em águas ao redor de Taiwan em resposta a uma recente visita da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi. (Lin Jian/Xinhua via AP) AP – Lin Jian

Resposta à visita da democrata

No dia seguinte à partida de Taipei de Nancy Pelosi, a número três dos Estados Unidos e presidente da Câmara dos Representantes, o Exército chinês lançou vastas manobras de "fogo real" em seis grandes áreas ao redor de Taiwan. Os exercícios deveriam terminar ao meio-dia deste domingo (04:00 GMT), de acordo com a administração de segurança marítima chinesa. Mas as manobras continuam.

"O Exército de Libertação Popular (…) continua a realizar exercícios conjuntos práticos no mar e no espaço aéreo ao redor de Taiwan, com foco em operações conjuntas anti-submarino e de assalto marítimo", informou o Comando Oriental do Exército chinês, nesta segunda-feira.

Nos últimos dias, o Exército de Pequim vem realizando os maiores exercícios militares de sua história nesta área, enviando caças, navios de guerra, drones e disparando mísseis balísticos. Por sua escala, os exercícios suscitaram críticas dos chefes da diplomacia do G7 (Estados Unidos, Japão, França, Alemanha, Itália, Canadá, Reino Unido), que consideraram que "não havia justificativa para essas manobras "agressivas".

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, chamou a reação chinesa de "total desproporção". Especialmente depois que a China suspendeu uma série de discussões e cooperação sino-americanas, inclusive sobre mudanças climáticas. Juntamente com seus colegas japoneses e australianos, Blinken também emitiu um comunicado pedindo à China que pare seus exercícios militares.

"Encrenqueiros"

Questionado nesta segunda-feira, Wang Wenbin, porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China, enfatizou que a reação de Pequim foi "legítima, racional e legal". "Este é um aviso para os encrenqueiros, bem como uma lição para os defensores da independência de Taiwan", disse ele, durante uma coletiva de imprensa regular.

"Pedimos aos Estados Unidos que façam um exame de consciência e retifiquem seu erro o mais rápido possível, bem como que parem de jogar a carta de Taiwan para impedir [o desenvolvimento da] China", completou.

A China considera Taiwan como uma de suas províncias que ainda não conseguiu reunificar ao resto do seu território desde o fim da Guerra Civil Chinesa (1949). Contra qualquer iniciativa que dê legitimidade internacional às autoridades taiwanesas, Pequim desencoraja o contato oficial entre Taiwan e outros países.

Autoridades dos EUA visitam a ilha com frequência, mas a China considera a visita de Pelosi, uma das figuras mais altas na hierarquia do Estado americano, uma grande provocação. A viagem, a primeira de um integrante do alto escalão americano à ilha desde 1997, foi considerada por Pequim uma violação da sua soberania e um estímulo à independência da ilha.

O que pensam os chineses?

A indignação da China pela visita da congressista americana Nancy Pelosi a Taiwan despertou o fervor nacionalista de alguns internautas chineses, mas as opiniões nas ruas são mais variadas. É difícil ter uma ideia geral do que pensam os chineses, já que as autoridades controlam estritamente as discussões na Internet, com um sistema de censura que apaga as publicações mais negativas sobre a política do governo.

Os especialistas acreditam que a população está majoritariamente a favor da reunificação com Taiwan e não aceitaria a independência da ilha, sob nenhuma circunstância. Os internautas mais extremistas pedem uma guerra, mas nas ruas as pessoas com quem a AFP conversou são mais moderadas e esperam um retorno à calma.

"Não me preocupa muito porque acho que não haverá [uma guerra]. Quem usar a força primeiro cometerá um erro", estimou Zhao, chinês que forneceu apenas o sobrenome. O governo chinês considera Taiwan – onde os nacionalistas chineses se refugiaram quando Mao Tsé-Tung e os comunistas tomaram o poder na China, em 1949 – como uma província que algum dia será reunificada com o resto de seu território, pela força se necessário.

Este objetivo é compartilhado por grande parte da população. "Muitos chineses esperam algum dia uma reunificação com Taiwan. É uma ideia que nos ensinaram desde crianças e considerada politicamente correta", explica Zhao, de 29 anos.

"Mas há poucos debates profundos sobre o assunto, já que a internet não permite uma variedade de opiniões e os debates na vida real acabam facilmente em brigas", acrescenta. Para David Sacks, pesquisador do 'think tank' americano Council on Foreign Relations, a visita de Pelosi aconteceu no pior momento para o presidente chinês Xi Jinping.

O presidente quer forjar, diante de seus compatriotas, uma imagem de força e estabilidade para o 20º Congresso do Partido Comunista, que deve, salvo surpresas, conceder-lhe um terceiro mandato.

"É provável que Xi sentisse que tinha que agir, por medo de parecer fraco ou passar por alguém que não tem sob controle a relação (sino-americana), a mais importante para a China", explica Sacks, entrevistado pela AFP.

(Com informações da RFI e da AFP)

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