Sergio Netto – A Lei de Segurança Nacional no banco dos réus

A Lei de Segurança Nacional no banco dos réus

 

 

Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE (SC).
 

 
Como se tornou rotina nos últimos tempos, mais uma vez a Suprema Corte é destaque nos noticiários. Agora, a missão a ser cumprida é “salvar” a Nação dos alegados malefícios decorrentes da aplicação da Lei de Segurança Nacional – LSN (Lei n° 7.170/83), que “define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social”.
 
Isto porque, foi ajuizada a ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 799 (ADPF 799), que busca seja reconhecido que, pelo menos em parte, a Lei de Segurança Nacional não teria sido recepcionada pela Constituição de 1988. Noutros dizeres, que com a promulgação da CF/88, dispositivos desta lei estariam em confronto com a Carta Magna. E, portanto, não poderiam ser considerados válidos na nova matriz constitucional (leis inconstitucionais, tecnicamente, são somente aquelas editadas posteriormente a esta nova constituição).
 
O tema é tão abrangente, e está marcado por tantas contradições, que é difícil até selecionar por onde começar uma análise resumida, que caiba em um texto opinativo.
 
O referencial inicial desta análise (para uma correta contextualização), deve ser exatamente o tema envolvendo a Segurança Nacional. Para tanto, abaixo são transcritos trechos da Política de Defesa Nacional, aprovada pelo Decreto n° 5.484/05:

 

“…Após um longo período sem que o Brasil participe de conflitos que afetem diretamente o território nacional, a percepção das ameaças está desvanecida para muitos brasileiros. Porém,é imprudente imaginar que um país com o potencial do Brasil não tenha disputas ou antagonismos ao buscar alcançar seus legítimos interesses. Um dos propósitos da Política de Defesa Nacional é conscientizar todos os segmentos da sociedade brasileira de que a defesa da Nação é um dever de todos os brasileiros.

1.2 Nos primórdios, a segurança era vista somente pelo ângulo da confrontação entre Estados, ou seja, da necessidade básica de defesa externa. À medida que as sociedades se desenvolveram, novas exigências foram agregadas, além da ameaça de ataques externos.
1.3 Gradualmente, o conceito de segurança foi ampliado, abrangendo os campos político, militar, econômico, social, ambiental e outros
 As medidas que visam à segurança são de largo espectro, envolvendo, além da defesa externa: defesa civil; segurança pública; políticas econômicas, de saúde, educacionais, ambientais e outras áreas, muitas das quais não são tratadas por meio dos instrumentos político-militares.”

 

Como se verifica, a Política de Defesa Nacional trata de vários fatores que podem afetar a Segurança Nacional, não se limitando apenas a eventuais agressões externas a serem perpetradas por outros países. Vai muito além, e passa a considerar também como fatores de possíveis ameaças os relativos a “políticas ECONÔMICAS, de SAÚDE, educacionais, ambientais e OUTRAS ÁREAS”.

 
E que inclui, à toda evidência, afrontas as Autoridades Máximas do país, nos termos da redação do art. 26 da LSN: “Art. 26 – Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”. Assim como também as propagandas para “processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social” e “discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa” (art. 22).
 
Porque tais críticas, por mais que devam ser prestigiadas e permitidas em um regime democrático, necessitam ser alvo de algum tipo de controle se, eventualmente, tiverem por finalidade promover a desestabilização das Instituições comandadas por estas autoridades republicanas. O mesmo devendo acontecer, se forem direcionadas a instigação para conflitos sociais internos por meios violentos.
 
Com razão, porque, como sustentam alguns analistas, estamos imersos em um cenário de GUERRA IRRESTRITA ("Unrestricted Warfare") ou de Guerra de Quinta Geração. Que seria uma mutação das denominadas Guerras de Quarta Geração (ou Guerras Híbridas – “Hybrid Warfare”). Sendo que, nestes ambientes disruptivos, o teatro de operações passa a ser qualquer situação / cenário de interesse, que seja definido como alvo das investidas, não necessariamente bélicas.
 
Um aspecto curioso nesta discussão toda é que, a quase totalidade daqueles que vem criticando o uso desta Lei de Segurança Nacional, apontam o Chefe do Executivo Federal como o principal responsável pelo alegado uso abusivo desta lei. Que estaria requerendo a instauração de inquéritos policiais para a apuração de eventuais crimes previstos nesta lei.
 
Ocorre que, as medidas mais duras (e questionáveis) que vem sendo adotadas por meio da invocação da Lei de Segurança Nacional não vem do Poder Executivo Federal, e sim do Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal). Fato que vem sendo propositadamente relevado, pela grande maioria destes críticos e “defensores da democracia”.
 
Exemplo disto é o intitulado Inquérito das Fake News (INQ – 4781), que tramita em sigilo, e foi instaurado de ofício pelo então Presidente do STF, e cujos procedimentos de designação de Relator e indicação de Autoridades Policiais para investigar, e demais diligências vem sendo realizados na sua maioria “de ofício” (pelo próprio DD. Relator). Que vem assumindo as funções de investigador, acusador, e sinalizando que poderá pretender também julgar o caso.
 
Como este INQ – 4781 tramita de maneira sigilosa, as informações que se tem sobre o caso são quase que todas vindas da mídia, ou do próprio site do STF, que divulga algumas poucas informações sobre o caso. Mas que são reveladoras de que os procedimentos que vem sendo adotados são, no mínimo, muito questionáveis. Veja-se, seguindo esta linha de raciocínio, a notícia divulgada no site do STF (em 17/02/2021), sobre a prisão do Deputado Federal, que foi enquadrado exatamente, pasme-se, na aludida Lei de Segurança Nacional (Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460657&ori=1):
 

“…Por unanimidade (11X0), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a prisão em flagrante do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), decretada na terça-feira (16) pelo ministro Alexandre de Moraes, após a divulgação de vídeo em que Silveira defende medidas antidemocráticas, como o AI-5, e instiga a adoção de medidas violentas contra a vida e a segurança dos ministros do STF, o que constitui crime inafiançável. A decisão foi proferida no Inquérito (INQ) 4781, que investiga notícias fraudulentas, denunciações caluniosas e ameaças à Corte.

Lei de Segurança Nacional

Segundo o ministro Alexandre, as condutas praticadas por Silveira são previstas, expressamente, na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1973), especificamente, nos artigos 17 (tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito), 18 (tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos estados), 22, incisos I e IV (fazer propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social ou de qualquer dos crimes previstos na lei), 23, incisos I, II e IV (incitar a subversão da ordem política ou social, a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis ou a prática de qualquer dos crimes previstos na lei) e 26 (caluniar ou difamar o presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do STF)...”

 
Ou seja, o STF, por UNANIMIDADE, agora em fevereiro de 2021, validou o uso da Lei de Segurança Nacional, inclusive no que se refere as disposições que vem sofrendo as críticas mais pesadas (como os arts. 22 e 26 acima transcritos), para corroborar a prisão de um Parlamentar Federal, que fez críticas severas contra o STF.
 
Sem dúvida, o julgamento da ADPF 799 será interessante. Será que o STF reconhecerá que os crimes previstos, por exemplo, nos hostilizados arts. 22 e 26 da Lei de Segurança Nacional não foram recepcionados pela CF/88? E se assim o fizer, como explicar que o próprio STF, agora fevereiro de 2021, por UNANIMIDADE, considerou válidos exatamente estes dois artigos 22 e 26 (dentre outros) para determinar a prisão do Parlamentar Federal acusado de criticar a Suprema Corte.
 
A interrogação que fica é se o STF realmente julgará o caso, ou se esperará o Congresso Nacional votar, em regime de urgência, os projetos de lei que visam revogar esta lei, e criar outra em seu lugar.
 
Como passamos por tempos de gigantesca insegurança jurídica, qualquer prognóstico sobre o julgamento desta ADPF mais se assemelha a uma aposta lotérica.

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