Min Edson Fachin – Doença infantil do lavajatismo pode acabar, mas não a Lava Jato

 

Matheus Teixeira

Folha de São Paulo

Brasília

09 Fevereiro .2021

 

O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), afirma que o modelo de força-tarefa de investigações do Ministério Público “produz mais resultados”, mas ressalta que a dissolução da Lava Jato pela PGR (Procuradoria-Geral da República) não significa o fim da operação.

 

Em entrevista à Folha, o magistrado diz que a Lava Jato chegou no “andar de cima” e que a operação “não só não acabou como mal começou”. Apesar disso, Fachin cita que há “sintomas de revigoramento” da corrupção por parte de agentes do Estado.

 

Para o relator das investigações no Supremo, o que pode estar prestes a acabar é o “lavajatismo”, a doença infantil que surgiu da Lava Jato, segundo ele, e que de um lado só vê defeitos nas apurações e, de outro, só enxerga qualidades na atuação da operação.

 

O ministro também demonstra preocupação com as eleições de 2022, diz que a democracia brasileira vive uma crise e critica a participação de militares da ativa no governo federal.

 

Além disso, Fachin sustenta que o investigado torna-se réu no momento em que a Justiça aceita a denúncia do Ministério Público, o que significa dizer que, na visão dele, o novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é réu e não pode assumir a Presidência da República (em caso, por exemplo, de viagens ao exterior ao mesmo tempo de Bolsonaro e seu vice, o general Mourão).

 

Como o senhor avalia a ação da PGR de acabar com a força-tarefa da Lava Jato?

Do ponto de vista do resultado que se apresentou nesse período, entendemos que a Lava Jato, como em todas as ações humanas, tem virtudes e tem defeitos, mas não tenho a menor dúvida de que virtudes superam os defeitos. Não divinizo nem demonizo no sentido de entender que não há circunstâncias a verificar ou até mesmo a corrigir, como aliás o STF já fez.

 

Já a decisão ao qual você se refere é uma decisão de organização do Ministério Público. Eu como magistrado ajo dentro das minhas atribuições e obviamente avaliar ações e a atuação do MP me incumbe a fazer quando em algum caso concreto a circunstância se apresentar.

 

O senhor acredita que de alguma maneira o fim da força-tarefa passa um sinal ruim à sociedade em relação ao combate à corrupção?

Primeiro, uma informação prática: o que acabou foram as forças-tarefas. A operação denominada Lava Jato não acabou e nem poderia, porque continua a independência dos membros do Ministério Público para investigar, e sempre que houver indícios de irregularidade e desvio de recursos deverão atuar.

 

Então, essa é uma primeira informação: a Lava Jato diz respeito a um conjunto de agentes e instituições que integram o sistema de Justiça e o que deliberou-se diz respeito às forças-tarefas no âmbito de uma dessas instituições, que é o Ministério Público.

 

Na avaliação do senhor a Lava Jato acabou ou ao menos reduziu as práticas reveladas pela operação?

A corrupção de agentes do Estado infelizmente tem apresentado sintomas de revigoramento. A própria Lava Jato subiu até o andar de cima, onde se colocam essas relações espúrias entre poder econômico e o Estado, e ali eu diria que a Lava Jato não só não acabou como mal começou. Portanto há muitas coisas a fazer, há muitos procedimentos em curso.

 

Quais seriam esses sintomas de revigoramento das práticas reveladas pela Lava Jato e que trazem preocupação?

Quando se observa o panorama presente, começa a se verificar que alguns episódios de corrupção que pareciam em tese banidos do cenário nacional voltam a se apresentar, basta ver os jornais de 2018 para cá. Isso significa que há um sistema de forças que se alimenta das três corrupções. A que centraliza o poder e que vai contra democracia, a corrupção que sustenta as relações espúrias do poder econômico com o Estado e a dentro do próprio Estado. Há numerosos episódios recentes que revelam certo revigoramento.

 

Também se observa a promoção de algumas iniciativas que buscam alterar os avanços legislativos que já foram conquistados. Portanto há esse revigoramento pelos casos concretos de corrupção que voltam a se verificar e por algumas mudanças legislativas que reinstalam uma pauta que foi superada com a democracia e com a República após 1988.

 

O fim da força-tarefa da Lava Jato pode ser considerado outro sintoma do revigoramento dessas práticas?

Os procuradores da República, os integrantes do Ministério Público têm autonomia de atuação e independência. A força-tarefa é uma comunhão de pessoas e de recursos para atuar em conjunto. Produz mais resultados do ponto de vista dos seus afazeres? A experiência mostra que sim. Mas isso não inibe que o Ministério Público cumpra suas funções.

O senhor afirmou que o modelo produz mais resultados. Deveria, então, ter sido mantido?

A definição do modelo é um tema que diz respeito à organização interna do MP. O que entendo é que a sociedade não tolera a conivência com a corrupção. Portanto independência e autonomia para realizar suas ações o MP tem, assim como a polícia.

 

O que é fundamental é prover o trabalho deles de recursos necessários para que a autonomia seja exercida, porque senão vai ser autonomia em abstrato. Se vai se chamar força-tarefa ou Gaeco, o grupo especial, a denominação não define a essência da atuação, mas é fundamental que assim se dê. Numa frase muito pedestre eu me permitiria dizer que não importa a cor do gato, o que importa é se ele pega o rato.

 

??Qual dos três tipos de corrupção mais preocupa o senhor?

Tenho nos dias atuais uma preocupação agravada com a corrupção da democracia, ou seja, com o conjunto das circunstâncias que mostram que Brasil está vivendo processo desconstituinte. E portanto, nesse sentido, há indubitavelmente uma preocupação imensa com a força republicana da Constituição de 1988 e especialmente porque há pelo menos sete sintomas que estão revelando hoje a corrupção da democracia no Brasil.

 

Quais são os sintomas?

 

Em primeiro lugar, a remilitarização do governo civil, que é um sintoma preocupante.

Em segundo lugar, intimidações de fechamento dos demais Poderes.

Em terceiro, declarações acintosas de depreciação do valor do voto.

Em quarto, palavras e ações que atentam contra a liberdade de imprensa.

Em quinto lugar, incentivo às armas e por consequência a violência —o Brasil precisa de saúde e educação, não de violência nem de armas.

 

Em sexto lugar, a recusa antecipada de resultado eleitoral adverso.

Em sétimo lugar, revelando portanto que vivemos uma crise da democracia, e a corrupção da democracia é o arbítrio, há um grave problema da naturalização da corrupção de agentes administrativos e portanto isso mostra que a corrupção da democracia está no presente momento associada às forças invisíveis da grande corrupção.

A grande corrupção no Brasil funciona como o coronavírus, provoca efeitos danosos imensos, mas não é visível a olho nu.

 

 

E qual a relação da corrupção da democracia com os casos de desvio de recursos públicos revelados pela Lava Jato?

Quando tratamos da corrupção da democracia nós vemos que a corrupção dentro do Estado, dos agentes públicos, dessa que se ocupou substancialmente a Lava Jato —não exclusivamente, mas substancialmente—, é um horizonte importante, mas que não esgota os demais horizontes do ponto de vista da configuração da corrupção. Isso porque a corrupção dentro do Estado não existe por si só, ela é a rigor uma decorrência de uma teia complexa de relações que não começa nem acaba nas esferas administrativas.

Como relator da operação no STF, o senhor acredita que não se pode falar em fim da Lava Jato?

O que quem sabe esteja prestes a acabar é o lavajatismo, que é a doença infantil que surgiu da Lava Jato. De um lado, o lavajatismo que só vê na Lava Jato virtudes e não faz autocrítica e, do outro lado, o lavajatismo que só vê na Lava Jato defeitos e não reconhece, nada obstante alguns defeitos, a relevância dos trabalhos que foram levados a efeito.

A corrupção da democracia pode representar um risco para as eleições presidenciais de 2022?

Como vice-presidente do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e como futuro presidente que vai preparar as eleições de 2022 estou extremamente preocupado com as ameaças que a democracia vem sofrendo no Brasil e com aquilo que pode resultar das eleições de 2022.

Minha preocupação central, razão principal pela qual hoje estamos conversando, é a preocupação com as eleições de 2022 e a higidez do sistema eleitoral brasileiro. É preciso defender a democracia, proteger a democracia e proteger o sistema eleitoral brasileiro. Dentro dele como instrumento da democracia nós vamos sair da crise sem sair da democracia.

 

 

O senhor acredita que pode ocorrer algo similar à invasão do Congresso americano por apoiadores de Donald Trump?

Sobre esse episódio eu chamaria a atenção não apenas do que ocorreu, mas pelo que não ocorreu. Note-se que lá não ocorreu a adesão de lideranças políticas à tentativa de golpe e não ocorreu a atuação ilegítima das forças de segurança e das Forças Armadas. E em terceiro lugar não ocorreu nenhuma aquiescência internacional. Esses três fatores bloquearam o golpe nos Estados Unidos, o sistema político reagiu, o sistema eleitoral mostrou sua legitimidade e sua reação acima das diferenças partidárias. É o que se espera aconteça aqui no Brasil para que a democracia não se corrompa em arbítrio. Nessa medida minha maior preocupação nesse momento é a corrupção da política.

O senhor citou a militarização do governo e listou como fator que impediu o golpe nos EUA o não envolvimento das forças de segurança e das Forças Armadas nesse movimento. Aqui há risco de as Forças Armadas se envolverem em algum episódio parecido com o do Capitólio, caso ocorra?

A atuação das Forças Armadas de 1988 para cá em meu modo de ver tem sido um exemplo de respeito ao Estado Democrático e à sociedade democrática. Apenas tem atuado nos limites de suas atribuições e como deve ser dar na democracia, subordinando-se ao exercício do poder civil e não se imiscuindo em tarefas de gestão e de governo. Portanto o que preocupa é cruzar essa linha e cruzar essa linha pode ser sim uma ameaça à democracia.

A presença de um general da ativa no primeiro escalão do governo federal (Eduardo Pazuello, ministro da Saúde) é negativa para a democracia? Do ponto de vista da democracia e da subordinação a um governo civil, aparentemente o que se coloca em militares da ativa que são convocados para funções políticas de governo, é um sintoma, um indício que preocupa. Quanto mais isolado, quanto menos isso ocorrer, mais saúde terá a democracia brasileira.

Na visão do senhor, qual é o marco temporal para um investigado ser considerado réu? O STF aceitou duas denúncias contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas ainda não abriu formalmente a ação penal. Ele já é réu ou pode assumir a Presidência da República? Eu sou relator de numerosos procedimentos no tribunal e portanto sobre procedimentos cujo julgamento ainda está em curso e poderá ocorrer eu tenho por hábito não me manifestar. Em abstrato não há dúvida alguma, do meu ponto de vista, que o recebimento da denúncia torna o denunciado réu.

 

Ponto. Raio-x 

    Luiz Edson Fachin

    63 anos

    Ministro do STF desde 2015

    Relator da Lava Jato na corte

    Indicado ao Supremo pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT)?

Nota DefesaNet

A entrevista do Ministro Edson Fachin confirma tudo que pode-se pensar dele.

Ele fala em "lavajatismo" como sendo um movimento infantil. Ocorre que a lava jato foi criada e agiu na PLANÍCIE, ou seja comandada pelo juiz natural, o de primeira instância, e com promotores também da primeira instância, quer dizer com aqueles que fazem parte do segmento primeiro da população.

Sem exagerar, diria que foram aqueles que souberam compreender as aflições populares e aplicar aquilo de qualquer um de nós quer – JUSTIÇA – descobrindo e punindo o crime e a corrupção em qualquer nível.

 

A GAECO está no nível superior, longe da cidadania e vai depender de iniciativas e decisões de instâncias superiores – Conselho do MP, STJ e enfim do plenário dos "deuses" da República, o STF, com o perdão da má palavra.

A nossa esperança vai residir no Congresso, a que o Fachin pouca importância deu na entrevista, por que teme a atuação das novas lideranças. Quanto aos militares no governo, ele, no fim ficou em cima do muro.

PS: É absolutamente ridículo e desconhecer a história comparar as nossas com as forças armadas americanas.

O Editor

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