O triunfo da força

Ao longo da semana passada, a morte do terrorista Osama bin Laden foi contada e recontada pelo governo dos Estados Unidos. E corrigida a cada vez que foi contada. Amadorismo da parte dos autores de tantas versões? É possível. O atentado do 11 de Setembro só não foi evitado por excesso de amadorismo dos órgãos americanos de inteligência.

É possível também que a sucessão de versões para a morte de Bin Laden não passe de manobra do governo para esconder o que de fato ocorreu. Com o que já se sabe, porém, dá para construir uma narrativa — e ela é muita feia à luz do Direito Internacional, dos Direitos Humanos e dos valores da democracia.

Em certa ocasião, candidato a presidente, Obama disse com todas as letras: “Nós vamos matar Bin Laden.” Não disse: “Nós vamos prender Bin Laden.” Muito menos: “Vamos prender, julgar e condenar Bin Laden.” Disse: “Nós vamos matar Bin Laden.” Poderia ter sido mais claro? Certamente, não.

Podia ter dito o que disse? À luz do Direito, a resposta outra vez é não. Porque numa democracia existe a separação de poderes. Não é o Executivo, encarnado pelo presidente da República, que julga e condena quem quer que seja. É a Justiça. No caso da americana, ela pode condenar à morte.

A tropa de elite despachada para o Paquistão à caça de Bin Laden recebeu a ordem expressa de matá-lo. Não encontrou resistência. A versão de que houve um tiroteio de 40 minutos foi trocada depois pela versão de que apenas uma pessoa disparou contra os soldados. E logo morreu.

Bin Laden estava no andar superior de sua mansão —nisso concordam os relatos dos americanos e de uma filha dele, detida em um andar abaixo e agora sob custódia do governo paquistanês. Segundo os americanos, ali ele foi morto. Segundo a filha, o terrorista foi levado para o andar onde estavam outros parentes dele e executado.

O terrorista estava armado e resistiu — por isso foi morto (1a – versão). O terrorista estava desarmado, mas tentou resistir (2a – versão. Resistir como? No tapa? No grito? Invocando Alá?). O terrorista estava desarmado, mas havia um fuzil e uma pistola ao alcance da sua mão (3a – versão).

Poderiam tê-lo ferido na perna, por exemplo.
Não cabe a suposição de que ele escondesse explosivos junto ao corpo. Ninguém passeia dentro de casa carregando explosivos. De resto, não houve tempo suficiente, entre o início do assalto à mansão e o disparo do tiro que o matou, para que Bin Laden munisse o corpo de explosivos.

Da mesma forma como Bin Laden morto foi transferido para um porta-aviões e de lá jogado no mar, também poderia ter sido levado vivo ao porta-aviões e de lá para os Estados Unidos.

Nos anos 50, um comando de Israel prendeu na Argentina o nazista e assassino de milhões de judeus Adolf Eichmann. Uma vez julgado, mataram-no.

Bush Jr ., que invadiu o Iraque sob o falso pretexto de que o país armazenava armas de destruição em massa, derrubou o ditador Saddam Hussein e ordenou sua captura. Saddam foi descoberto dentro de um buraco. Teria sido fácil matá-lo. Foi julgado pela Justiça do seu país sob o controle dos americanos. Acabou enforcado. As aparências foram salvas.

Em momento algum, Obama pareceu preocupado em salvar as aparências. Prometera durante a campanha fechar a prisão de Guantánamo, em Cuba, onde pessoas detidas ilegalmente são torturadas. Não fechou. A pista para a localização do esconderijo de Bin Laden foi obtida mediante a tortura de um terrorista.

A soberania do Paquistão foi violada pelos Estados Unidos. E o mundo festejou um ato de justiça que não passou de vingança. Que me perdoem os realistas ou indiferentes: sou pai de três filhos. Ganhei um neto há pouco. Não posso dizer a eles que tortura, assassinato e violação da soberania de um país são crimes justificáveis em certos casos.

Quem decide que casos são esses? Quem tem a força. No 11 de Setembro foi Bin Laden. Agora, Obama.

 

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