ABIN – Réu preso por terrorismo diz que trabalhava como espião para a agência

Tulio Kruse

O Estado de S.Paulo

 

Único réu mantido em prisão preventiva após a Operação Átila, que resultou na acusação contra 11 pessoas de promover o terrorismo no Brasil, Welington Moreira de Carvalho diz em cartas e depoimentos às autoridades, em sua defesa, que era colaborador da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Ele mantinha relatórios em que descrevia atividades, reuniões e opiniões políticas de muçulmanos que frequentavam uma sala de oração no centro do Rio de Janeiro.

No dia de sua prisão, 8 de dezembro do ano passado, Welington enviou mensagens a um e-mail institucional da ABIN pedindo ajuda. Também mandava informações a um homem identificado em seu depoimento como agente secreto brasileiro.

Em cartas à família e ao juiz federal Alderico Rocha Santos, da 5.ª Vara Federal de Goiânia, Welington diz que passou a colaborar com a ABIN em 2014. Ele cita um encontro com dois agentes federais, no qual foram acertados pagamentos mensais por informações sobre a comunidade muçulmana no Rio. Por meio do acordo, ele viajaria duas vezes de Ubá, em Minas Gerais, onde morava, até o Rio de Janeiro. Essa colaboração com a ABIN, segundo o réu, ocorreu de 2014 até maio de 2017. Em depoimento à Polícia Federal, Welington também disse que recebeu R$ 3 mil para abrir uma sala de oração no centro da capital fluminense.

“Eu fui fundamental para a segurança da Copa bem como também dos Jogos Olímpicos. Não sou muçulmano desde 2014, mas fingia ser para colaborar com a ABIN”, escreve Welington numa das cartas ao juiz. Seu trabalho consistiria, de acordo com ele, em monitorar possíveis extremistas, especialmente estrangeiros, tanto na internet quanto entre quem frequentava a sala de oração no Rio.

Consultada, a ABIN disse que não comentará o caso. A reportagem tentou localizar a pessoa identificada por Welington como seu contato na agência, por meio do mesmo e-mail ao qual o réu enviava informações, mas não obteve resposta. A Procuradoria Regional de Goiás (PRGO), que acusa Welington de promover terrorismo, disse que o procurador responsável pelo caso está de licença e não falará sobre o assunto.

A reportagem do Estado leu relatórios guardados por Welington com a descrição de reuniões na sala de oração. Os textos ficaram gravados na lixeira de um e-mail pessoal do réu. Esses relatos foram escritos entre agosto de 2015 e julho de 2016. Os relatos registram dia, horários, lugares e nomes de quem estava nas reuniões. Welington descreve a opinião política dos muçulmanos, incluindo rixas entre entidades de diferentes segmentos da religião – como xiitas, sunitas e sufistas. Telefones e endereços de e-mail dos envolvidos também são registrados.

 

“Muhammad de Petrópolis disse que tem dois amigos do Facebook que são do Estado Islâmico, um está sitiado na Síria e outro no Iraque, disse não trocar contato com eles de casa, mas disse que uma hora iria fazer de uma lanrouse (sic)”, escreveu, em fevereiro de 2016. “Ele disse que soube pela internet que o EI paga US$ 1.500 por mês + casa + comida + 4 mulheres. Disse que é mais do que ele ganha aqui no Brasil, mas não iria por causa da filha, família.”

Em outra mensagem, ele escreve em abril de 2016: “Segundo Abdullah, Paulo Oliveira tem dois filhos e está desempregado. Adora lance de guerra e seria um potencial pró Estado Islâmico, caso venha a se fanatizar”. O comentário é sobre um brasileiro recém-convertido, ex-militar que também havia trabalhado como salva-vidas.

Welington também redigia documentos com previsões de despesas para situações excepcionais. Um exemplo é uma página com o título “Jogos olímpicos / Despesas e estrutura”, que traz uma relação de gastos como diárias, alimentação e transporte por 25 dias. Estão previstos até pagamentos a uma babá que cuidaria da sua filha enquanto estivesse fora de Ubá.

O último item do orçamento para os Jogos Olímpicos é um revólver. Diz o texto: “1 pistola Glock 386 ou ponto 40 + 1 pente reserva e mais uma caixa de munição – isso caso eu encontre com um lobo prestes a dar o bote antes de vocês aparecerem”. O orçamento previsto para os Jogos foi cerca de R$ 14,5 mil.

Os relatos foram escritos em documentos no “drive” da sua conta de e-mail como rascunhos sem nome. O Estado teve acesso à conta com a ajuda da família. Não há registro do envio desses textos à Abin. Em uma conta de e-mail paralela à qual Welington tinha acesso, outras mensagens que o réu enviou à agência estão registradas.

Em 14 de outubro de 2017, menos de dois meses antes de sua prisão, Welington enviou um e-mail para Cláudio, nome identificado nas cartas e em seu depoimento como seu principal contato na Abin. Segundo alega no depoimento à PF, Cláudio teria se oferecido para pagar por informação extra após os pagamentos fixos terem sido suspensos. O título do e-mail de outubro é: “Falso terrorista preso pela PF”. Na mensagem, duas fotos em anexo mostram um jovem da cidade de Monjolos, também alvo da Operação Átila.

“Por fontes que eu consultei, ele q (sic) queria ir pra Síria pq (sic) a mãe não dava atenção e o padrasto maltratava”, escreveu Wellington sobre o jovem alvo da operação. “Ele é maluco, não é terrorista. Tudo mentira. Já ri pra caramba do vídeo que me mandaram da arte marcial dele.” O jovem em questão já havia sido diagnosticado com esquizofrenia e foi liberado pela PF uma semana após a prisão.

A irmã de Welington, Erica Carvalho, mandou mensagens para a ouvidoria da ABIN, pedindo ajuda. “A ABIN não pode interferir na questão, pois o processo está sob segredo de Justiça”, respondeu a agência, por e-mail.

Para Entender: Denúncias por promover o EI

Em maio, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou 11 brasileiros por formação de organização criminosa e por promoção do Estado Islâmico (EI) no País. Para o MPF, houve tentativa de recrutar jihadistas para se juntar ao grupo na Síria, discussões sobre atentados no Brasil e planos para uma célula nacional do EI.

A denúncia teve como base conversas que eles mantinham em aplicativos de mensagem e redes sociais, interceptadas pela Polícia Federal. Ela foi resultado da Operação Átila, da PF, em sigilo até março. As investigações começaram em novembro de 2016, após a divisão antiterrorismo da PF receber um comunicado da Guarda Civil da Espanha. A polícia espanhola informava que números de telefones brasileiros estavam em grupos do aplicativo WhatsApp suspeitos de “promover, organizar ou integrar” o EI. Alguns tinham mais de 200 participantes. Os integrantes se comunicavam com países como Síria, Turquia, Líbia, Afeganistão e EUA.

No celular de Welington foram encontradas fotos que, segundo a acusação, eram “possíveis insumos para fabricação de um artefato explosivo”. Com base nas imagens e em conversas encontradas em seu celular, os procuradores afirmam que ele se preparava para um ataque em solo brasileiro.

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