O Aspecto Multidimensional do Programa “Ação contra Minas”

Cel Wesley Vannuchi

Em 1998, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Resolução A/53/26, que trata sobre Assistência para “Ação contra Minas”. Na ocasião, foi citada a criação do Serviço de Ação contra Minas das Nações Unidas (United Nations Mine Action Service – UNMAS), ocorrida em 1997, junto ao Departamento de Operações de Manutenção da Paz (Department of Peacekeeping Operations – DPKO).

O UNMAS, sendo considerado o ponto focal para o gerenciamento das ações de desminagem no âmbito do Sistema Nações Unidas, tinha a responsabilidade de assessorar e coordenar todas as ações relacionadas com o tema. A ONU estabelecia, assim, como visão “um mundo livre da ameaça de minas e restos explosivos de guerra (Explosive Remnants of War – ERW)”.

Para tanto, faz-se necessário um complexo planejamento, desde o nível político, englobando a ONU e o país anfitrião, até a operacionalização das atividades, na área contaminada, com a devida participação de pessoal tecnicamente capacitado, em um ambiente integrado por vários organismos.

Quando o Brasil iniciou sua participação em missões de desminagem na América Central, no início da década de 1990, as tarefas eram focadas, principalmente, na realização de desminagem humanitária, com o objetivo de entregar a área livre de minas. Caracterizava-se, então, o aspecto unidimensional da missão, por atuar somente em uma dimensão do problema. Com o avanço do programa, foram inseridas, de forma ainda incipiente, atividades de educação para o risco de minas e assistência às vítimas.

De modo semelhante à evolução das operações de paz da ONU, as ações de desminagem humanitária foram sendo ampliadas ao longo do tempo.

Verificou-se que, atuando somente em uma dimensão, não seria possível garantir a erradicação das minas e a segurança socioeconômica da população. Seria necessário, portanto, ater-se às outras dimensões, tais como produção, comercialização e disseminação de minas (contempladas, hoje, pelo Tratado de Ottawa, de 1997), além de considerar os aspectos relacionados às áreas educacional, social, ambiental e médica.

Dessa forma, outras ações foram sendo agregadas, com impacto direto para o nível político-militar. Se por um lado exigia a participação mais efetiva da comunidade internacional, representada por diversos órgãos, como ONU, Organização dos Estados Americanos (OEA), Junta Interamericana de Defesa (JID), União Africana; por outro lado, impactou a preparação dos militares, em virtude das vertentes logístico-administrativa, médica e instrucional.

Ao abordar os aspectos multidimensionais, tem-se uma visão sistêmica do programa, compreendendo o planejamento, a gestão e a execução, inseridos nas estruturas política, socioeconômica e militar do país anfitrião, e sofrendo as injunções conjunturais para a sua efetivação.

Conforme consta nas Normas Internacionais para a Ação contra Minas (International Mine Action Standards – IMAS)1, essa atividade constitui-se de cinco componentes, a saber:

1. Educação para o Risco de Minas (Mine Risk Education – MRE);

2. Desminagem Humanitária (Humanitarian Demining – HD), isto é, pesquisa em minas e restos explosivos de guerra, mapeamento, marcação e, quando necessário, limpeza;

3. Assistência às vítimas, incluindo reabilitação e reintegração;

4. Destruição de minas existentes armazenadas; e

5. Promoção da luta contra o uso das minas antipessoais (Advocacy against the use of Anti-personnel Mines – APM).

Para o UNMAS, “a Ação contra Minas não deve ser tratada como uma missão isolada. Insere-se significativamente em outros programas humanitários e relacionados ao desenvolvimento do país afetado. Em alguns casos, está incorporada em uma operação de manutenção de paz.”

Atualmente, o UNMAS apoia ações em 40 países, trabalhando em conjunto com outros departamentos da ONU, agências, fundos e/ou programas, tais como: Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Organização Mundial da Saúde (OMS), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF).

A amplitude das exigências para a efetivação do programa caracteriza-o como uma atividade multidimensional e tem reflexo direto na especialização de militares brasileiros. Hoje, no Brasil, duas organizações realizam curso/estágio de desminagem:

– Escola de Instrução Especializada (EsIE): o Estágio de Desminagem é altamente técnico, com foco direcionado para ações na área minada. Teve sua origem quando da necessidade de especializar militares brasileiros para participarem da missão de desminagem na América Central, na década de 1990; e

– Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB): o Curso de Desminagem Humanitária foi criado em 2010, a fim de atender às demandas crescentes relativas à especialização de militares nesse tema. Está direcionado, principalmente, para o gerenciamento das operações de desminagem, com foco na aplicação das Normas Internacionais para Ação contra Minas.

Do exposto, observa-se que o militar brasileiro, para ter uma noção adequada do aspecto multidimensional, deveria participar do Curso e do Estágio, o que não é muito comum.

Conclui-se que a compreensão de que o Programa “Ação contra Minas” está inserido em um contexto multidimensional permitirá:

– a preparação, com mais eficácia, dos militares brasileiros, especializando-os para participarem de outros componentes do programa, além da desminagem humanitária;

– o melhor entendimento da participação brasileira em missões de paz, voltadas para a ajuda humanitária;- a participação, junto à ONU, em operações de consolidação da paz, dentro do escopo da “ação contra minas”, visando aliviar os efeitos de um conflito recém-encerrado, em um contexto de desenvolvimento econômico e social do país afetado;

– a inserção nos fóruns de discussão internacional, relativos ao tema, permitindo incrementar o conhecimento dos militares brasileiros, padronizar a especialização e realizar intercâmbios com outros institutos internacionais;

– a ampliação da presença brasileira junto aos organismos internacionais; e

– a reformulação dos cursos e estágios das organizações militares brasileiras.

Acredita-se, assim, que o apoio a uma atividade complexa exige uma forma multidimensional de planejamento, preparação e execução.

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