Competições de Inovação voltadas para o desenvolvimento de Tecnologias Duais de Interesse de Projetos Estratégicos do Exército

General de Exército Décio Luís Schons

A Defesa do Estado é missão constitucional das Forças Armadas, tarefa a elas delegada pela sociedade brasileira. Para o cumprimento dessa missão, os empreendimentos envolvendo ciência, tecnologia e inovação vêm assumindo uma relevância cada vez maior.

No Processo de Transformação do Exército, a efetiva participação da indústria e da academia é considerada fulcral para aprimorar a capacidade do Sistema Setorial de Inovação, encurtar os prazos das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), aumentar o conteúdo nacional de projetos estratégicos e elevar o estoque de conhecimento em temas críticos para o desenvolvimento de capacidades militares terrestres.

Essa busca de integração cada vez maior com a parcela civil da sociedade vem contando com ações norteadas por referenciais teóricos modernos, como a Inovação Aberta, referenciais estes já difundidos e praticados nos países e setores empresariais que se destacam pela capacidade de inovação.

No estudo desse tema, deparamos com vasta literatura a demonstrar a relevância das competições de inovação na busca bem sucedida de soluções para problemas específicos. Trata-se de um procedimento ágil e eficiente de inovação aberta, visando não apenas soluções de problemas críticos, mas também invenções, inovações e, principalmente, a identificação de talentos.

Impulsionada pelos resultados auspiciosos obtidos, a popularidade das competições de inovação aumentou nos últimos anos. Recentemente, o governo norte-americano criou plataformas virtuais na Internet para ajudar agências governamentais, como o Departamento de Segurança Nacional e o Departamento de Defesa, na busca de resposta a seus desafios tecnológicos, divulgando as questões propostas de forma rápida e simples. Destaca-se, também, a iniciativa da Agência de Comunicações e Informações da OTAN, que promove anualmente desafios de inovação para o setor defesa, objetivando acelerar o desenvolvimento tecnológico de ponta para apoiar sistemas C4ISR e capacidades cibernéticas.

No Brasil, a Petrobras, o SEBRAE, a FINEP e as fundações de amparo à pesquisa são exemplos de instituições que, por meio de editais, promovem competições a fim de identificar e apoiar novos talentos, estimular a inovação e aprimorar a cultura empreendedora e o ambiente de inovação. Além desses exemplos, ressalta-se o “Embraer Startups Program”, recente programa de inovação aberta promovido pela EMBRAER visando criar oportunidades de negócios com startups.

No entanto, não encontramos modalidades abordando problemas específicos em que o público-alvo, particularmente startups, fosse contemplado com recursos de fomento e dispusesse de tempo para aplicar tais recursos no desenvolvimento de soluções promissoras – soluções essas que passariam pelo crivo de competição presencial perante comitê de avaliação e ampla plateia composta de agentes públicos, decisores estratégicos e empresários dos setores impactados. Inferimos que tal abordagem permitiria instigar jovens talentos a avançar no nível de maturidade tecnológica de suas soluções, pela possibilidade de participar de um evento de abrangência nacional com a presença de atores importantes em sua área de atuação.

Esse tipo de empreendimento terá certamente o condão de atrair cientistas, pesquisadores, engenheiros e, principalmente, jovens talentos em busca de reconhecimento e projeção nacional.

Em alinhamento com as orientações estratégicas do Exército Brasileiro, vislumbrou-se a realização de competições visando desafiar a comunidade científica e tecnológica nacional a contribuir com soluções inovadoras de problemas complexos e de interesse dos projetos de pesquisa de desenvolvimento.

Como benefícios indiretos, pretende-se fortalecer os vínculos do Exército com a academia, instituições de governo e setores produtivos, bem como tornar mais eficiente, eficaz e dinâmico o Sistema Setorial de Inovação do Exército. Espera-se que a Defesa Nacional seja um tema de destaque na agenda estratégica de universidades, centros de pesquisa, polos, parques, incubadoras de empresas, startups e empresas de base tecnológica, despertando o interesse de pesquisadores e jovens talentos na busca da solução de problemas genuinamente nacionais e centrais para a Defesa e Segurança do País.

Esse anseio encontrou na FINEP/MCTI similaridade de propósitos e de objetivos estratégicos, uma vez que esse órgão também buscava diversificar sua carteira de programas de fomento a startups, visando privilegiar o dinamismo e incentivar a criatividade. Da sinergia de propósitos e da existência de objetivos estratégicos similares surgiu o Programa Desafio FINEP, cujo projeto-piloto foi planejado e será executado em parceria com o Exército Brasileiro.

O modelo proposto compreende três etapas: seleção inicial; desenvolvimento das soluções; e competição e premiação. A primeira dessas etapas envolve a definição do desafio tecnológico e dos critérios de avaliação, o lançamento da chamada pública, a submissão das propostas por parte das startups e a seleção das empresas que apresentarem as propostas mais promissoras, segundo os critérios de avaliação elencados no edital público.

Na segunda etapa, as empresas que lograrem êxito no passo inicial receberão recursos financeiros provenientes da FINEP para que, ao longo de seis meses, desenvolvam suas propostas de solução do desafio tecnológico.

Por fim, ocorrerá um evento presencial e dinâmico em que as soluções das equipes pré-selecionadas serão apresentadas e avaliadas, na prática, por um comitê de especialistas, a quem caberá escolher a equipe vencedora. Essa equipe ganhará um prêmio e poderá ser elegível para o Programa FINEP Startup.

Como o evento será público, soluções que não se sagrem vencedoras poderão, também, chamar a atenção de investidores, inclusive da área de Defesa, e negócios poderão ser firmados. A definição de um desafio específico e a existência da terceira etapa distinguem o modelo atual das outras modalidades de fomento e de competição ora praticadas no Brasil.

O tema do desafio do projeto-piloto foi estabelecido pelo Escritório de Projetos do Exército e pelo Departamento de Ciência e Tecnologia e detalhado por organizações militares do departamento, cujo capital intelectual apoiará as diversas etapas previstas no empreendimento. O evento final está programado para ocorrer em Brasília, no mês de dezembro de 2021.

Em razão da transversalidade da área, impactando todas as expressões do Poder Nacional; atualidade do assunto; imenso mercado; dualidade; e estudos de prospecção tecnológica, que indicam modesta capacidade científica e tecnológica nacional, conforme difundido em recente artigo de opinião do NEEDS1, escolheu-se como tema a Defesa Cibernética e como desafio a Resiliência Cibernética.

Concebidas sob a perspectiva de que ataques cibernéticos são inevitáveis, as técnicas de resiliência cibernética têm por objetivo principal detectar ameaças e responder rapidamente aos ataques, minimizando os danos; retomar as operações; e proteger a confidencialidade, a integridade e a disponibilidade dos dados contra futuros ataques.

Em síntese, essas técnicas buscam conferir maior agilidade e eficiência na mitigação de efeitos danosos decorrentes de ataques cibernéticos, possibilitando a continuidade de operação da organização-alvo. Em razão disso, elas constituem hoje ativo essencial para sistemas, serviços e produtos civis e militares que operam intensamente conectados.

A natureza essencialmente dual do tema assegura que os resultados serão úteis para o sucesso dos Projetos Estratégicos do Exército Brasileiro e de diversas ações relacionadas ao desenvolvimento e à segurança nacional.

O interesse percebido pelo empreendimento já permite antecipar o êxito que ele irá obter. A participação de um número significativo de startups, somada à pertinência das respostas por elas apresentadas aos desafios propostos, ensejará a edição anual do evento.

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¹ Galdino, J F. “Cibernética: importância e indícios da capacidade nacional”, NEEDS, 26 de outubro de 2020.

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Nota:

*Artigo publicado no Núcleo de Estudos Estratégicos de Defesa e Segurança (NEEDS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 26 de novembro de 2020.

**Coautor

Juraci Ferreira Galdino

Coronel do Quadro de Engenheiros Militares do Exército Brasileiro

Doutor em Engenharia Elétrica

Chefe da Agência de Gestão e Inovação Tecnológica (AGITEC)

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