Mulheres iniciam formação de oficial combatente do Exército brasileiro pela primeira vez

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Andréa Barretto

A Escola Preparatória de Cadetes do Exército abre espaço para a entrada das suas primeiras alunas. Agora, mulheres podem seguir carreira militar até o posto de general.

O dia 18 de fevereiro de 2017 já é histórico para a Força Terrestre brasileira. De forma inédita, 32 mulheres cruzaram os portões da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), carregando no peito não só a patente de “Aluno” como também a emoção de fazer parte do primeiro grupo do sexo feminino a se iniciar na formação de oficial combatente do Exército.

“Eu me sinto muito honrada por ter tido a oportunidade de entrar para essa escola. É uma felicidade poder servir de exemplo para outras meninas que querem entrar e poder mostrar que a gente consegue agregar mais essa função dentro do Exército”, declarou a Aluna Bibiana Sartori Chagas, que tem 20 anos e é uma das garotas integrantes da notável turma de 2017.

A participação de mulheres no Exército Brasileiro tem precedentes. Em 1823, Maria Quitéria de Jesus lutou ao lado de outros militares pela manutenção da independência do Brasil. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), 73 enfermeiras brasileiras serviram em diferentes hospitais do Exército norte-americano e, em 1992, a Escola de Administração do Exército matriculou a primeira turma de 49 mulheres, inserindo-as no Quadro Complementar de Oficiais da instituição.

Mas, até aqui, as representantes femininas tinham seu campo de atuação restrito a atividades de suporte como administração, saúde e ensino. A novidade está na entrada de mulheres na linha militar bélica.

“A linha bélica é aquela em que o militar atua diretamente na atividade fim do Exército, que é estar pronto para defender a pátria. Quando a gente imagina um soldado em combate, um militar que vai para a guerra, ele é da linha bélica”, explicou o Coronel Gustavo Henrique Dutra de Menezes, comandante e diretor da EsPCEx.

Portanto, com a formação iniciada na EsPCEx agora também por mulheres, o Exército abre espaço para que elas integrem, por exemplo, um Pelotão de Fronteira e atuem no comando de uma missão de patrulhamento. “As possibilidades são as mesmas para homens e mulheres. Por isso que a formação aqui vai ser igual para todo mundo”, esclareceu o Cel Dutra.

Longe de casa

A aluna Bibiana Chagas acha que ainda é muito cedo para definir exatamente a função que deseja desempenhar como militar daqui a alguns anos. “O que mais quero é poder corresponder às minhas expectativas e me realizar dentro da carreira, independentemente da função que eu vá ocupar”. Mas, mantendo esse olhar aberto ao futuro, ela revela um de seus maiores desejos: “se eu tiver que falar hoje de um sonho, eu diria que é participar de uma missão no exterior”.

A sua relação com o universo militar começou no Colégio Militar de Santa Maria, em Santa María, Rio Grande do Sul, onde cursou o ensino médio. “Eu não tenho nenhum militar na minha família, mas na escola eu desenvolvi uma admiração muito grande pela área e passei a achar que poderia ter oportunidades nesse meio”, afirmou a aluna. Foi isso que a motivou a se inscrever, no início de 2016, para o primeiro concurso da EsPCEx com vagas para o sexo feminino.

Durante todo o ano passado, Chagas teve que aliar os compromissos como estudante da faculdade de direito com a preparação para as provas militares. O concurso previa exame intelectual e exame físico, além de exigir outros requisitos.

Para dar conta do conteúdo da prova intelectual, Chagas se matriculou em um curso voltado especificamente para o concurso. Já o treino físico foi feito com a ajuda de professores do colégio militar e incluía corridas diárias e aulas de musculação, “principalmente para eu conseguir fazer os abdominais e as flexões”, lembrou.

 

Toda essa dedicação e esforço que resultou em sua aprovação na EsPCEx não foi, no entanto, a parte mais difícil para Chagas até agora. “O mais difícil para mim, e acredito que para a maioria dos alunos que está aqui, é ficar longe de casa, longe da família. Isso é o que abala mais”, disse a jovem militar “Mas claro que está tudo sob controle. Eu acho que consegui me adaptar rápido. Agora, já consigo afirmar que estou muito feliz de estar aqui dentro”.

Da EsPCEx para a AMAN

Os 406 alunos matriculados na EsPCEx neste ano têm uma rotina de segunda a sexta, em regime de internato. Às sextas, depois do jantar, os alunos podem sair da escola até as 22h do domingo.

O ensino inclui três disciplinas militares e oito de conhecimentos diversos: química, física, cálculo, história, português, cibernética, inglês e espanhol. Além disso, há treinos físicos diários.

Ao final do primeiro ano de formação, os estudantes aprovados são promovidos para cadete e deixam a EsPCEx para integrar a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). A formação se conclui após quatro anos na AMAN, quando o militar será promovido a aspirante a oficial. “Aí ele entra no nosso fluxo de carreira, que vai até o posto de general”, contou o Cel Dutra.

Na AMAN, os cadetes fazem ainda um ano de curso básico. Depois disso, todos eles têm que optar por qual arma, quadro ou serviço quer se dedicar. “Dentro das especializações na linha bélica, existem as armas, quadros e serviços. Todas essas áreas são combatentes. As mulheres, de acordo com o que está previsto na lei nesse momento, terão acesso ao Serviço de Intendência e ao Quadro de Material Bélico”, explicou o Cel Dutra.

O Serviço de Intendência e o Quadro de Material Bélico formam o sistema operacional logístico. Isso quer dizer que as mulheres vão poder lidar com questões como manutenção de armamentos e manutenção de viaturas, suprimentos gerais e alimentação.

Para o Cel Dutra, a expectativa em relação a essa novidade é positiva. “Essa mudança é uma demonstração de que a Força Terrestre anda para frente. Historicamente, onde a mulher chega, ela agrega muito valor. Com certeza, no Exército isso também acontecerá na linha bélica. Eu vejo que esse é um momento de evolução bastante positivo.”

Carreira militar: múltiplos percursos

Sobre as possibilidades de atuação profissional no campo militar, o Cel Dutra afirmou que existem quatro linhas de carreira: a científico-tecnológica, a de saúde, a complementar e a bélica.

A linha científico-tecnológica tem como porta de entrada o Instituto Militar de Engenharia. Já a área de saúde tem como meio de acesso a Escola de Saúde do Exército e os concursos voltados para médicos formados em instituições brasileiras de ensino superior. Para atuação na área complementar, é possível fazer concurso para a Escola de Formação Complementar. Quanto à linha bélica, o ingresso pode ser por meio da EsPCEx, da AMAN, da Escola de Sargentos de Logística ou do Centro de Instrução de Aviação do Exército.

A lei 12.705, que estabeleceu a inclusão do sexo feminino na linha do ensino militar bélico, é de 2012. A norma deu cinco anos para a adaptação das Forças Armadas a essa determinação. “O Exército achou por bem usar esse prazo todo para se preparar e remodelar suas instalações, construir uma estrutura adequada com banheiros e dormitórios separados etc. Por isso só agora a primeira turma de mulheres está chegando na nossa escola”, lembrou o Cel Dutra.

O acesso à Escola de Sargentos de Logística e ao Centro de Instrução de Aviação está previsto para ocorrer a partir de 2018.

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