Eduardo Carvalho – 1º RCC- O GIGANTE DE AÇO

O GIGANTE DE AÇO

1º Regimento de Carros de Combate

 

 

Eduardo Atem de Carvalho

 

No Exército Brasileiro, em especial na Cavalaria, nenhuma outra unidade é tão significativa na formação para guerra convencional quanto o 1º. Regimento de Carros de Combate. Em torno deste gravitam outras unidades também essenciais no esteio da defesa nacional, mas este gigante de aço se mantém como uma lenda e comandá-lo é mais do que uma imensa responsabilidade, uma honra reservada aos melhores homens de cada turma forjada na Academia Militar.

Sua origem não é tão antiga quanto a outras unidades tradicionais de nossas forças, que diversas vezes remontam à campanha Cisplatina ou mesmo antes. O 1º. RCC nasceu como resposta à guerra moderna, no calor da 2ª. Guerra Mundial.

No dia 21 de agosto de 1944, o decreto-lei no. 6813 extinguiu o 1º. Regimento de Carros de Combate (que havia sido criado em 9 de maio de 1944) e criou o 1º. Batalhão de Carros de Combate, da Divisão Motomecanizada [1]. Esta unidade dispunha de 3 companhias de carros médias M4 Sherman, em um total de 53 carros deste tipo, e uma companhia de 17 carros leves M3A1 Stuart, as “Pererecas”. Esta unidade, inicialmente se situou nas instalações do antigo Derby Club, um clube de corridas de cavalo que havia sido fundado no século anterior e tinha sido de propriedade do Jockey Club Brasileiro. No futuro seria construído ali o Estádio do Maracanã.

O 1º. RCC permaneceu neste local até 1948, mas com a decisão do Brasil de ser sede da Copa do Mundo em 1950, o 1º. RCC recebeu uma nova sede em 28 de abril, em Bonsucesso, na entrada da Ilha do Fundão. O Regimento permaneceu nesta sede até 1997, quando foi transferido para Vila Militar em Deodoro, ainda no Rio de Janeiro. Dividindo espaço com o 3º. RCC e o recém-criado Centro Instrução de Blindados, formando o que passou a se chamar Quartel dos Blindados. Por fim, em 10 de maio de 2005, o Regimento foi oficialmente incorporado à 6ª. Brigada de Infantaria Blindada (Brigada Niederauer) e movido para Santa Maria em 2006, no estado do Rio Grande do Sul, onde ocupa as antigas instalações do 7º. BIB.

Estas instalações, reformadas e adaptadas para receber uma unidade equipada com material tão pesado e complexo, oferece espaço amplo, sinergia com outras unidades blindadas e alta qualidade de vida para sua guarnição, em uma cidade pacífica e ordeira.

 

Os Carros de Combate

O 1º. RCC foi equipado, quando da sua criação, como já descrito, com carros que eram a seu tempo classificados como bastante modernos para o ano de 1944. Equipado com um canhão de 76 mm de baixa velocidade, este CC foi se tornando progressivamente obsoleto quando comparado com a nova geração do pós-guerra na Europa, este veículo no cenário latino-americano ainda era temível, bastando ver o desempenho de sua versão modernizada na Guerra dos Seis Dias, em 1967, no Oriente Médio.

No início dos anos 70 chegam ao Regimento os M41A3 (junto com M113). O Regimento, com isto, ficava com a manutenção mais simples e leve, passando de um CC que pesava 33 toneladas para um que pesava 24. Seu único luxo era rodar com gasolina “azul”, herança de uma era onde o preço do petróleo era tão barato que ninguém se preocupava com isto. Em 1995 os M41 passam por uma grande modificação na finada Bernardini: O canhão passa para 90 mm de baixa pressão e seu tubo recebe encamisamento, motor passa a ser a diesel, mais seguro e econômico, lançadores de fumígenos são instalados na torre e o novo padrão de pintura, agora camuflada, é aplicada sobre o carro. Reforços na blindagem, caixas novas e diversas outras modificações são feitas.

O Brasil tem nesta época duas opções para dispor de um CC de fabricação nacional: o Tamoyo, da Bernardini [2], que é uma versão melhorada e superior do M41, apresenta como vantagem o seu baixo custo e facilidade de fabricação. Apresenta como intrínseca desvantagem já nascer obsoleto. A outra opção era o Osório, da Engesa, com parceria da Vickers inglesa, que viria a gerar no futuro a dinastia britânica Challenger [3]. Polêmico, caro e complexo, por outro lado era a promessa de um CC de primeira linha para o Brasil.

A falta de apoio governamental para os dois modelos levou à falência ambas as empresas e ao colapso da indústria bélica brasileira. Como consequência direta disto, em 1998 chegam ao Brasil um lote de CC alemães Leopard I A1. As dificuldades de se obter peças de reposição são cada vez maiores, causando dificuldades em toda a guarnição pela baixa disponibilidade que isto progressivamente causa. Em 2009 o Regimento recebe os Leopard IA5 BR, modelos que sofreram atualização de sua blindagem com a adição de um kit MEXAS alemão, sistema de pontaria do canhão de 105 mm completamente giroestabilizado, capacidade de tiro diuturno, motorização atualizada, torre atualizada além de um conjunto combate a incêndio interno.

Este CC pesa cerca de 55 toneladas, o que requer uma preparação especial para a movimentação pela região. É um carro compacto e o espaço físico dentro da torre é muito limitado. Homens de estatura elevada ou muito robustos sentirão grande desconforto quando dentro do veículo, embora seja de origem alemã. O espaço reservado ao comandante do carro, quando da escotilha fechada é apropriado para um homem de estatura mediana e tipo físico magro. O atirador dispõe de um pouco mais de espaço, mas não muito. O municiador tem o maior espaço disponível, mas o tamanho e peso da munição do canhão L7A3 tornam sua missão sacrificada também. Por fim, motorista opera a viatura em posição inclinada. Posição típica dos CC modernos. A couraça dos IA5 é substancialmente maior que qualquer outro CC já operado pelo EB. A capacidade de atingir o alvo no primeiro disparo e destruí-lo, em distâncias de até 2.500 m é altíssima.

 

Figura 2 – Carros já usados pelo 1º. RCC – M3 Stuart, M4 Sherman, M41 Bulldog e Leopard IA1. À Frente, o Sub-Cmt TC Renato Cunha Mello, o autor, Adj Cmt ST Sandro Mar Paz Soares e ST Zeloar Pacheco Marques (expert em Leopards). (Foto Soldado Eduardo)

 

A Estrutura do 1º. RCC

Quando foi fundado, o 1º. RCC seguia a estrutura dos “Medium Tank Battalion” do exército dos Estados Unidos. Desta forma possuía além das 3 companhias de carros médios e uma companhia de carros leves, uma companhia de Comando e outra de Serviço, em um total de 6 companhias. Os carros da época, do tipo M4, tinham guarnição de 5 homens, enquanto o M3 empregava 4 homens. Com o passar dos anos a unidade passou a ter denominação de Regimento (que teve no decreto de fundação e que foi logo abandonado), passando suas subunidades a serem designadas “Esquadrões”. Com a mudança da formação quaternária, para terciária, um dos esquadrões de carro deixou de existir e a guarnição foi reduzida também com a introdução de carros de combate que empregavam guarnições de 4 homens.

Hoje o Regimento conta de novo com 4 Esquadrões de Carro e um de Comando e Apoio. Cada Esquadrão de Carros conta com 3 Pelotões de Carros de Combate, e cada Pelotão emprega 4 Carros, sendo que o esquadrão ainda dispõe de um veículo para seu comandante, em um total de 13. Os dois primeiros esquadrões são de pronto emprego da 6ª. Brigada, o 3º. se dedica ao treinamento de recrutas e o 4º. é o responsável pelos meios de simulação e adestramento.

O esquadrão de Comando e Apoio totaliza cerca de metade do efetivo do Regimento e centraliza todos os meios logísticos e de manutenção, oferecendo todos as ferramentas para que o Regimento esteja sempre pronto. Na área de simulação o 1º. RCC foi a primeira unidade brasileira a oferecer simulador de tiro. Desde sua versão extremamente crua e não registrada nos livros oficiais da unidade, que existia nos anos 80 no regimento, até o primeiro simulador oficial. Este pioneirismo não causa superposição e sim acumulo de experiência e divisão de carga de trabalho, permitindo ao Regimento receber alunos de todo país e exterior, sem deixar de treinar seus próprios homens, na sua SIB, Seção de Instrução de Blindados.

Figura 3 – Compartimento do atirador do Leopard IA5 BR. (foto Soldado Eduardo)

 

A Unidade de Treinamento

O 1º. RCC na sua condição de unidade de elite convencional funciona também como um centro de treinamento, estágio, formação, demonstração e toda a forma de cursos curtos e longos que permitem a militares brasileiros e estrangeiros, aprender as diversas facetas do emprego de blindados. Além de cuidar de sua própria formação de efetivo, o Regimento recebe militares oriundas da Academia Militar das Agulhas Negras, ECEME, ESAO, CPOR, ESA, EASA, Escolas de Nações Amigas e por fim fornece Instruções Especializadas para os RCBs. A carga de trabalho de todo o pessoal do Regimento é pesada o ano todo, somando-se a ela as constantes exigências de apronto operacional requeridas de uma unidade de pronto emprego e que representa a elite convencional do Exército Brasileiro.

 

Os 75 Anos do Regimento

Do dia 16 de agosto deste ano, ocorreram as solenidades comemorativas relacionadas aos 75 anos do Regimento. O mote “Regimento Vanguardeiro”, mais do que nunca ficou evidente para seus membros. Diversas atividades ocorreram, algumas típicas da vida militar outras bastante inovadoras. Sob a liderança do Cel Cav Emerson Luís de Araújo Pângaro, foram entregues certificados de Amigo do Vanguardeiro, onde o Regimento reconhece e homenageia membros civis e militares da comunidade que de alguma forma contribuíram para o Regimento. Seguiu-se desfile da tropa tendo à frente um contingente de ex-integrantes do 1º. RCC, que foi liderado pelo Gen Bda Flávio dos Santos Lajoia Garcia, desfilou em continência às autoridades presentes. Houve também o lançamento de uma moeda comemorativa e selo personalizado, com a obliteração de 6 peças pela diretora dos Correios na cidade de Santa Maria, RS.

Figura 4 – Lançamento do selo comemorativo dos 75 anos do 1º. RCC. Da esquerda para a direita, o Adjunto de Comando St Paz, Sr Pozzobom, prefeito de Santa Maria, Cmt do 1º. RCC Cel Pângaro e o Sub Cmt do 1º. RCC TCCunha Mello. (Foto do autor)

Figura 5 – Moeda comemorativa dos 75 anos do 1º. RCC. (Arquivo do autor)

 

O Futuro

Recentemente o Estado-Maior do Exército Brasileiro lançou uma portaria (a de no. 126) que versa sobre a criação de uma comissão para propor o que será o futuro da Couraça brasileira. Este futuro passará pelo 1º. Regimento de Carros de Combate. Seja na forma da coleta de opiniões e experiências de sua guarnição, seja como equipe de teste de modelos e protótipos, e por fim como recipiente inicial das novas soluções para o século XXI.

 

Agradecimentos

Além dos militares já citados nas fotos, o autor reitera seus agradecimentos ao Gen Bda Paulo Roberto Rodrigues Pimentel e ao Cmt do 1º. RCC, Cel Emerson Luís de Araújo Pângaro, pela extraordinária acolhida oferecida e memórias inesquecíveis proporcionadas. Ao Sub Cmt, TC Renato Cunha Mello, pelo tempo devotado ao visitante, Ao Major Júlio Cesar Souza Zacarias (Tradições Gaúchas)e ao 1º. TenJorge Nildo Montano Cavalheiro (RP e catanho). Adj ao Cmt ST Sandro Mar Paz Soares, por ter feito tudo dar certo, ST Zeloar Pacheco Marques (maior expert em Leopards). E ao 2º. Sgt Antônio Carlos Nunes Àvila, chefe da Seção de Instrução de Blindados. A todos os militares do 1º. RCC e outras unidades militares pelo profissionalismo e gentileza com o visitante.

 

Referencias

[1] – A História do 1º. Regimento de Carros de Combate, Publicação do 1º. RCC, Santa Maria, 2018.

[2] – Bastos, E. C. E., Blindados no Brasil – Um Longo e Árduo Aprendizado, Editora UFJF, Juiz de Fora, 2011.

[3] – Dunstan, S., Bryan, T., Challenger 2 Main Battle Tank 1987-2006, New Vanguard, Osprey Publishing, UK, 2006.

 

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Produzido por Luciano Souza Foto e Vídeo Fotografia – Luciano Souza

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