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Capelães enfrentam tanto trauma quanto soldados para quem ministram fé

David Bowlus cresceu em uma fazenda em Ohio, filho de um médico que atuou no Exército americano durante a Segunda Guerra Mundial. Muitas vezes ele subia furtivamente no sótão de sua casa para experimentar o uniforme de seu pai como se fosse parte de seu destino. Aos 16 anos, em uma viagem de família para West Point, ele assistiu a uma marcha de cadetes e descobriu o que queria para o seu futuro.

Depois de se formar na academia, como um oficial treinado para a guerra, ele passou a cumprir os deveres militares em tempo de paz dos anos 90. O mais perto que Bowlus chegou do combate antes de se aposentar do Exército em 1998, foi uma rodada de jogos de guerra, travada com armas que disparavam raios laser.

Mas agora, Bowlus, 40 anos, já serviu mais do que a sua parte de tempo sob fogo cruzado, tendo retornado ao serviço ativo em 2002. Ele fez oito incursões de dever, chegando à patente de major. Ele fez isso, no entanto, na sua segunda encarnação no Exército, como capelão.

Naqueles primeiros anos, ele segurava seringas e gaze para um médico, enquanto rezava o salmo 23 diante de um soldado baleado durante uma operação em Mosul, no Iraque. Ele administrou os primeiros socorros e a palavra de Deus aos homens atingidos por granadas propelidas por foguetes quando o Taleban emboscou seu comboio. Ele acalmou pais em luto e supervisionou o transporte de caixões.

Tudo isso o impregnou com um propósito, mas também testou sua resistência, tanto psicológica quanto teologicamente. Bowlus faz parte de um grupo de capelães militares que passa pelas mesmas convocações múltiplas que os soldados americanos nessa quase uma década de guerra no Afeganistão – e também no Iraque – e sofreu abalos emocionais semelhantes.

"Eu me vi em uma encruzilhada de dar tudo o que eu tinha e ter de encontrar uma maneira de encher o meu reservatório", disse Bowlus, recordando o seu momento mais difícil. "Eu percebi que a minha paixão por Deus e meu amor pelas pessoas foi diminuindo. Eu me importava, mas eu não me importava tanto quanto no começo, quando eu passava pelos momentos com de maneira carinhosa”.

Os desafios de Bowlus, a sua luta e sua recuperação final – a tal ponto que agora ele instrui capelães na escola das Forças Armadas em Fort Jackson – revelam as experiências de seus pares. Além disso, também diferenciam esse grupo de capelães militares de seus antecessores na era da Guerra do Vietnã, o último período de combate americano contínuo no exterior.

Pesquisa

Uma pesquisa de doutorado recente realizada por Vance P.Theodore da Universidade do Kansas, com base em entrevistas com 408 capelães, calculou que cerca de 20% apresentavam sinais de depressão, ansiedade ou estresse pós-traumático. Um termo usado para explicar esses sentimentos mantidos pelos capelães é "fadiga da compaixão".

Durante a Guerra do Vietnã, um capelão normalmente seria enviado à guerra uma vez, por seis meses. Dos cerca de 1.650 capelães na ativa agora, mais de um terço teve várias incursões, de acordo com estatísticas do Escritório do Chefe de Capelães do Exército. E a incursão média dura 13 meses.

"Ao voltar depois de um ano, 15 meses, até 20 meses, você tem problemas de reintegração", disse o coronel Michael Dugal, diretor do Centro para a Liderança Espiritual em Fort Jackson, que ajuda a lidar com os problemas dos capelães. "E há toda uma questão de 'Como posso evitar o desgaste e continuar a prover as necessidades espirituais de tantos soldados?'"

Bowlus incorpora muitos desses problemas. Um cristão renascido em sua adolescência, ele estudou e foi ordenado em um seminário da Aliança Missionária e Cristã nos anos que antecederam ao 11 de setembro de 2001. Enquanto observava o presidente George W. Bush falar à nação depois dos ataques, Bowlus recordou recentemente, "Eu pensei, ‘É por isso que estou nesse caminho’”.

Ele retomou o serviço ativo em uma base na Geórgia, em fevereiro de 2002 – a tempo apenas de notificar as famílias e planejar os funerais de três soldados mortos na Batalha de Anaconda, no Afeganistão. Imediatamente, a fé que ele considerava tão forte e a energia que ele considerava tão ilimitada foi testada como nunca antes.
 

"Foi surreal", disse ele, com um olhar pensativo. "Dizer a um pai que seu filho tinha morrido e sentir que, mesmo com toda a minha formação cada palavra era insuficiente”.

Em setembro de 2002, Bowlus foi enviado para o Afeganistão na primeira de suas oito passagens pelo país. Como capelão do Exército Rangers, ele fazia incursões mais curtas, de cerca de três meses, mas em meio a confronto pesado. Ele passou por Fallujah, Mosul, Bagdá e Ramadi durante os mais ferozes anos da insurgência iraquiana. Ele carregava seu kit de comunhão na mochila conforme seu helicóptero sobrevoava redutos Taleban no leste do Afeganistão. Posicionado entre companheiros em perigo, ele reclamava com o comando por ser um agente não-combatente.

"Foi uma transição difícil", disse ele. "Eu não queria ser passivo. Eu queria ser capaz de defender os soldados dos quais eu cuidava. Mas isso me ajudou a perceber que o Exército tinha me colocado lá por uma razão: para fornecer apoio espiritual. E se eu não fizesse isso, ninguém mais o faria”.

Desgaste

Só depois de seis ou sete anos o desgaste começou a chegar a Bowlus na forma de ganho de peso, letargia, irritabilidade, desinteresse em sua esposa. Ele resumiu tudo isso recentemente como “o caminho para a depressão”. Fazendo o que é mais difícil para quase qualquer um – admitir que precisa de ajuda – Bowlus começou confiando em vários outros capelães, alguns amigos de West Point e um oficial da Força Aérea, que ele veio a conhecer durante serviços religiosos no Afeganistão.

Ele encontrou força renovada nos salmos que, como ele dizia, "consideram como um guerreiro como Davi atravessou os tempos difíceis de sua vida”. Voltando de sua incursão, ele se permitiu um período de férias de 10 dias com sua esposa e seus dois filhos, algo que antes teria descartado como indulgência.

Na mesma época, em 2008, o Exército estabeleceu seu Centro para a Liderança Espiritual, para oferecer desde retiros até grupos de discussão para capelães com os problemas que Bowlus tinha. O objetivo principal é equipar os capelães com "resiliência", uma liga de perseverança e fé.

De uma nova maneira, conforme trabalha com novos capelães, Bowlus ensina lições de vida que, se compartilhadas na igreja, seriam chamadas de testemunho de fé. "Como resultado dessa experiência no Vale da Morte, eu sinto que estou do outro lado", disse ele. "Sinto-me mais inteiro e ainda estou aprendendo. Eu tenho muito mais sabedoria como resultado disso”.

*Por Samuel G. Freedman

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