A efetividade do processo de integração terreno, condições meteorológicas, inimigo e considerações civis (PITCIC): reflexões no contexto da Operação Punhos de Aços 2025

por GENERAL DE BRIGADA ANDRÉ LUIZ DE SOUZA DIAS
e TENENTE-CORONEL LUIZ GUSTAVO DE PAIVA LOPES

No combate moderno, a “névoa da guerra[1]” de Clausewitz[2], longe de se dissipar, parece estar cada vez mais presente. Essa percepção se reforça pelo ambiente precipitado, superficial, imediatista e conturbado (PSIC)[3] do momento.

Além disso, os prognósticos parecem pouco alentadores, indicando, inclusive, um possível agravamento da atual complexidade, volatilidade e ambiguidade.

É, portanto, nesse contexto que a efetividade do uso do denominado Processo de Integração Terreno, Condições Meteorológicas, Inimigo e Considerações Civis (PITCIC) deve ser discutida e analisada.

O PITCIC é uma ferramenta presente há décadas na Doutrina Militar Terrestre, que permite aos planejadores e decisores, em última instância, visualizar, por meio de produtos gráficos, como o inimigo se apresenta e deve se comportar, fornecendo subsídios para a escolha de uma linha de ação que proporcione a maior probabilidade de êxito no cumprimento das missões.

Composto por quatro fases, o Processo tem início pela definição precisa do ambiente operacional (Fase 1), para, em seguida, serem identificados os efeitos desse ambiente sobre as operações (Fase 2) e avaliadas as ameaças presentes (Fase 3).

Por fim, determinar-se as possibilidades das ameaças (Fase 4). Aplicado de forma integrada e paralela entre diferentes escalões de planejamento hierarquicamente vinculados, o PITCIC emprega recursos tecnológicos, na medida de suas disponibilidades e exequibilidades.

Analisando-se atentamente os passos acima e tendo por base as impressões experimentadas na Operação Punhos de Aço[4] 2025, pôde-se constatar que a condução disciplinada e eficaz do PITCIC, dispondo de alguma tecnologia, fez com que as frações blindadas da Brigada Niederauer[5] diminuíssem drasticamente o tempo de detecção, engajamento e disparo dos seus diferentes sistemas de armas, aumentando, em muito, a neutralização das ameaças presentes no campo de batalha.

A obtenção das informações fez-se por meio de diferentes sensores de inteligência, como drones categoria zero, caçadores, tropas amigas em contato e pelotões de exploradores. Como consequência, foram levantadas informações cruciais sobre posições defensivas (de infantaria a pé e blindados inimigos), incluindo sistemas de barreiras e de armas anticarro.

Foi possível também visualizar a conformação do terreno com precisão, com destaque a aspectos de trafegabilidade, essenciais para a manutenção da impulsão no ataque e ação de choque[6].

De posse desses produtos, os comandantes das frações puderam construir cenários muito próximos do que encontrariam na Operação, executando o jogo da guerra[7] e os correspondentes ensaios com maior realismo e precisão.

Isso possibilitou que cada viatura blindada rompesse a linha de partida sabendo que tipo de ameaça poderia encontrar, utilizando rotas que aproveitassem ao máximo o terreno e sendo capazes de selecionar quais os campos de tiro seriam prioritariamente monitorados.

Ao final, constatou-se que o PITCIC, de fato, proporcionou a diminuição do tempo de resposta da tropa empregada em todos os escalões de comando, com especial menção às guarnições de carros de combate.

Fotos: o autor (Tenente-Coronel Luiz Gustavo de Paiva Lopes).

Dessa rápida análise, surge uma importante provocação: até que ponto as força blindadas atuais reagiriam a oponentes dotados por tecnologias que prometem incrementar, de forma disruptiva, a capacidade de ler o campo de batalha, detectar ameaças, decidir e agir? Nesse sentido, verifica-se que os 3 principais programas em andamento a nível mundial são:

o norte-americano Next Generation Combat Vehicle (NGCV); o franco-alemão Main Ground Combat System (MGCS); e o israelense CARMEL. Dentre outros avanços, esses programas preveem a incorporação de capacidades, tais como: a integração de plataformas e combate cooperativo; digitalização, inteligência artificial e fusão de dados; letalidade aprimorada; proteção e sobrevivência aprimorados; melhor propulsão e mobilidade; e arquitetura aberta de sistemas.

Essas novas capacidades fundirão, em um único mosaico, as imagens geradas a partir de todos os sensores disponíveis, identificando ameaças, por meio do uso de tecnologias de reconhecimento de imagem, engajando os múltiplos alvos encontrados e indicando qual o atuador mais adequado para cada um deles, além de oferecer instantaneamente ao decisor a possibilidade de disparar seu armamento com precisão e máxima eficiência.

No caso específico dos combates blindados, esses programas possibilitarão um tempo ainda menor de detecção e engajamento de alvos, com uma probabilidade muito maior de acerto no primeiro tiro, sem sobreposição de atuadores e com redução dos índices de fratricídio.

Do exposto, longe de se tornar obsoleto, o PITCIC continua válido. Os seus produtos a serem alcançados, inclusive, servem de referência para o fomento à pesquisa e ao desenvolvimento. Busca-se, pois, permanentemente soluções inovadoras que acelerem o ciclo decisório e permitam a obtenção e a retenção da iniciativa em combate, impondo ao inimigo uma espiral crescente de reações desfavoráveis, que fatalmente o conduzirão ao colapso.

Assim, visualiza-se que o PITCIC, no futuro, se tornará cada vez mais relevante, especialmente os casos em que não estiverem disponíveis tecnologias de ponta e equipamentos no estado da arte. Clausewitz provou que, na guerra, tudo são incertezas.

Moltke, “O Velho”, foi categórico ao afirmar que os mais detalhados e cuidadosos planejamentos se desmoronam no primeiro contato com o inimigo. A guerra, imutável em sua essência, será sempre uma disputa de interesses, na qual cada lado procurará impor sua vontade.

Será vitorioso, portanto, aquele que souber agir com mais resiliência e perseverança, iniciativa e rapidez, orientado pela intenção do comandante e pelo propósito da missão. O PITCIC contribuirá sobremaneira para esse fim, permitindo aos recursos humanos – verdadeiro centro de gravidade dos exércitos – atuarem na plenitude de suas capacidades.

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[1] Termo empregada por Clausewitz, em sua teoria da guerra, para expressar a dificuldade de estar consciente acerca da situação em curso durante o combate.
[2] Pensador e teórico da guerra prussiano, falecido em 1831, com vasta experiência prática em conflitos. Revolucionou o pensamento militar, por meio de sua obra “Da Guerra” (Vom Kriege, em alemão), de 1832.
[3] Conceito apresentado e explicado pelo General de Exército Richard Fernandez Nunes, para caracterizar o ambiente atual, com reflexos em todas as atividades.
[4] Tradicional exercício de adestramento avançado da 6ª Brigada de Infantaria Blindada, ocorrido em outubro do
corrente ano em Saicã, no município de Rosário do Sul-RS. Na atividade, foram executadas ações táticas de natureza predominantemente ofensivas, permitindo o funcionamento sinérgico de todos os Sistemas de Combate.
[5] Nome histórico da 6ª Brigada de Infantaria Blindada, que faz alusão ao Coronel João Niederauer Sobrinho, herói nacional e de destacada participação na Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870).
[6] Termo utilizado para traduzir o efeito produzido pelas forças blindadas em operações, sobretudo nas ações ofensivas, obtido pela combinação harmônica da tríade: poder de fogo, mobilidade e proteção blindada.
[7] O chamado Jogo da Guerra ocorre quando do ensaio da matriz da operação, com foco em procedimentos a serem desencadeados para cada reação do inimigo às nossas ações planejadas, considerando sua atitude mais provável, pautada em sua doutrina e histórico de emprego.

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Sobre os Autores:

GENERAL DE BRIGADA ANDRÉ LUIZ DE SOUZA DIASFormado em 1996, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), é oriundo da Arma Infantaria. Atualmente, comanda a 6° Brigada de Infantaria Blindada, com sede em Santa Maria-RS. Nessa mesma Brigada, foi o Comandante da Companhia de Comando, em 2010-11, e do 29º Batalhão de Infantaria Blindado, no biênio 2019-20. Além do Curso de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro, realizou o Curso de Estado-Maior das Forças Armadas da Espanha e o de Altos Estudos Nacionais da Bolívia. Possui os Mestrados Acadêmicos em Operações Militares e em Ciências Militares, ambos no Brasil, em Política de Defesa e Segurança Internacional, na Espanha, e em Segurança, Defesa e Desenvolvimento, na Bolívia. É membro da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (ANVFEB) e do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).

TENENTE-CORONEL LUIZ GUSTAVO DE PAIVA LOPESO Tenente-Coronel Paiva concluiu, no ano de 2002, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), o Curso de Formação de Oficiais da Arma de Cavalaria e o Bacharelado em Ciências Militares. Realizou, também, na Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME), o Curso de Comando e Estado-Maior e o Mestrado Acadêmico em Ciências Militares. Foi coordenador do programa de pós-graduação lato sensu da ECEME e Formulador de Doutrina da Arma de Cavalaria, no Centro de Doutrina do Exército (CDoutEx). Atualmente, comanda o 1º Regimento de Carros de Combate – Regimento Vanguardeiro, sediado na cidade de Santa Maria/RS.

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