Engenharias e saúde, as prioridades no Ciência sem Fronteiras

O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, diz que não à toa os cursos de engenharia lideram a concessão de bolsas no Ciência sem Fronteiras, programa que envia estudantes brasileiros para o exterior. "Por trás disso, tem um país que voltou a crescer", acentua Mercadante, acrescentando que as ciências da saúde também são área prioritária. O principal programa do governo de pós-graduação no exterior, registra ele, não concede bolsas de mestrado: as opções são doutorado, pós-doutorado e graduação.

Embora não fale em acabar com os mestrados – lembra que mestrados profissionais estão em alta -, o ministro quer fortalecer o doutorado, argumentando que há países, especialmente na área de exatas, que já matriculam seus estudantes diretamente em cursos para doutor. Das 17 mil bolsas concedidas hoje pelo Ciência sem Fronteiras, cinco mil são de pós.

Quais são os seus planos para a pós-graduação brasileira?

Nós estamos tendo um aumento bastante expressivo da pós-graduação nos últimos anos. Houve uma evolução muito significativa. Somos hoje o 13º país em termos de produção científica indexada, reconhecida internacionalmente. Cerca de 2,7% da produção científica mundial.

Essa colocação é boa para um país como o Brasil?

Boa é a velocidade com que estamos subindo no ranking. Somos parte da emergência mundial na economia, na política, na diplomacia. Temos espaço para subir. Estamos muito contentes com esse avanço, mas queremos mais.

A posição do Brasil no ranking de produção científica tem ligação direta com o número de mestres e doutores formados no País?

Tem. O Brasil é um dos países que mais aceleraram a produção científica nesses últimos 15 anos. A gente começou a melhorar no governo Fernando Henrique Cardoso, e depois esse movimento se acelerou muito no governo Lula e no governo Dilma. É fundamental a participação de doutores e mestres. A curva de doutores (formados) e artigos (publicados) é muito semelhante. E temos um problema: dois terços da pesquisa são feitos em instituições públicas. É o Estado brasileiro. Ao contrário do resto do mundo, em que dois terços estão na iniciativa privada. Especialmente aqui, o esforço da produção científica, da pesquisa e do desenvolvimento está muito centrado no esforço acadêmico

Por que?

Porque nós somos um capitalismo tardio, em que as empresas aqui nunca tiveram um verdadeiro espírito inovador, de liderança empresarial em setores estratégicos da economia. Com exceções importantes, como a Embraer e a Petrobras. O Brasil não pode se acomodar só no ranking da produção científica e de artigos indexados. Precisamos olhar também a inovação, as patentes. A relação entre produção do conhecimento e processo produtivo. E aí está o nosso maior desafio. As empresas brasileiras precisam entender que inovação não é importar uma máquina nova. É você desenvolver um processo produtivo, fazer mais e melhor e mais barato, com mais criatividade. Essa mudança de cultura empresarial começou. O movimento empresarial pela inovação é um forte movimento. Tudo isso depende da formação de recursos humanos. Além de expandir a pós-graduação, queremos fortalecer cada vez mais o doutorado. Muitos países já não têm mais praticamente mestrado nas áreas tecnológicas, nas engenharias. Em algumas áreas, simplesmente não há mais o mestrado. Vamos estimular os mestrados qualificados a se transformarem em cursos de doutorado.

Extinguindo o mestrado?

Não, o que estamos discutindo é estimular os mestrados que estão consolidados, que têm qualidade, a se transformarem em cursos de doutorado. Ampliar as vagas de doutorado, quando dentro de um programa ou se transformar no curso de doutorado.

Essa transformação significa manter ou acabar com os mestrados?

Significa o mestrado continuar existindo. Mas é um debate que nós vamos ter que fazer. Porque em alguns países essa é uma agenda superada. Você vai direto para o doutorado.

E o mestrado profissional?

É uma coisa nova que está crescendo também. Já temos 417. Esse, sim, é um programa em que há demanda muito forte hoje no mercado de trabalho.

O Ciência sem Fronteiras (que concede bolsas no exterior) oferece bolsas para que tipo de cursos?

Graduação, doutorado e pós-doutorado.

Quais as áreas que mais crescem?

Se você pegar de 2004 a 2011, temos uma forte expansão nas humanidades. A média de crescimento dos cursos de pós-graduação, nesses sete anos, foi de 62%, que é ciências sociais aplicadas: ciências humanas, linguística, letras e artes, as humanidades. Quando a gente olha ciências agrárias, da saúde, biológicas, 43%. Engenharia, ciências exatas e da terra, 42%. Comparado com outros países, o Brasil tem um volume de engenheiros insuficiente.

Quais áreas serão estimuladas?

A principal área de P&D no mundo é a saúde. A segunda é defesa: fármacos, equipamentos de saúde. E, na saúde, o grande avanço foi a cardiologia. Agora, a neurologia. A grande fronteira de expansão dos investimentos e da pesquisa é o cérebro. Nós temos um déficit de médicos no Brasil e isso se expressa numa sobrecarga de jornada de trabalho. Eles têm em média duas e meia jornadas de trabalho, cada médico no país. E uma produção científica insuficiente, dada a importância estratégica que esse setor tem. Precisamos estimular as engenharias e as ciências da saúde. São duas áreas que têm que ter prioridade. Estamos expandindo a oferta de médicos e precisamos fazer programas de fomento às engenharias e às ciências exatas.

O senhor está falando de graduação, pós ou ambas?

Estou falando das duas. Vale para a pós, mas reflete um problema anterior, como nas engenharias. Você não consegue avançar na pós, se você não formar mais engenheiros (na graduação), porque o mercado está totalmente demandante de engenheiros. A infraestrutura no Brasil está muito atrasada. A engenharia está sendo sugada pelo mercado

E haverá emprego para todos esses mestres e doutores?

Se você perguntar para todos, não sei dizer. Mas que melhora muito a posição no mercado de trabalho, melhora. E, na vida acadêmica, é imprescindível. Como uma parte importante da pesquisa no Brasil está nas instituições públicas, é imprescindível a formação. À medida que o mercado brasileiro – investimento, inovação, pesquisa e desenvolvimento – vai avançando, a demanda por esses profissionais cresce. Como aconteceu nos países desenvolvidos. Quanto mais profissionais qualificados a gente tiver na indústria e nos serviços, mais chance teremos de disputar a indústria portadora de futuro. Então, o papel do MEC é formar esses profissionais. E buscar sua integração com as empresas. Bom exemplo disso é o Ciência sem Fronteiras. As áreas definidas para o programa – engenharia, ciências exatas, biologia, computação, aeroespacial, fármacos, produção agrícola sustentável, petróleo-gás, energia renovável, mineral, biotecnologia, nano, prevenção e mitigação de desastres, bioprospecção, ciência do mar, indústria criativa, novas tecnologia em informação – são as áreas tecnológicas, de engenharias e ciências da saúde. Grandes empresas do mundo estão atraindo os estudantes do programa para fazer estágio. Nove meses fazendo curso, três meses estágio e muitos estão sendo contratados diretamente.

Por que a área de humanas ficou fora do Ciência sem Fronteiras?

Porque as humanidades, além de ser o setor que mais cresceu, é um setor que no Brasil está muito desenvolvido, quando a gente compara com outros países. As nossas deficiências estão nas ciências da saúde, nas engenharias, nas áreas tecnológicas. Precisamos ter um programa específico para essas áreas, porque as humanidades vão muito bem.

As humanidades continuam tendo bolsas para o exterior?

Continuam, porque o programa existente anteriormente está mantido. Agora, no programa novo, estamos dando ênfase na nossa deficiência, que são essas áreas.

Das 100 mil bolsas previstas no Ciência sem Fronteiras, sendo 75 mil concedidas pelo governo e 25 mil pela iniciativa privada, quantas são para pós-graduação?

Hoje, temos 17.702 bolsas distribuídas, sendo 2.807 de doutorado-sanduíche, 1.733 de pós-doutorado, 618 de doutorado pleno e 337 para jovens doutores e pesquisadores visitantes, que estamos atraindo de fora. Então, a grosso modo, 12.207 são da graduação, e 5,5 mil da pós-graduação só no Ciência sem Fronteiras. Vamos superar 20 mil bolsas este ano, como era previsto.

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