Boeing: Brasil deve ocupar posição de liderança na corrida por uma aviação sustentável

 

 

Portal O Globo

Mariana Barbosa

01 Maio 2021

Apontada como um dos vilões do aquecimento global, responsável por 2,5% das emissões de gases que produzem o efeito estufa, a indústria aeronáutica já tem a tecnologia para descarbonizar as viagens e cumprir com a meta de chegar em 2050 com metade do nível de emissões de 2005: o biocombustível de aviação (bioQAV). O desafio, contudo, é escalar a produção.

 

Mas, para Landon Loomis, diretor geral da Boeing no Brasil e vice-presidente de políticas globais da fabricante de aviões americana, o mundo deveria se inspirar no Brasil e estabelecer um percentual mínimo de mistura, a exemplo do que acontece com o etanol, para estimular a produção do combustível sustentável.

 

— O Brasil tem excelência demonstrada em aviação, em energia e em agricultura e tem a experiência de ter construído uma indústria de biocombustíveis do zero nos anos 1970 — diz Loomis, um ex-diplomata que serviu na embaixada dos EUA em Brasília e assumiu o comando da Boeing no país em agosto.

 

— Se há grandes players que produzem etanol no Brasil é porque aqui a mistura é obrigatória. Não existe nenhuma obrigatoriedade para a aviação neste momento. Mas essas são as conversas que estão acontecendo, no Brasil e em outros lugares. Se isso virar realidade, isso pode impulsionar muitas decisões de investimento.

 

O desafio no caso do bioQAV é da ordem de 10 mil vezes: o mundo produz hoje quase 9 milhões de galões de bioQAV, enquanto a indústria consome (ou consumia antes da pandemia) quase 90 bilhões de galões de combustível.

 

— O Brasil é o segundo maior produtor de biocombustível, responde por 25% da produção global e sabe como fazer escala — diz ele.

 

Para permitir que seja escalável, a fórmula do bioQAV foi desenvolvida para ser adicionada aos motores existentes, a exemplo do que acontece nos carros flex. Em janeiro, a Boeing se comprometeu a tornar toda a sua frota certificada para voar 100% com bioQAV até 2030.

 

— Estão surgindo políticas em nível nacional e acho que seria importante para o Brasil entrar nessa conversa. Não há dúvida de que os governos têm de ser parte da solução, gerando incentivos e ajudando os players da indústria a atuarem juntos. E vejo aqui uma oportunidade para o Brasil exercer uma posição de liderança global — afirma.

 

Qual o impacto da pandemia para o futuro da aviação? O setor vai voltar ao que era antes?

 

Esta crise impactou a indústria de uma forma sem precedentes. O impacto não só é dramático, como muda constantemente. A última previsão da IATA para 2021 é de 43% em relação ao nível pré-pandemia. Em dezembro, a previsão era alcançar 51% do nível pré-pandemia.

 

Isso nos diz duas coisas: essa crise é pior do que 11 de setembro (2001) e pior que a crise financeira global (2008). São muitas variantes: vacinas, diferentes políticas públicas para mitigar os efeitos da pandemia, habilidade dos governos de coordenar uma resposta para reabrir as fronteiras.

 

Vamos voltar aos níveis pre-pandemia ou há um mercado que vai se perder por conta de reuniões que agora vão acontecer por teleconferência?

 

Antes da pandemia, a aviação transportou 4,5 bilhões de passageiros. E US$ 7 trilhões em mercadorias. Essa demanda, esse modo de vida, o papel essencial que a aviação tem para o comércio são necessários. E isso vai voltar. Acabamos de divulgar a nossa previsão de mercado para os próximos 20 anos. O crescimento do tráfego de passageiros na América Latina vai ser de 5,1% ao ano pelos próximos 20 anos. [Um crescimento superior ao previsto para o mundo como um todo: 4% ao ano, mas representa a uma queda de 12% em relação à previsão anterior à pandemia para o período na América Latina.] A velocidade da retomada está diretamente ligada à condução da pandemia. Mas a visão de longo prazo é sólida. O setor já demonstrou ser capaz de superar choques exógenos. Vemos na verdade uma forte demanda reprimida. As pessoas querem viajar, e assim que puderem vão fazer isso. Estamos vendo isso acontecer na Austrália e na Nova Zelândia, na China.

 

Mas as viagens a negócio não serão afetadas de forma permanente pelas tecnologias?

 

Acredito que as viagens a negócio vão demorar mais tempo para voltar. A forma com que a gente trabalha vai mudar. Mas vou te falar que num ambiente de vendas, se você descobrir no Linkedin que o seu cliente se encontrou pessoalmente com o seu concorrente, você vai entrar no próximo avião. A interação pessoa a pessoa vai continuar a ser essencial. Mas os segmentos de lazer e turismo, viagens para visitar amigos e parentes, vão voltar primeiro.

 

Os jovens estão reduzindo o consumo de carne por razões ambientais e os próprios frigoríficos estão apostando em produtos análogos à carne. Considerando que a indústria aeronáutica é um importante contribuinte para a mudança climática, o senhor vê um risco da preocupação ambiental e uma eventual mudança de hábitos da nova geração afetar a demanda por viagens?

 

Os jovens consumidores são um vetor importante de mudança. Mas não são só os jovens. Governos e a própria indústria estão pressionando na direção de mais sustentabilidade. O volume de passageiros triplicou nas últimas três décadas, mas a pegada de carbono por passageiro hoje é metade do que era há 30 anos. Ou seja, apesar do grande aumento no número de passageiros transportados, a contribuição da aviação para o aquecimento global ficou estável em 2%. Isso não foi um acidente. As companhias aéreas investiram US$ 1 trilhão na compra de 15.000 aviões desde 2009. Essa renovação constante de frota tem um papel muito importante nessa redução das emissões por passageiro. Cada nova geração de aviões é 15% a 25% mais eficiente que a anterior. Um avanço tecnológico que acompanhou a demanda e manteve o impacto ambiental estável. Mas isso não é suficiente. Nós não estamos satisfeitos, nem os jovens, nem os governos que se encontraram em Washington DC para a Conferência do Clima na semana passada.

 

Como indústria nós temos o compromisso voluntário de chegar em 2050 com metade do nível de emissões registrado em 2005. E nós na Boeing estamos liderando esse processo. Investimos US$ 60 bilhões em novas tecnologias nos últimos dez anos. Criamos o cargo de Chief Sustainability Officer e neutralizamos a pegada da nossa operação em dezembro. Em janeiro, anunciamos o compromisso de certificar nossas aeronaves para voar 100% SAF (combustível de aviação sustentável, da sigla em inglês) até 2030. Para a gente conseguir cumprir as metas de redução de emissões, precisamos mudar a curva agora.

Trabalho conjunto BOEING-EMBRAER ecoDemonstrador para o desenvolvimento de novas tecnologias. Foto – BOEING-EMBRAER

 

O que falta para o bioQAV (querosene de aviação renovável) ou SAF se disseminar?

 

Temos um problema de escala. O mundo produz de 8 a 9 milhões de galões de SAF. Mas a indústria consome de 80 a 90 bilhões de galões de combustível de aviação. Temos que ampliar em 10 mil vezes a produção. E para isso o Brasil é o parceiro perfeito.

 

Por que?

 

O Brasil tem excelência demonstrada em aviação, em energia e em agricultura e tem a experiência de ter construído uma indústria de biocombustíveis do zero nos anos 1970. É o segundo maior produtor de biocombustíveis, atrás apenas dos EUA, e responsável por 25% da produção global. Isso é mais do que os 8 países seguintes combinados. O Brasil sabe como fazer escala.

 

E o que falta para isso acontecer? O senhor vê esse movimento no governo?

 

Acho que o Brasil tem uma grande oportunidade para se destacar e ter um papel ativo na superação desse desafio que afeta todo mundo. O Brasil vem se mexendo. Tem o Renova Bio, que não é focado em SAF, mas é uma boa política. Vocês têm atores como Petrobras, Raízen, que estão estudando suas próprias tecnologias de biocombustíveis para ver como adaptar para uso na aviação. A razão pela qual as empresas produzem etanol hoje é porque a mistura é obrigatória. Não existe nenhuma obrigatoriedade para a aviação neste momento. Mas essas são as conversas que estão acontecendo no Brasil e fora. Se isso virar realidade, isso poderá alavancar muitas decisões [de investimento].

 

Essa é uma das suas principais missões no Brasil?

 

A gente tem trabalhado com biocombustíveis no Brasil há mais de dez anos. Investimos US$ 3 milhões em iniciativas que maximizam a dinâmica social e os benefícios ambientais do SAF em comunidades locais. Temos uma parceria com a ONG Roundtable for Sustainable Biofuels, com a Unicamp. Temos um avião ecodemonstrador pra fazer testes ao vivo. Temos parceria com a Embraer para usar o ecodemonstrator. E ajudamos a desenvolver um roteiro de desenvolvimento com Fapesp, Unicamp e Embraer.

 

O Brasil tem potencial para desenvolver mercado para o consumo interno ou para exportação?

 

Se a gente conseguir resolver o problema do transporte, o Brasil pode ser um ator importante pelo lado da produção, desenvolvendo tecnologias que podem ser parte de uma solução global. Mas o Brasil é o terceiro maior mercado doméstico para a aviação no mundo. É grande o suficiente para justificar uma solução local. E isso seria uma grande contribuição para a causa.

 

O que falta então é uma lei tornando a mistura obrigatória?

 

Esse é um problema global que demanda uma solução global. E os governos têm um papel importante para canalizar e coordenar esses esforços. Estão surgindo políticas em nível nacional e acho que seria importante para o Brasil entrar nessa conversa. Não há dúvida de que os governos têm de ser parte da solução, gerando incentivos e ajudando os players da indústria a atuarem juntos. E vejo aqui uma oportunidade para o Brasil exercer uma posição de liderança global.

 

A Conferência do Clima avançou nesse sentido?

 

Fiquei surpreso positivamente com os compromissos que surgiram na conferência. Precisamos de ações como as que vimos o Brasil fazer na semana passada, de compromissos para neutralizar as emissões. Há uma oportunidade para o Brasil ocupar espaço e fazer a diferença.

 

O governo americano acredita no compromisso expresso pelo Brasil na conferência?

 

Passei tempo suficiente na Casa Branca para aprender a responder a esse tipo de pergunta. (Risos.) Mas o que observei é que há muito ruído. E dentro do ruído tem gente séria que está tentando se engajar de boa fé. O que eu vi é resultado desse tipo de abordagem. É isso que a gente quer construir e vemos uma boa oportunidade para os EUA e o Brasil trabalharem juntos de forma bilateral na área climática. E o SAF é um dos temas dessa agenda comum.

 

Apesar do fim da parceria com a Embraer, a Boeing ainda olha para o mercado de aviões regionais?

 

Atualmente nosso foco está em fazer os aviões parados voltarem a voar, em buscar eficiência e redução de custos para os nossos aviões e os nossos clientes. E estamos focados no desenvolvimento de nos nossos programas existentes, como o 777X e, na área de defesa, o novo caça.

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