O EXÉRCITO AMERICANO EM TRANSFORMAÇÃO: A CRIAÇÃO DO ARMY FUTURES COMMAND E A SINERGIA DOS CROSS FUNCTIONAL TEAMS

 O EXÉRCITO AMERICANO EM TRANSFORMAÇÃO: A CRIAÇÃO DO ARMY FUTURES COMMAND E A SINERGIA DOS CROSS FUNCTIONAL TEAMS

 

Coronel de Artilharia Diego Simões dos Reis da Costa é o Comandante da Base Administrativa do Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército (Ba Adm CComGEEx). Foi declarado aspirante a oficial, em 1996, pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). É bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – RJ. É mestre em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), situada no Rio de Janeiro – RJ. Possui pós-graduação em Marketing pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais e em Gestão Pública pela Universidade do Sul de Minas, sediada em Varginha-MG. Foi assistente do Comandante do Exército Brasileiro, em 2019 (diego.reis@eb.mil.br).

 

Sir John Keegan, notável professor da cadeira de História Militar na Real Academia Militar de Sandhurst, autor de inúmeras obras sobre o fenômeno dos conflitos armados, demonstra em seu livro, A History of Warfare, que a guerra, ainda que constante nas sociedades, desde seus primórdios não é, nem de longe, única ou imutável. Keegan apontava que, ao longo do tempo, à medida que as sociedades evoluíam, as guerras também tomavam para si esse DNA, moldando-se aos novos pensamentos, às novas doutrinas e às inovações tecnológicas. Foi o que aconteceu, inegavelmente, quando os romanos venceram Cartago, quando os espanhóis dizimaram os astecas e os alemães chegaram a Paris em poucos dias durante a Segunda Grande Guerra.

 

Nota DefesaNet

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O EXÉRCITO AMERICANO EM TRANSFORMAÇÃO: A CRIAÇÃO DO ARMY FUTURES COMMAND E A SINERGIA DOS CROSS FUNCTIONAL TEAMS

Durante os cinquenta anos que se seguiram após esse conflito (1945-1995), os Estados Unidos vivenciaram um período de grande expansão econômica. Com uma base industrial de defesa altamente especializada e que movimentava bilhões de dólares, a influência política no contexto global aumentava exponencialmente, resultando na polarização com a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e, consequentemente, demandava Forças Armadas modernas tecnologicamente para fazer frente às ameaças emergentes. A necessidade de se adaptar para estar sempre no “estado da arte”, sempre tem pautado a atualização das estruturas corporativas, o treinamento dos seus soldados e, em especial a obtenção de novas armas e equipamentos.

Este artigo tem por finalidade apresentar as últimas transformações pelas quais o Exército norte-americano vem passando, especialmente nas áreas de ciência e tecnologia, as prioridades de pesquisa e de desenvolvimento de materiais e sistemas de emprego militar, bem como essa instituição busca apresentar soluções efetivas e oportunas aos seus combatentes nos diversos teatros de operações onde atua.

A CRIAÇÃO DO ARMY FUTURES COMMAND

Em meados dos anos de 1990, o Exército Americano identificou que, para manter sua vantagem tecnológica em relação aos seus adversários, deveria atualizar vários dos seus sistemas de armas – um esforço amplo a que se refere como modernização. Esse esforço depende do desenvolvimento de novos recursos por intermédio do processo de aquisição do Departamento de Defesa (DoD) feito por meio de uma descrição clara dos recursos e características específicas do sistema – chamados de requisitos.

Outro componente importante do processo de aquisição é a identificação de tecnologias capazes de atender a esses requisitos e desenvolvê-los a um nível de maturidade suficiente para a integração em um sistema de maneira econômica e oportuna. Além disso, um programa formal de aquisição de sistemas de armas – com financiamento dedicado e cronogramas específicos – deve ser iniciado somente depois que os requisitos forem bem definidos e as tecnologias demonstradas como suficientemente maduras [1]. Os esforços anteriores do Exército na modernização incluíram vários programas de aquisição de sistemas de armas que foram sumariamente cancelados, após anos de desenvolvimento e bilhões de dólares gastos. O cancelamento desses programas ocorreu devido, entre outros fatores, aos problemas com o desenvolvimento de requisitos para esses sistemas e à integração de novas tecnologias antes que elas atingissem um nível de maturidade suficientemente eficaz. O fracasso na entrega desses novos sistemas de armas resultou na dependência contínua dos sistemas antigos, que já tinham sido alvos de substituição. Líderes de alta patente reconheceram que melhorias nos processos usados para desenvolver requisitos e tecnologias maduras são críticas para que a Instituição atinja os objetivos estabelecidos para seus novos esforços de modernização.

Como resultado da primeira fase do seu planejamento estratégico (2016-2017), o Exército Americano definiu a visão de futuro que iria iluminar os esforços de modernização dos seus materiais e sistemas de emprego militar, visando recuperar a superioridade nas operações de múltiplos domínios (MDO) contra seus adversários. Nesse sentido, a visão é bastante clara e objetiva:

 

o Exército de 2028 estará pronto para lançar, lutar e vencer, decisivamente, contra qualquer adversário, em qualquer hora e em qualquer lugar, em um conflito conjunto, multidomínio e de alta intensidade, enquanto, simultaneamente, buscará dissuadir e manter sua capacidade de conduzir guerra irregular. O Exército fará isso através do emprego de veículos de combate terrestres tripulados e não tripulados modernos, aeronaves, sistemas e armas, juntamente com formações e táticas de armas combinadas robustas, baseadas em uma doutrina de combate moderna e centrada em líderes e soldados excepcionais, de letalidade incomparável (General Mark A. Milley, 2018).

A nova Estratégia Nacional de Defesa (NDS) indica que os Estados Unidos da América (EUA) têm enfrentado um retorno a grande competição pelo poder, além de ameaças do terrorismo e de adversários regionais. Nas duas últimas décadas, o Exército Americano precisou fazer escolhas difíceis para adiar a modernização e, em vez disso, optou por apoiar a demanda por uma rotação constante de suas forças empregadas nos combates de contrainsurgência no Oriente Médio.

Além disso, a instabilidade orçamentária e vários programas de aquisição que não obtiveram o êxito desejado, dificultaram seus esforços de modernização. Simultaneamente, seus adversários fizeram investimentos intelectuais, organizacionais e materiais, visando obter vantagens estratégicas e desafiando, cada vez mais, a supremacia dos EUA nos teatros de operações ao redor do globo. Baseado nesse contexto estratégico, foram lançadas as bases para a criação de uma nova estrutura capaz de empreender os esforços de modernização do Exército Americano.

Nas palavras do subsecretário para o Exército Americano, Sr Ryan D. McCarthy, para enfrentar esse desafio exige-se:

 

– um empreendimento para modernização unificada, responsiva e eficiente;

– uma estratégia clara de modernização; e

– implementação agressiva.

O Army Futures Command (AFC, na sigla em inglês) é o veículo que o Exército Americano usará para se libertar de seu modelo de negócios da Era Industrial e mover-se na velocidade demandada pela Era da Informação. A transformação da abordagem do Exército em relação à modernização permitirá adaptar, inovar e integrar a tecnologia em velocidade e escala, recuperando o domínio do campo de batalha.

Fig. 1 – Processo de Transformação do Exército Americano.

Em   meados  de  2018,  o  Exército  Americano  passou  a  ter  quatro  Grandes Comandos:

 

Forces   Command (FORSCOM) que provê o emprego da tropa;

Army Materiel Command (AMC) que provê a logística e a manutenção dos meios empregados;

Training and Doctrine Command (TRADOC), que provê o preparo das tropas;  e,

Army Futures Command, o mais novo comando criado.

Localizado no Fort  Bragg, no estado da Carolina do Norte, o FORSCOM é responsável  pelo  treinamento,  mobilização,  emprego,  apoio  e  recompletamentos  das forças  convencionais  designadas,  fornecendo  poder  terrestre  relevante  e  disponível para  os  comandantes  combatentes. 

 

À  grosso  modo,  exerce  papel  semelhante   ao  do  Comando  de  Operações  Terrestres  (COTER),  sendo  este    o  Órgão  de  Direção   Operacional (ODOp), no Exército Brasileiro (EB).

O TRADOC recruta, adestra e ensina os soldados do Exército. Sediado em Fort Eustis, na Virgínia, o comando desenvolve líderes, apoia treinamento em unidades, desenvolve a doutrina, estabelece padrões e constrói o futuro exército.

O AMC é o vetor tecnológico do Exército Americano.  Fornece tecnologia, suporte de aquisições e logística para  garantir capacidade superior da Força Terrestre  para  soldados e seus aliados.  Está sediado no Redstone Arsenal, no estado do Alabama.

Finalmente, o AFC criado recentemente para servir como guia para a construção do exército do futuro.

Fig. 2 – Nova estrutura organizacional do Exército Americano.

O BIG SIX E AS PRIORIDADES DO EXÉRCITO AMERICANO

Antes de aprofundar o conhecimento sobre o AFC, é importante ressaltar que até mesmo as instituições que possuem pessoal altamente capacitado e recursos vultosos e disponíveis prioriza suas necessidades, já que os recursos disponíveis provêm do contribuinte.

Instado pelos mecanismos de controle externo e accountability [2] existentes no Congresso Americano, como o U.S Accountability Office (GAO, na sigla em inglês), o Alto Comando do Exército Americano reconheceu que as aquisições realizadas em um passado próximo foram ineficazes e os recursos aplicados em programas dispendiosos, que visavam substituir materiais já obsoletos e falharam em fornecer capacidades ao combatente, apesar do tempo e do financiamento gastos.

Alguns desses programas duraram mais de 20 anos e consumiram bilhões de dólares, como o helicóptero de ataque Comanche ou o veículo de infantaria que pretendia substituir o blindado sobre lagartas Bradley.

O próprio Bradley está longe de ser uma unanimidade entre as tropas de Infantaria e de Cavalaria, que empregam o material no Exército Americano.

Motivo de um famoso filme sobre o seu desenvolvimento, The Pentagon Wars [3] apresenta de forma lúcida, divertida e irreverente, a P&D de um carro que substituiria o M-113, mas que nunca o fez.

 Dessa forma, em 2017, o Exército Americano iniciou um novo esforço de modernização para desenvolver rapidamente novas capacidades. Como parte desse trabalho, o Secretário do Exército e o Chefe do Estado-Maior identificaram seis prioridades para orientar a modernização do Exército. São elas:

– fogos precisos de longo alcance;

– nova geração de veículos de combate;

– decolagem vertical do futuro;

– redes;

– defesa antiaérea por mísseis; e

– letalidade do soldado.

No Fort Sill, casa da artilharia de campanha e antiaérea, localizada no estado de Oklahoma, os fogos precisos de longo alcance abarcam o desenvolvimento de capacidades em munições que restauram o domínio do Exército em alcance, letalidade e aquisição de alvos. No mesmo forte, são otimizadas capacidades que garantam proteção ao combatente e suas frações contra ameaças aéreas e de mísseis.

No Detroit Arsenal, estado do Michigan, são pensados e estudados veículos de combate tripulados e não tripulados com poder de fogo, proteção e mobilidade, no estado da arte.

No Alabama, onde se localiza o Redstone Arsenal, são criadas plataformas tripuladas e não tripuladas, capazes de atacar, levantar e reconhecer missões em campos de batalha modernos e futuros.

No Redstone Arsenal e no Aberdeen Proving Ground, no estado de Maryland, é estudado e desenvolvido um sistema móvel de hardware, software e infraestrutura de tecnologia da informação (TI) que possa ser empregado para combater de forma coesa, em qualquer ambiente em que o espectro eletromagnético seja negado ou degradado.

Em Fort Benning, estado da Georgia, e nos laboratórios de desenvolvimento de treinamento simulado localizados em Orlando, estado da Flórida, são aperfeiçoadas as capacidades, equipamentos e treinamento de simulação para todos os fundamentos do combate – tiro, progressão, comunicação, proteção e manutenção.

Dado que a modernização é um processo contínuo e com as expectativas do Exército de que alguns recursos sejam entregues mais cedo do que outros, a modernização do Exército Americano foi dividida em duas fases: modernização de curto prazo, do ano fiscal de 2019 a 2023, incluindo a compra de sistemas e tecnologias existentes para atender às necessidades urgentes do Exército; e modernização de longo prazo, do ano fiscal de 2024 e além, incluindo o desenvolvimento de novos sistemas e tecnologias para atender às necessidades previstas e manter a superioridade no campo de batalha.

Ainda que a Força Terrestre americana tivesse encontrado êxito nas diversas campanhas militares, nas quais se viu envolvida ao redor do mundo, ficaram patentes lacunas nos processos de modernização empreendidos antes de 2018. Da falta de processos para avaliar seus esforços de modernização à inexistência de uma análise de custos, dentre outras, derivou uma recomendação do Congresso Americano que o Exército desenvolvesse um plano para finalizar os processos de avaliação das contribuições de seus investimentos.

Para garantir o atingimento dos objetivos propostos e atender as recomendações do Congresso, o Exército Americano fez uma abordagem pouco comum, em se tratando do ambiente organizacional tradicional de uma instituição antiga e com um modus operandi [4] bastante arraigado.

Equipes multidisciplinares, extremamente capacitadas, focadas em cumprir os objetivos propostos no menor tempo, com o menor custo e com o mínimo de burocracia: estes são os Cross Functional Teams (CFT, sigla em inglês).

O CROSS FUNCTIONAL TEAM

Com a perspectiva de aumentar a eficiência de seus requisitos e os esforços para o desenvolvimento de novas capacidades, o Exército Americano decidiu pelo estabelecimento de times multifuncionais para a modernização, os chamados CFT. Em 6 de outubro de 2017, foram criadas oito equipes multifuncionais multidisciplinares, em caráter experimental. Essas equipes foram designadas para debruçarem-se, exclusivamente, sobre as seis áreas prioritárias anteriormente definidas: os big six.

Em um primeiro momento, priorizaram o fechamento de lacunas de capacidade de curto prazo e começaram a planejar a transição para as capacidades de longo prazo.

Além de tomar medidas para alcançar as seis prioridades da modernização, os CFT buscam incrementar seus conhecimentos sobre a indústria e a academia, estabelecendo um relacionamento profícuo e cerrado, reforçado pela ideia de que um equipamento desenvolvido com sucesso trará lucro para a empresa e uma vantagem para a Força Terrestre – a relação win-win [5], onde todos são beneficiados. Identificar maneiras de usar experimentação, prototipagem e identificar oportunidades para melhorar a eficiência do desenvolvimento de requisitos e o processo geral de aquisição de sistemas de defesa também fazem parte do rol de missões do CFT.

Agora, quem são os componentes desses CFT? Compostos em sua maioria por soldados experientes em combate, as equipes contam, também, com especialistas em aquisição [6], C&T, testes e avaliação, desenvolvimento, contratação, análise de custos, manutenção, doutrina, treinamento e integração. Para garantir máxima coordenação e controle da equipe, cada CFT é liderado por um oficial general ou um civil sênior que pode se comunicar diretamente com os mais altos níveis do Exército Americano.

 

 

 

Fig. 4 – Comparativo entre os ambientes de trabalho tradicional e dos CFT

A intenção de reunir diferentes especialistas em um mesmo ambiente foi facilitar a colaboração e identificar oportunidades imediatas entre as partes interessadas, em oposição ao processo tradicional, no qual as informações normalmente eram fornecidas separadamente. Embora todos esses especialistas fornecessem as informações que lhes cabiam no processo antigo, colocá-los juntos, em uma única equipe, permite otimizar os esforços e elimina a necessidade de várias revisões. A figura 4 compara o processo multifuncional com o modo tradicional.

Inseridas nesse novo macroprocesso, boas práticas de gestão são obrigatórias para o funcionamento dos CFT. Fazem parte da cartilha, mecanismos de comunicação eficazes; objetivos bem definidos comuns à equipe; ambiente inclusivo em que todos os membros tenham responsabilidade coletiva e prestem contas, individualmente, pelo trabalho da equipe; estrutura bem definida com regras e procedimentos específicos do projeto; autonomia para tomar decisões rapidamente; e líderes capacitados para decidir, fornecer feedback e apresentar oportunidades de desenvolvimento.

Os locais escolhidos pelo Comando do Exército Americano como sedes dos CFT coincidem com as organizações do Exército ou hubs [7] do setor relacionados com o tema, o que facilita a troca de idéias entre especialistas e técnicos. Sem paredes e com fluxo de comunicação aberto e flexível, os oito CFT estão organizados em:

 

– fogos de precisão de longo alcance;

– nova geração de veículos de combate;

– decolagem vertical do futuro;

– redes de C3I [8];

– posicionamento, navegação e tempo precisos;

– defesa aérea e de mísseis;

– letalidade do soldado; e

– ambiente de treinamento sintético.

Na figura a seguir, pode-se observar a distribuição geográfica do AFC e CFT:

 

 

Fig. 5 – Distribuição do AFC e CFT.

O ARMY FUTURES COMMAND

O AFC foi ativado em 1° de julho de 2018 e sua sede está em Austin, Texas, perto de instituições industriais e acadêmicas inovadoras e posicionada para absorver a cultura dinâmica e adaptativa, necessária para liderar o empreendimento de modernização do Exército Americano. Com uma pequena sede, o foco está na flexibilidade, na colaboração e na velocidade de resposta aos desafios que vêm do front.

Em um horizonte de 30 anos, é responsável por desenvolver a Força futura, introduzindo novos recursos e propondo novas formações que atendam às principais prioridades da modernização.

O AFC supervisiona o processo de aquisição sob um comando único para fornecer soluções integradas para maior letalidade e recursos quando e onde forem necessários. Esse realinhamento não é tão somente criar uma nova sede com um novo nome. É muito mais

que isso, contribui para a unidade de esforços de modernização, agiliza o trabalho para superar a inércia burocrática e aperfeiçoa a transparência, a responsabilidade e a administração responsável de recursos destinados aos projetos.

Embora, em uma análise superficial, possa parecer apenas uma correção organizacional, é importante entender que as deficiências anteriores no processo de modernização não foram decorrentes apenas deste fator. Outros aspectos contribuintes incluíram cortes no financiamento de pesquisa, desenvolvimento e aquisição, pouco interesse das lideranças do alto escalão e a inexperiência dos atores envolvidos nos diversos processos.

Sob o aspecto das organizações diretamente subordinadas, o AFC herdou unidades do TRADOC e do AMC, bem como suas responsabilidades, missões, pessoal e recursos. Do TRADOC foram redesignadas ao AFC o Army Capabilities Integration Center, o Capability Development and Integration Directorates, Associated Battle Labs e o TRADOC Analysis Center. Do AMC foram integradas ao AFC o Research, Development and Engineering Command, organização militar homóloga ao Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército Brasileiro e que recebeu a nova denominação de Combat Capabilities Development Command (CCDC), e o Army Materiel Systems Analysis Activity. Essas organizações permanecem nas instalações às quais foram originalmente designadas para garantir que todos os comandos do Exército Americano permaneçam alinhados quando a AFC sincroniza o empreendimento “modernização”.

Quando o botão “modernize” é acionado, o AFC avalia o futuro ambiente operacional, as ameaças emergentes e as novas tecnologias para desenvolver e fornecer conceitos, requisitos, projetos futuros de forças e soluções modernas de materiais que atendam às necessidades dos soldados em tempo de guerra. Utilizando informações e comentários de combatentes, o AFC trabalhará em um ambiente inovativo, junto à academia e indústria em um ecossistema onde idéias e soluções podem ser desenvolvidas rapidamente para atender às demandas emergentes. Isso é compatível com a NDS de 2018, que pede ao DoD que preveja as implicações das novas tecnologias no campo de batalha, defina rigorosamente os problemas militares previstos em conflitos futuros e promova uma cultura de experimentação e avaliação de risco calculado.

Pode-se dizer que o AFC, seja pela forma que foi concebido ou pela forma que desenvolverá suas tarefas, não é um comando tradicional. Tendo três grandes eixos como referencial, o Future and Concepts descreverá o futuro ambiente operacional e a organização da força do futuro, identificando e priorizando as necessidades de capacidade com base em ameaças e tecnologia para alertar o aprimoramento da estratégia de modernização em todo o Exército Americano alicerçado no acrônimo DOTMLPF-P [9]: Doctrine, Organization, Training, Materiel, Lidership, Personnel, Facilities e Policy; o Combat Development que liderará os esforços de prototipagem, identificará requisitos e desenvolverá soluções para deficiências críticas de capacidade e, finalmente, o Combat Systems que irá refinar, projetar e desenvolver soluções de materiais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Peter Drucker, grande pensador e organizacionista estratégico, já dizia que o grande perigo em tempos de turbulência não é a turbulência, é agir com a lógica de ontem.

O Exército Americano fez mudanças substanciais na maneira como pretende coordenar e supervisionar os esforços de modernização, devido, pelo menos em parte, aos anos e bilhões de dólares perdidos nos esforços anteriores. Agindo proativamente para melhorar seus esforços atuais de modernização, já obteve alguns sucessos iniciais, como o primeiro protótipo de aeronave de asa rotativa não tripulada. A criação do novo Comando, a integração das equipes multifuncionais para refinar melhor os requisitos e aperfeiçoar tecnologias em amadurecimento, o realinhamento de várias organizações existentes e a realocação de pessoal proporcionam ao Exército uma oportunidade única para colocar em prática suas próprias lições aprendidas.

O sucesso da empreitada assumida pelo Exército Americano é muito mais do que um novo comando de quatro estrelas para liderar seus esforços de modernização, requer uma mudança de cultura institucional do tipo transformacional que mexa profundamente na estrutura, nos processos e no ambiente, gerando uma necessária e urgente saída da zona de conforto, para que o Exército Americano possa voltar a entregar capacidades militares com eficiência, eficácia e efetividade. A velha rotina não mais atendia as necessidades mais prioritárias daquela máquina de guerra.

Embora o estabelecimento de uma nova organização e a mudança de processos relacionados sejam relativamente simples, a mudança de cultura é muito mais complexa.

O emprego dos CFT poderão ser a chave para realizar a missão proposta ao AFC, que precisará operar mais rapidamente, comunicar-se melhor e desenvolver uma cultura que apoie a tomada de decisão equilibrada, visando sempre o combatente e o sucesso no cumprimento da sua missão.

 

REFERÊNCIAS

DA COSTA. Diego Simões dos Reis.  O Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) e o Sistema Defesa,  Indústria e Academia de Inovação (SisDIA) de Inovação: Ferramentas para a Transformação da Força Terrestre.  Rio de Janeiro, RJ, 2019

DA COSTA. Diego Simões dos Reis. Análise Comparativa das Contratações Públicas sob a ótica da IG 01-018. Salvador, BA, 2018.

Institute of Land Warfare. Seizing the High Ground – United States Army Futures Command. Washington-DC. Abril, 2018.

United States Government Accountability Office. ARMY MODERNIZATION. Steps Needed to Ensure Army Futures Command Fully Applies Leading Practices. Washington-DC. Janeiro, 2019.

SYDNEY J, FREEDBERG JR. Inside Army Futures Command: CFT Chiefs Take Charge. Disponível em:  https://breakingdefense.com/2018/08/inside-army-futures-command-cross-functional-teams-take-root/. Acesso em: 23 mar. 2020.

https://www.tradoc.army.mil/Publications-and-Resources/Article-Display/Article/1984287/from-the-big-five-tocross-functional-teams-integrating-sustainment-into-modern/. Acesso em: 23 mar. 2020.

https://www.armytimes.com/news/your-army/2019/05/07/four-takeaways-from-the-4-star-general-at-armyfutures-command/. Acesso em: 23 mar. 2020.

https://www.c4isrnet.com/show-reporter/global-force-symposium/2018/03/30/how-a-new-army-team-plans-tomodernize-the-network/. Acesso em: 23 mar. 2020.

https://www.nationaldefensemagazine.org/articles/2019/8/7/just-in-air-force-cross-functional-teams-tospearhead-modernization-priorities. Acesso em: 23 mar. 2020.

Cross Functional Teams: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_QYadRcF0_Q&feature=youtu.be.

Acesso em: 23 mar. 2020.

https://en.wikipedia.org/wiki/Reorganization_plan_of_United_States_Army#/media/File:Purpose_chart_of_US_Army_Transformation.jpg. Acesso em 23 de março de 2020.

https://en.wikipedia.org/wiki/United_States_Army_Acquisition_Corps. Acesso em 23 mar. 2020.

https://dod.defense.gov?Portals/1/Documents/pubs/2018-National-Defense-Strategy-Summary.pdf. Acesso em: 18 mai. 2020 .

NOTAS

[1] Conforme o Guia de Avaliação da Prontidão Tecnológica do DoD, o Exército Americano só deve iniciar um desenvolvimento quando a maturidade tecnológica chega ao nível do demonstrador de tecnologia funcionar em ambiente laboratorial e operacional. Caso contrário, o risco de insucesso e o aumento dos custos do projeto é extremamente elevado.

[2] Accountability é um termo da língua inglesa que pode ser traduzido para o português como responsabilidade com ética e remete à obrigação, à transparência, de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados.

[3] Gastos militares excessivos fornecem o mote por trás desse relato agudo e satírico de um coronel da Força Aérea durante investigação sobre o desenvolvimento de um veículo de transporte de tropas que demorou 17 anos e gastou US$ 14 bilhões para criá-lo.

[4] Modus Operandi é o modo pelo qual um indivíduo ou uma organização opera ou desenvolve suas atividades.

[5] Win-win é situação onde o resultado é bom para todos.

[6] O Exército Americano possui em seus quadros o Acquisition Corps. É composto por oficiais do Exército que, em um momento da carreira optam para servir na área de aquisições (carreira em Y). O militar se especializa no desenvolvimento de produtos, requerimentos, processo de aquisição, dentre outros. Esses oficiais iniciam suas carreiras nos outros ramos do Exército por oito anos, após os quais podem eleger o ramo de Aquisição como sua carreira, como assistentes de gerente de programa (APMs), gerente de programa (PM) e executivo de programa (PEO).

[7] Hubs é um espaço em que se reúnem empresas nascentes de base tecnológica com alto potencial de crescimento – as startups –, além de médias e grandes empresas e potenciais investidores. Um espaço que, assim como um shopping, é voltado para a geração de negócios.

[8] C3I – Comando, Controle, Comunicações e Inteligência.

[9] Acrônimo empregado pelo DoD para referir-se às capacidades conjuntas para integração no desenvolvimento de sistemas e material de emprego militar.

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