O tiro de destruição e a Justiça Militar

 

O tiro de destruição e a Justiça Militar
 

Assessoria Jurídica da Presidência
do Superior Tribunal Militar – STM
Publicado 23 Julho 2014

O abate da aeronave civil da Malaysia Airlines por um míssil russo, que matou 298 inocentes; grandes eventos que se realizaram e serão realizados no Brasil, como a Copa do Mundo, o encontro dos BRICS, a UNASUL e as Olimpíadas 2016, trouxeram à tona uma questão pouco cogitada entre nós: o tiro de destruição, a merecer tratamento específico e aprofundado.

Situação muito explorada nas produções hollywoodianas, a utilização de aeronaves para fins diversos do previsto, passou a ser realidade. Compreendendo a grave situação de risco do espaço aéreo brasileiro, a Lei nº 9.614, de 1998, incluiu o parágrafo terceiro ao art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica para indicar hipóteses em que aeronaves podem ser abatidas. A normativa estabeleceu as diretrizes permissivas à destruição de aviões que descumprirem as medidas coercitivas determinadas previamente pela autoridade. Todavia, o regramento legal não desceu às minúcias, fazendo-se indispensável que um decreto presidencial fosse editado. O Decreto nº 5.144, de 2004, definiu os procedimentos a serem seguidos com relação a aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins.

Segundo o Decreto, diante de situações de ameaça à segurança pública revela-se imperioso o atendimento do seguinte protocolo: adoção de medidas coercitivas de averiguação; posteriormente de intervenção e, em seguida, de persuasão, de forma progressiva e sempre que o ato anterior for inócuo.

Inicialmente busca-se o reconhecimento da aeronave. Nesse momento, a equipe de interceptação tenta o contato com o aeromotor suspeito por meio de comunicação via rádio ou sinais visuais, de acordo com as regras estabelecidas internacionalmente e de conhecimento obrigatório.

Caso a aeronave suspeita permaneça desobediente, a equipe de interceptação determina a modificação da rota, com o fito de forçar o pouso para ser submetida à inspeção de controle no solo.

Permanecendo recalcitrante, serão disparados tiros de advertência, com munição traçante, sem, contudo, atingi-la.

Acaso todo esse trâmite reste infrutífero, o aeromotor será considerado hostil, autorizando-se, como derradeira medida, o abate. Urge assinalar que tal recurso somente poderá ser utilizado como derradeiro, atendidos todos os procedimentos prévios para tentar prevenir a perda de vidas.

O Decreto elenca, outrossim, os condicionantes que a destruição deve se submeter:

i) emprego dos meios sob controle operacional do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro- COMDABRA;
ii) registro em gravação das comunicações ou imagens da aplicação dos procedimentos;
iii) execução por pilotos e controladores de Defesa Aérea qualificados, segundo os padrões estabelecidos pelo COMDABRA;
iv) execução sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas presumivelmente utilizadas para o tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; e,
v) autorização do Presidente da República ou da autoridade por ele delegada.


A despeito de o Brasil não possuir qualquer divergência política ou religiosa que possa gerar preocupação da ocorrência de ataque semelhante, devemos levar em consideração que a globalização, e o progressivo desenvolvimento ocorrido com o passar dos anos, inseriu o país de maneira mais expressiva no cenário político-econômico internacional, passando a ser palco de importantes eventos, encontros e reuniões dos quais participam Chefes de Estado e de Governos diversos, demandando uma maior preocupação com a segurança interna da nação e de seus visitantes.

Exemplos recentes foram a Copa do Mundo 2014, ocorrida durante os dias 12/6/2014 e 13/7/2014, a reunião do BRICS (grupo formado pelo Brasil e pela Rússia, Índia, China e África do Sul), realizado nos dias 14 e 15 de julho, em Fortaleza, e no dia 16, em Brasília, e a Reunião de Cúpula Brasil-China-Quarteto da CELAC-Países da América do Sul-México, onde se reuniram os chefes de Estado e Governo de Antígua Barbuda, da Argentina, Bolívia, de Cuba, do Chile, da Colômbia, de Costa Rica, do Equador, da Guiana, do México, Paraguai, Peru, Suriname, do Uruguai e da Venezuela.

Na oportunidade, não só devido à importância dos eventos e dos participantes envolvidos, mas, principalmente, em função da necessidade de uma atuação especializada para a garantia da segurança, a presidente Dilma Rousseff, pelo Decreto nº 8.265, de 11 de junho de 2014, sem revogar o Decreto nº 5.144/2004, delegou ao Comandante da Aeronáutica, uma vez mais, a competência para autorizar a aplicação do tiro de destruição de aeronave prevista no § 2° do art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica, asseverando, ainda, que uma Portaria daquele Comando regulamentaria os procedimentos a serem adotados para a hipótese de abate, no período de 12 de junho a 17 de julho de 2014.

Para tanto, a Portaria n° 941-T/GC3, de 12 de junho de 2014, com vigência excepcional e temporária, oriunda do Comando da Aeronáutica, reforçou os passos a serem seguidos com relação às aeronaves suspeitas ou hostis, já previstos pelo Decreto. Estavam elas sujeitas às mesmas medidas coercitivas de averiguação, intervenção e persuasão estabelecidas pelo Decreto nº 5.144/2004 e reiteradas na mencionada Portaria.

Dessa forma, a aeronave seria considerada hostil e estaria, por consequência, sujeita à destruição somente quando as coercitivas mostrarem-se impraticáveis, em razão do contexto e da ameaça. Cumpre esclarecer que, diferentemente do que assinala o Decreto 5.144/2004, que autorizava a execução somente em locais desabitados, o abate, durante o Mundial, passou a ser permitido também sobre áreas densamente povoadas, observando-se o dever de proteção.

Por último, a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida cometidos contra civis em ações militares relacionadas à abordagem e eventual abate de aeronaves passou para o foro castrense, cabendo desde então à Justiça Militar da União, processá-los e julgá-los a teor da Lei 12.432/2011.

Neste panorama, conclui-se pela real necessidade de a matéria ser analisada por órgão judicante especializado, o que ocasionou a alteração legal, anteriormente deferida para Justiça criminal comum.

Nesses termos, diante do atual contexto social, há de se ressaltar a essencialidade da Justiça Militar que, a despeito de ser a mais antiga do Brasil, mostra-se adequada na tratativa de casos atualíssimos e é hoje a mais especializada e preparada para o resguardo da regular atuação das Forças Armadas na defesa da soberania e segurança nacionais.

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