Satélite brasileiro leva banda larga a 1 milhão de alunos da rede pública

Demorou, mas o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas), que chegou ao espaço em maio de 2017, começa a entregar seus primeiros resultados, levando sinal de internet a áreas remotas do país. Foram pouco mais de dois anos inoperante — com um prejuízo diário de R$ 800 mil aos cofres públicos —, porém os dias de ócio chegaram ao fim.

Segundo a Telebras e a Viasat, empresas que operam o satélite em parceria, o número de escolas da rede pública conectadas chegou a 3,7 mil em maio. Ao todo, mais de 1,2 milhão de estudantes são beneficiados pelo projeto. Boa parte desses alunos vive em locais desprovidos de internet ou em regiões onde o sinal é extremamente lento.

Dados do Cetic, comitê que monitora o avanço da internet no Brasil, estimam que só 39% das escolas rurais dispõem de acesso à rede. Destas, 61% dividem entre todos os alunos uma conexão cinco vezes mais lenta que a velocidade considerada mínima para uma navegação estável (10 Mbps). Desse jeito, fazer pesquisas mais complexas e assistir a vídeos é praticamente inviável. A banda larga de 20 Mbps fornecida pelo SGDC busca minimizar esse problema.

"Tem sido exatamente como esperávamos: muitos estudantes usando tablets ou laptops para propósitos educacionais", diz Lisa Scalpone, gerente-geral da Viasat do Brasil, que ressaltou a dificuldade em instalar os aparelhos em regiões remotas. "Tem sido duro, muito mais difícil do que imaginávamos. Para chegar a muitos lugares é preciso ir de caminhão ou de barco.”

Mas o propósito do primeiro Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas não é só a inclusão digital. O projeto também pretende fortalecer a soberania nacional. Essa dualidade se reflete na própria estrutura do satélite, que opera tanto na banda X quanto na Ka. A primeira é destinada exclusivamente ao uso militar, para fornecer às forças armadas um canal de comunicação seguro e autônomo, enquanto a segunda é voltada à sociedade civil.

Não foi à toa que o governo, por meio dos ministérios da Defesa e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, investiu R$ 2,8 bilhões no SGDC: é um projeto considerado estratégico para o desenvolvimento do país.

Conectar os desconectados
Para entender melhor o projeto, é preciso levar em conta a dimensão territorial brasileira e a forma como seus habitantes estão distribuídos. De acordo com um estudo da Embrapa, áreas urbanas somam menos de 1% do território nacional, mas concentram 84% da população. Ainda assim, dezenas de milhões de brasileiros vivem afastados dos centros urbanos, que praticamente monopolizam a oferta de internet — as grandes cidades são os locais de maior mercado de telecomunicação e, claro, maior lucro para as empresas.

Segundo o IBGE, em 2017 os usuários de internet no Brasil chegaram a 69% da população. Em países desenvolvidos, esse número costuma passar dos 80%. Só que, por aqui, o acesso é desbalanceado demais. Enquanto oito em cada dez domicílios urbanos estão conectados, na área rural são só quatro.

Se o governo não desse um jeito de alavancar a inclusão digital no campo, onde cabos de fibra ótica não chegam, muito provavelmente essa população permaneceria desconectada por anos ou décadas a fio. Mas essa é uma política que não traz apenas benefícios sociais: é algo que também estimula a economia.

Levantamento do Ipea concluiu que, a cada 1% de aumento no acesso à internet, o PIB cresce 0,19%. Para universalizar a conexão de qualidade no país e corrigir os desequilíbrios regionais, o governo criou em 2010 o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Reavivou no mesmo ano a Telebras, estatal desativada em 1998, para gerir o plano. E colocou nas mãos dela o projeto embrionário do SGDC.

Nos anos seguintes, o satélite foi construído na França e, após o lançamento, a estatal fechou uma parceria com a Viasat, empresa multinacional de telecomunicações, para ajudar no escoamento da banda larga espacial pelo país.

Só que o contrato ficou emperrado na Justiça, chegando ao Supremo. Isso porque outras empresas de telecomunicação, como a Via Direta, acusaram a Telebras de ter oferecido condições privilegiadas para fechar negócio com a Viasat, multinacional que ainda não atuava no Brasil. (O imbróglio jurídico foi tema de uma reportagem da GALILEU no ano passado).

Só em julho de 2018 a ministra Carmen Lúcia derrubou a liminar que suspendia a parceria público-privada. Tudo indicava que o caminho para a viabilização do uso civil do SGDC estava, enfim, desobstruído. Mas a novela continuou.

Próximos capítulos
Depois da aprovação do STF, foi a vez de o Tribunal de Contas da União (TCU) analisar o caso — e solicitar uma renegociação dos termos do contrato. De acordo com o relator Benjamin Zymler, havia "grave desequilíbrio" no modelo de compartilhamento de receitas originalmente proposto pelas duas empresas.

No TCU, o processo tramitou entre outubro e maio, mês em que o plenário aprovou os ajustes implementados no texto e liberou de vez a exploração comercial do SGDC. Ainda segundo o ministro Zymler, as mudanças farão a Telebras economizar R$ 342 milhões.

Funciona assim: imagine que a banda Ka do satélite fosse um bolo bem servido. O problema da versão original do contrato era que uma das partes cobria a maioria dos gastos com os ingredientes da receita, enquanto a outra ficava com o maior pedaço do bolo. Mais especificamente, a estatal precisava investir 36% a mais para fazer o negócio rodar, e a Viasat ganhava o direito de explorar uma fatia 38% maior de capacidade satelital.

Na avaliação de Waldemar Gonçalves, presidente da Telebras, a demora está relacionada à novidade da Lei das Estatais. Em vigor desde 2016, a legislação pretende desburocratizar e dar mais eficiência à gestão nas empresas públicas. A Telebras foi uma das primeiras a tirar proveito de um dos instrumentos da lei que permite a formação de "parcerias estratégicas" em casos específicos — e assim firmar contratos sem a necessidade de abrir uma licitação.

Para Gonçalves, a lei é uma mudança de paradigma pouco conhecida e aplicada pelos tribunais. Mas considera que o processo transcorreu com lisura. Já a gerente-geral da Viasat atribui a lentidão ao caráter sem precedentes do contrato. "É muito complexo e provavelmente único no mundo, mas será um ótimo modelo", diz Lisa Scalpone.

Otimismo
Na prática, a parceria tem funcionado por meio de um comitê que agrega membros das duas empresas. Cada uma traça suas próprias estratégias. Para a multinacional, o foco agora é expandir a equipe e consolidar novos parceiros locais para diversificar a atuação no mercado brasileiro. Até o momento já foram anunciados acordos com duas empresas: a Visiontec, que está cuidando da instalação e do gerenciamento dos equipamentos de banda larga, e a RuralWeb, que atua na distribuição dos pacotes de internet pelo país afora.

Com o SGDC, a Viasat pretende lançar uma grande variedade de produtos, como fornecer banda larga em voos e sobretudo em comunidades remotas, semelhante a um projeto da empresa no México, o Wi-Fi Comunitário, que tem alcançado bons resultados. Em pouco mais de um ano, mais de um milhão de mexicanos em 3 mil localidades ganharam acesso à internet por preços populares, a partir de R$ 2,40 pela hora de uso. Implantar o sistema é rápido e barato: a antena custa menos de mil dólares e é instalada em questão de horas. É a aposta da empresa para conectar vilarejos, quilombos e aldeias indígenas no Brasil.

Mas o principal cliente da Viasat continua sendo a Telebras. Como braço empresarial do governo no setor das telecomunicações, a empresa é a responsável pela execução das políticas públicas para levar internet a escolas, hospitais e postos de saúde em comunidades rurais, além de auxiliar as forças armadas levando conexão aos postos de fronteira. É o objetivo maior do Gesac (Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão), programa do governo federal para ampliar a conectividade no território brasileiro.

A meta é fechar 2019 com 15 mil pontos conectados, dos quais 10 mil são escolas. E, além do propósito educativo, a internet do SGDC pode ser usada em casos de acidente. Mais de 300 GB de dados e voz trafegaram pelas 22 antenas instaladas em Brumadinho para dar apoio às autoridades no resgate de vítimas do desastre que atingiu o município mineiro em janeiro, quando rompeu-se a barragem da mina do córrego do Feijão.

Agora que a banda larga do satélite está liberada, espera-se que ela siga caindo do céu a cada vez mais brasileiros — e que faça valer todo o investimento feito até aqui.

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