De Soldados A Pacificadores

Abraham Mahshie/DIÁLOGO

Ao discutir como ele mede o êxito de uma missão de paz, o Tenente-Coronel chileno Rodrigo Vásquez contou a história de uma de suas três missões no Haiti. O militar estava em patrulha em um veículo blindado das Nações Unidas em uma estrada de terra na zona rural, quando observou um rapaz com uma bicicleta que havia quebrado na beira da estrada.

O veículo branco parou e o Ten Cel Vásquez desceu, tirando o capacete azul da ONU e praticamente todo equipamento, com exceção de uma pequena arma. Ele se aproximou do garoto e ajoelhou-se ao lado dele para consertar a corrente da bicicleta.

O Ten Cel Vásquez, diretor assistente do Centro Conjunto para Operações de Paz do Chile (CECOPAC), afirmou que “essas coisas momentâneas são pequenas, mas fazem o nosso trabalho satisfatório e, no final do dia, no final da missão, o que posso dizer é: ‘Eu cumpri com meu dever’”.

O pequeno ato de bondade reflete a formação humanitária e entendimento cultural que as tropas de manutenção da paz recebem no CECOPAC, que está baseado em instalações de última geração em Santiago. O Major do Exército José Carrera, chefe do departamento educacional, disse que a missão do CECOPAC é transmitir a cultura de paz e de operações de estabilidade, que são diferentes do treinamento militar tradicional.

“Para nós, é um grande desafio – o desafio de tirar o capacete verde e colocar o capacete azul”, disse o Major Carrera. O objetivo é alcançado através da ênfase no papel das Nações Unidas em missões de manutenção da paz, disse ele, e não na abordagem de tópicos de treinamento militar, uma vez que todos os estudantes militares são selecionados para a escola com base em um alto grau de proficiência em suas respectivas forças.

O Ten Cel Vásquez disse que o instituto tem instruído soldados chilenos e pacificadores da região nos últimos 10 anos, estabelecendo uma reputação com treinamento em operações de paz de alta qualidade. Ele disse que uma comunicação frequente com as tropas em campo, além de entrevistas para avaliação dos que retornam de missões permite que os instrutores possam constantemente melhorar o currículo. “Podemos dizer que temos reorientado nossas instruções diariamente, e isso nos dá paz de espírito, por saber que, com certeza, o que estamos fazendo é bem feito”.

Cultura Capacete Azul

O Ten Cel Vásquez disse que a maior diferença entre um soldado antes de ele entrar no CECOPAC e depois é um profundo entendimento de sua missão de paz. O CECOPAC fornece as ferramentas para que os pacificadores tenham uma compreensão jurídica e humana da missão. “Quando posicionados em campo, os homens sabem perfeitamente que estão lá para ajudar, e que sua condição de membro das forças armadas, como um soldado carregando uma arma, não os impede de ajudar”, disse ele.

O currículo do CECOPAC consiste de módulos básicos, específicos e avançados com vários cursos em cada um deles. O Material de Treinamento Básico para Pré-Destacamento do módulo básico faz parte do treinamento padrão das operações de manutenção da paz da ONU. Ele é proporcionado a policiais, militares e civis, dando-lhes os princípios básicos, as diretrizes e políticas de manutenção da paz das Nações Unidas. O módulo específico fornece o conhecimento geral da área de missão e as tarefas operacionais executadas. O módulo avançado cobre o trabalho prático no campo, que permite que os alunos possam analisar as necessidades e as condições para o desenvolvimento social, político e econômico da área na qual estão instalados.

O CECOPAC reporta diretamente ao ministro da defesa através do chefe do Estado Maior Conjunto do Chile. Esta estrutura de comando simplificada contribui para o sucesso do CECOPAC, permitindo mudanças curriculares imediatas, baseadas nas lições aprendidas no campo. “Para nossa sorte”, disse o Major Carrera. “Se vemos que num curso de operações de paz estão faltando coisas que são fundamentais para quem opera na missão, fazemos alterações para o próximo curso”.

A missão no Haiti, onde 516 dos 552 soldados do Chile estão mobilizados, mudou consideravelmente desde que os pacificadores da ONU chegaram à ilha em 2004. Vásquez, que serviu em três missões no Haiti, explicou que a segurança e a estabilidade criadas pelas forças de paz ao longo dos anos têm ajudado a missão a evoluir a partir da possibilidade de concretizar um “contato real” criando uma nova forma de cooperação entre militares e civis voltada para o envolvimento e desenvolvimento da comunidade.
 

O Capitão Roberto Ramis, comandante do Centro de Treinamento para Operações Internacionais do Exército em Peldehue, disse que o esforço conjunto das escolas de manutenção da paz do Chile se expandiu além dos aspectos puramente relacionados à segurança. “Não se trata apenas de estabelecer e manter a ordem. O Chile está ajudando a reconstruir o país”, disse ele.

De pé ao final de uma fila de jipes brancos da ONU e veículos blindados usados para o treinamento, o Capitão Ramis disse que os pacificadores são percebidos como muito mais do que os fornecedores de segurança por parte da população local. “Precisamos ajudar, temos que apoiar. As pessoas irão ver um boné azul das Nações Unidas, e dizer: ‘Ajude-me, por favor’”, contou.

Assim ocorreu em 19 de setembro de 2006, quando um médico pacificador chileno foi chamado para ajudar com um parto. Uma vez que médicos em missões de manutenção da paz são treinados para fazerem partos, o Capitão Ramis disse que a força de paz pode ajudar. A menina haitiana recebeu o nome de “Chilienne” em homenagem ao soldado da paz que ajudou sua mãe.

Globalmente dependente, regionalmente integrados

Em maio de 2004, o Chile enfrentou uma decisão difícil. O país mantinha um dos assentos rotativos no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas o seu compromisso internacional estava em déficit. No entanto, as Forças Armadas chilenas eram fortes, bem organizadas, e o país era visto como uma democracia estável, com um grande potencial. Poderia servir em missões internacionais, melhorar e integrar ainda mais sua tecnologia e processos com as nações parceiras, além de oferecer oportunidades às suas tropas para ganhar experiência global. Quando a situação no Haiti se deteriorou rapidamente e a ONU convocou uma força internacional para estabilizar o país, o ex-presidente chileno Ricardo Lagos comprometeu suas tropas de manutenção da paz. Em 72 horas, as forças chilenas estavam em campo no Haiti, atraindo elogios mundialmente pelo elevado nível de coordenação que eles demonstraram.

“Quando um país apresenta tal capacidade de posicionamento, demonstra que eles têm forças armadas com um elevado nível de treinamento”, disse o analista de segurança chileno Guillermo Holzmann. O compromisso do Chile com as operações de manutenção de paz das Nações Unidas é visto por muitos como um produto de sua economia robusta, democracia estável e forte presença global. O Chile é um dos países mais engajados globalmente, com 59 acordos comerciais bilaterais ou regionais. “Sendo o Chile um ponto de referência, é importante que o país mantenha a estabilidade, que mantenha um interesse internacional e, consequentemente, que tenha uma responsabilidade maior”, disse Holzmann.
 

O envolvimento do país no progresso do Haiti inclui a Companhia de Engenharia de Manutenção da Paz, uma unidade conjunta equatoriana-chilena que está ajudando a construir estradas e escolas. Da mesma forma, o Chile trabalha lado a lado com as Forças da Argentina no Haiti e no Chipre. Para dois países que estavam no auge do conflito, há 30 anos, a confiança mútua e colaboração na manutenção da paz em todo o mundo levou à formação da Força de Paz Cruz do Sul, uma unidade conjunta composta por oito helicópteros, dois navios e 1.050 soldados de prontidão para auxiliar no caso de uma crise hemisférica. O Chile também está renovando laços históricos com a América Central em um programa que irá incorporar 32 soldados do Exército salvadorenho e um pacificador de Honduras no Batalhão chileno.

O Tenente-Coronel Vásquez descreveu a experiência de servir em uma missão de manutenção da paz como “transcendental”. Assim como as operações militares tradicionais, existe um elevado risco para o soldado, e ele deve proteger seus companheiros, bem como a si mesmo. Mas, há também o elemento humanitário derivado da convivência, em primeira mão, com uma nova cultura e um novo modo de viver. Vásquez disse que o compartilhamento de experiências que acontece quando uma força de paz retorna para a unidade em seu país de origem também enriquece a instituição profissionalmente.

A assistência fornecida aos estudantes do CECOPAC em sua educação reflete-se nos cuidados que os alunos levam para as missões de manutenção de paz, disse. “Além disso, nós repassamos o fundamento primordial chileno que é o amor em fazer as coisas de forma correta, de desejar fazer as coisas de olho no futuro, não só em relação com o que temos de fazer, mas também com o que podemos fazer.”

Cursos do Centro Conjunto para Operações de Paz do Chile

  • Curso: Pré-Destacamento CHILFOR (Bósnia-Herzegovina)/ALTHEA Operação da União Europeia
  • Curso: Pré-Destacamento da Força da ONU no Chipre
  • Curso: Pré-Destacamento para Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) “Comandantes e Oficiais”
  • Curso: Pré-Destacamento MINUSTAH “Contingente”
  • Curso: Pré-Destacamento MINUSTAH “Companhia de Engenharia”
  • Curso: Pré-Destacamento MINUSTAH “Grupo de Helicópteros da Força Aérea do Chile (FACH)”
  • Curso: Introdução às Operações de Paz
  • Curso: Administração Logística e Financeira em Operações de Paz
  • Curso: Operações de Paz Cruz do Sul
  • Curso: Militares Especialistas em Missão de Paz
  • Curso: Polícia das Nações Unidas para MINUSTAH
  • Curso: Operações de Ajuda Humanitária
  • Diploma de Correspondentes em Operações de Paz Complexas

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter