DEFESA EM DEBATE – Educação: uma questão da Segurança!

A DEFESA EM DEBATE

Nam et ipsa scientia potestas est

Educação: uma questão da Segurança!


Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com


Acredito que, atualmente, um dos maiores desafios da Segurança Pública é garantir a ordem e a lei em ambientes com características de Guerra. Digo características de Guerra pelas próprias condições que a criminalidade oferece, como posse e facilidade em adquirir armas de grosso calibre, conhecimento geográfico da sua região (becos, bueiros, matas etc),  conhecimentos táticos e operacionais das Forças de Segurança Pública e também das Forças Armadas, controle social, domínio de território, manutenção da cadeia de comando, inclusive, de dentro do próprio presídio, eficiente sistema de comunicação, crescimento vertiginoso e seguro da fonte de sustento, requisitos básicos e psicológicos para serem aceitos pelos grupos criminosos, planejamento estratégico de suas operações, como ação e dispersão etc.

Estamos vivenciando, em especial, em São Paulo e no Rio de Janeiro, experiências que retratam um cenário de Guerra, onde civis e policiais são mortos, semanalmente, em combate ou a paisana. No entanto, cientes de que a Guerra em si é caracterizada pelo emprego da força nas relações internacionais, sucintamente, como fazer um jovem recruta de uma academia policial militar, por exemplo, entender que seu dever, enquanto policial, será assegurar a vida do cidadão tendo que lidar com todas estas peculiaridades mencionadas, próprias de guerras entre países? O jovem é caracterizado pela sua vitalidade e por sua ideologia, porém, doutrinado pela própria história social brasileira a segregar quem pode e quem não pode viver, ou melhor, quem tem e quem não tem acesso aos direitos humanos. É preciso o choque de realidade para que todos compreendam que, infelizmente, o trato que o pobre recebe de alguns policiais não é o mesmo que o das demais classes sociais. No entanto, outro choque de realidade precisa ser exposto também: as instituições policiais são retrato de sua sociedade. Se os valores morais de alguns policiais estão invertidos significa que os da sociedade também estão. Que voltemos todos para a escola, então!

Desde que o Governo do Rio de Janeiro adotou a política de pacificação, dispersando traficantes de drogas e instalando Unidades de Polícia Pacificadora em favelas da cidade, tem-se anunciado que a cidade está pacificada. Com a ajuda das Forças Armadas, as Forças de Segurança Pública conseguiram dispersar e/ou prender traficantes de pontos estratégicos da cidade; no entanto, o tráfico não foi disperso.

Autoridades políticas festejam a retomada de favelas pelas polícias sem dar nenhum tiro ou quase nenhum; no entanto, mesmo presos, criminosos continuam a comandar operações de dentro dos próprios presídios. Os problemas de segurança que São Paulo vem apresentando não se diferem dos problemas que o Rio e outros estados brasileiros também vêm demonstrando. Em outros estados do Brasil, como Santa Catarina, os criminosos também comandam operações de dentro dos presídios. Importante que todos os demais estados fiquem em alerta, pois, pela dispersão dos criminosos, em especial, os de grupos organizados, fortemente armados e bem instruídos, é possível que eventos semelhantes se propaguem pelo país. Importante destacar que o crime organizado apresenta as mesmas características em todo país, o que requer atenção especial por parte do Governo Federal.

Além da atenção salarial das polícias serem inadequadas pelos riscos intrínsecos a sua profissão, o custo de vida no estado, torna o trabalho do policial ainda mais desvantajoso. O índice de criminalidade num dado estado também é outro requisito que avalia a eficiência das instituições policiais. Algumas destas instituições demonstram-se orgulhosas por ser uma das mais que mais prende pessoas no país. No entanto, isto jamais pode ser considerado um motivo de orgulho.

Orgulho seria se não houvesse a necessidade de prender. Mais um dado que tem demonstrado a inversão de valores em nossa sociedade. Enquanto o Governo do estado de São Paulo manter uma política de segurança pública criminalizadora e resistente a uma maior integração com o Governo Federal, as soluções apresentadas terão pouca durabilidade e eficiência. O Sistema Automatizado de Identificação de Impressão Digitais (AFIS) da Polícia Federal, que está sendo ampliado para as 27 unidades federativas, constitui um importante passo para a troca de informações entre as instituições policiais. Ao criar um banco de dados para pesquisas, os policiais poderão colher a digital no local de um crime, confrontando um documento considerado suspeito ou prender pessoas em delito numa barreira policial. Não há dúvida de que o trabalho isolado de cada instituição policial não gera, com eficiência e prontidão, os resultados que a sociedade aguarda.

Assistimos diariamente na mídia diversos casos de policiais mal preparados para lidar com os problemas da segurança pública, no entanto, os problemas estão muito mais relacionados à formação educacional do que ao despreparo operacional. Intensificar o processo de criminalização e extermínio, em especial, em áreas abastadas dos estados não é solução temporária ou definitiva para as políticas de Segurança Pública. De novo: não é o índice de criminalização ou mesmo de extermínio que define o quão eficiente são as forças de segurança pública!

Em função dos anos de abandono do aparato da Segurança Pública pelo Governo Federal e do próprio papel repressor das polícias, junto ao Exército Brasileiro, durante o regime militar, as instituições policiais ficaram estigmatizadas como entidades de repressão e; portanto, ainda hoje, mal vistas pela sociedade. Talvez, aí, haja uma crise de identidade que precisa, urgentemente, ser superada. O papel das policias no combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas, por exemplo, é inédito na história destas instituições.

Justamente por isso, a farda ou o uniforme não deve ser utilizado para segregar o policial da sociedade, pelo contrário, aproximá-la. A política de pacificação é um processo de longo prazo que, somente, terá êxito, quando policiais e civis se reconciliarem. É preciso que a sociedade confie em seu policial para que este tenha êxito em sua missão constitucional. Quanto mais formação educacional, mais policiais preparados para lidar com os novos desafios da Segurança Pública teremos. Além de policiais com noções de direitos humanos, sociologia, história e racionalidade jurídica, a sociedade exige que os seus policiais sejam também mais críticos, mais reflexivos, mais conscientes da sua realidade social.

De novo: é dela que se originam! Seu dever é preservar a vida e não tirá-la. Uma solução a médio e longo prazo que pode ser adotada é condicionar o ingresso à polícia via ensino superior. Na Polícia Militar do Distrito Federal, por exemplo, para ser soldado da PM tem que ter ensino superior completo. O soldo de um soldado de 1ª classe da PMDF é superior a R$4.000,00. O custo de vista no DF é alto e o índice de criminalidade na capital nacional também, no entanto, o policial tem qualificação educacional e operacional para estar altura de suas funções constitucionais e dos desafios que o novo século lhe impõe. Cabe ao Poder Judiciário tomar as devidas medidas para que este cidadão seja ressocializado. Desta forma, as polícias e os magistrados, embora tenham o mesmo objetivo, garantir a lei e a ordem pública, exercem funções institucionais diferentes na sociedade e merecem ser desmembradas.

Ou melhor, uma coisa é o Ministério da Justiça, outra seria um Ministério da Segurança. São muitas funções diferentes sob a responsabilidade de um único Ministério e um único orçamento. A título de comparação, pode-se dizer que a criação do Ministério da Defesa, em 1999, trouxe a área da Defesa para o debate nacional, possibilitou uma maior profissionalização do militar e, principalmente, o aproximou da sociedade. Cabe à sociedade e ao Poder Legislativo, estudar a proposta da criação do Ministério da Segurança.

Em setembro deste ano, anunciou-se que a UPP da Rocinha, maior favela do país, contaria com um efetivo de 700 policiais militares, os quais atuarão no patrulhamento de 25 localidades da favela, dispondo de 100 câmeras de monitoramento, rádios com localizadores por GPS e usarão motocicletas para ter acesso a áreas difíceis. A tecnologia contribui bastante na retomada do território e na sua manutenção, no entanto, não constitui a solução do problema. Se os policiais recém formados pelas academias não estiverem qualificados para realizar suas funções, as missões de garantir a lei e a ordem pública continuarão a estar comprometidas. No Rio, percebe-se que já há mudanças estruturais nas políticas de segurança pública e um novo olhar para esta área, no qual a Secretaria de Segurança Pública tem buscado democratizar as instituições policiais, militar e civil, buscando no seio da academia, docentes aptos a formar futuros policiais mais críticos e mais conscientes da sua realidade social.

Que o sucesso da pacificação no Rio e em todo o Brasil não fique condicionado à politicagem! É fundamental que as autoridades políticas se conscientizem de que nem só de vocação vive o bom policial. Que as polícias estejam qualificadas educacionalmente, preparadas operacionalmente e integradas nacionalmente para lidar com os desafios característicos de Guerra que cidades brasileiras estão vivenciando, lembrando que “a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, é função máxima constitucional da segurança pública! O Brasil é o 3ª no ranking de países com maior número de homicídios na América Latina da ONU e estudos recentes apontam que é o 2° maior consumidor de cocaína do mundo. Que a sociedade busque se informar mais, se educar mais e se conscientizar mais de que a segurança pública, como diz a Constituição de 1988, também é um dever de todos! Como diria Maquiavel, tão injustiçado pela História, “quanto mais ordenada é a cidade, mais ela é feliz”. A Segurança Pública precisa de um olhar mais humanizado e menos militarizado e imediatista.

 

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter