Para PF, Paraguai é “escritório” do crime

FERNANDA ODILLA

Adido da Polícia Federal no Paraguai desde 2009, o delegado Antônio Celso dos Santos define o território do país vizinho como "um escritório" do PCC e do Comando Vermelho, que lá se instalaram e se associaram a criminosos locais para eliminar intermediários no tráfico de drogas e armas.

À Folha, ele afirma que os cortes orçamentários do Brasil já afetam a parceria com o Paraguai, em especial as operações de erradicação das plantações de maconha.

Folha – Como é hoje a atuação do crime organizado brasileiro no território paraguaio?
Antônio Celso dos Santos – As grandes agremiações criminosas viram que teriam de ter representantes dentro do país produtor ou pelo menos no território onde trafegam as drogas e as armas, que é o caso do Paraguai. De uns anos para cá, eles estão se organizando para eliminar os intermediários e comandar toda a parte do tráfico no atacado. Deixariam de ser simples consumidores, compradores e distribuidores dessa droga no Brasil, mas os donos do mercado.

O Paraguai é uma filial do crime organizado?
Diria que é um campo muito fértil para ações criminosas. Se eu sou criminoso e procuro um lugar para trabalhar, entre aspas, vou para um lugar com pouca polícia, onde minha chance de ficar preso é pequena, que eu tenha grande mobilidade e esteja perto do meu mercado consumidor. É o Paraguai.

O Paraguai então é uma sucursal do crime organizado… um escritório?
Escritório, tudo bem. Sucursal dá a impressão de que as pessoas daqui estariam colaborando fortemente. O Paraguai tem intenção de combater, só que as características geográficas facilitam para os traficantes. Eles adotaram o Paraguai como um dos melhores locais para instalação de seus escritórios. Aqui há facilidade e corrupção policial como em qualquer lugar. Hoje, se um bandido quer crescer, tem que ter condições favoráveis, e o Paraguai oferece.

Quais são os grupos brasileiros que atuam no Paraguai?
Basicamente, PCC e Comando Vermelho. Além do CV, aquelas subfacções como ADA (Amigos dos Amigos) etc. O PCC está na região de Pedro Juan Caballero e Salto del Guaira. Já o Comando Vermelho está mais em baixo, na região de Capitán Bado, que era uma área usada pelo pessoal do [traficante] Fernandinho Beira-Mar. Hoje em dia, 90% dos presos em Pedro Juan são do PCC. Você começa a perceber um escritório do crime organizado deles ali. Aqui é a base logística de fornecimento. Como se fosse uma empresa de transporte, tem um escritório administrativo em São Paulo e a base de distribuição aqui [no Paraguai].

Por isso o Paraguai deve ter tratamento prioritário?
Desde que eu entrei na polícia, ouço dizer que a droga sai do Paraguai, que a arma passa pelo Paraguai. Agora piorou muito. A gente no Brasil está acostumado a ficar muito no discurso e pouco na prática. Vejo falando que se pretende gastar R$ 500 milhões [com patrulhamento] na fronteira, com 20% disso você faria um trabalho muito maior e mais eficaz. Mas desde que fosse as pessoas que entendem e estão vivenciando aquilo ali que dissessem como gastar. Quando vem um tecnocrata que não manja nada… A gente percebe aqui que com pouco dinheiro dá para fazer muita coisa.

Seria exatamente o quê? Inteligência e monitoramento?
Quando você fala em monitoramento, parece que é escuta telefônica. Não é só isso. Hoje temos grande dificuldade das autoridades de fronteira do lado do Paraguai conseguirem informações do lado brasileiro e vice-versa. A forma de resolver é muito simples: com um acordo de cooperação formal para facilitar trâmite de informações, desburocratizar e manter contato direto. Você observa que é tão simples, mas por que não acontece? Porque depois disso tudo é levado para Brasília, para os grandes centros, e ficam naquela enorme discussão teórica. Cai no esquecimento.

Quanto ao orçamento, os cortes afetarão o trabalho?
Já estão afetando e muito. Gastos com diárias e passagens foram cortados. Para as ações de erradicação de maconha, não temos o dinheiro para o combustível dos helicópteros.

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