Jungmann defende no Senado a redistribuição de papéis na segurança pública

Paulo Victor Chagas

Autoridades e especialistas em segurança pública discutiram o tema na tarde desta terça-feira (6) durante uma sessão temática no Senado agendada após a criação de um ministério extraordinário para o setor e a intervenção federal no Rio de Janeiro. Diante dos senadores no plenário da Casa, os ministros presentes defenderam a criação da nova pasta e chamaram atenção para a “ameaça” do crime organizado para a sociedade, além da necessidade de redistribuir os papéis dos entes federativos na gestão da segurança pública.

Para o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, além de novos recursos, é necessário mudar a arquitetura institucional para que haja uma redistribuição das atribuições, já que, atualmente, os estados são os maiores responsáveis pela questão, que se tornou transnacional. Citando a Constituição Federal de 1988, ele voltou a afirmar que o sistema de segurança atual está “falido”, assim como havia feito em janeiro, quando ainda era ministro da Defesa.

“O anuário estatístico que eu tenho aqui, da segurança pública, demonstra que, no ano de 2016, foram gastos R$ 81 bilhões com a atividade. Desses, R$ 70 bilhões foram arcados pelos estados, R$ 9 bilhões pela União e R$ 5 bilhões pelos municípios”, afirmou.

Já o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, disse que o crime organizado é a “grande ameaça” enfrentada pela sociedade brasileira à “integridade e coesão social”. Segundo ele, há um aspecto que está sendo negligenciado neste debate, que diz respeito às populações vulneráveis atingidas diretamente por traficantes devido à proximidade física.

“Todos estamos esquecendo neste debate, que existem verdadeiras populações submetidas à atuação do crime organizado, que perderam direitos e garantias individuais, porque são obrigados a consumir o gás mais caro do país, a água mais cara, o gatonet [TV a cabo pirata], perdem o direito de ir e vir, são obrigadas a viver escondendo em suas residências armas, drogas e muitas vezes criminosos. Pessoas que têm sido manipuladas e utilizadas pelo crime”, lembrou.

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio Lima, abriu o seu discurso mencionando os índices de violência contra a mulher. Como quinta-feira (8) é celebrado o Dia Internacional da Mulher, o representante do FBSP afirmou que a segurança pública, a violência, e o medo no Brasil não são exclusivamente temas da criminalidade. “A violência faz parte da nossa história. Os 50 mil estupros por ano [que ocorrem no Brasil, segundo dados do FBSP] são marca disso, que a gente tenha que pensar em como resolver fazer com que tenhamos um país menos violento”, afirmou.

Na opinião do especialista, o Brasil tem tratado “muito mal” o tema da segurança pública ao longo dos últimos 30 anos, e uma das pistas para solucioná-lo de forma mais racionalizada é obter dados atualizados sobre o enfrentamento a crimes como o tráfico, as políticas públicas da área e a execução penal. Na opinião dele, a segurança pública não deve ser tratada como um problema de segurança nacional.

“Nós temos uma das maiores populações carcerárias do mundo. O sistema prisional é dúbio, quase que em uma situação até mesmo surreal, onde a gestão do preso é competência do Poder judiciário, a gestão da prisão é do Poder Executivo. Quem manda no preso? No dia a dia, a gente sabe que são as facções criminosas que acabam dominando os presídios. Porque a gente fica batendo cabeça”, afirmou.

De acordo com o ministro interino da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, cabe aos militares estarem prontos “sempre que forem convocados” para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como a que ocorre desde o ano passado no Rio de Janeiro. Ele concordou que, apesar da intervenção federal decretada em fevereiro ocorrer apenas no estado fluminense, o problema é urgente e emergencial em todo o país.

Já o presidente Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Edvandir Felix de Paiva, cobrou uma ação mais planejada e sugeriu a criação de um plano plurianual para que os governos sucessivos lidem com o tema. “Hoje, nós estamos comemorando um concurso que vai ser feito para repor 500 cargos na Polícia Federal. Isso não significa 10% dos cargos vagos na polícia hoje. E o que é pior: nós não sabemos quando será realizado um novo concurso”, reclamou, ao comentar a seleção na PF anunciada pelo ministro Raul Jungmann.

A sessão temática de debates foi organizada pelos senadores em meio a uma série de esforços para aprovar medidas na área de segurança que causem impacto positivo na população. Nas últimas semanas, eles aprovaram a federalização dos crimes cometidos por agentes de segurança organizados em milícias, um projeto que obriga a instalação de bloqueadores de celular em presídios e outro que proíbe o contingenciamento do Fundo Penitenciário.

Nesta semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, deve apresentar ao Congresso o anteprojeto que cria um sistema integrado de segurança pública tendo como foco o combate ao tráfico de drogas e armas.

Congresso precisa ter coragem para fazer mudanças na segurança pública, diz Jungmann¹

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou nesta terça-feira (6), durante sessão temática no Senado, que o Brasil precisa de uma "nova arquitetura constitucional" e da "união da sociedade" para enfrentar a crise na segurança pública. Para ele, o problema já é antigo, mas com o amadurecimento da crise, o Congresso Nacional tem a oportunidade de fazer mudanças que antes poderiam não ser aceitas.

— Senhores senadores, nós precisamos de coragem para enfrentar aquilo que, de certa forma, no passado, não seria possível, porque a crise hoje é, em larga medida, madura e é transversal: todas as classes, todos os estados, todas as regiões a vivem. Existem diferenças de grau, não de natureza a respeito desse problema — disse o ministro, ao comparar o crescimento da violência ao enfrentamento da superinflação, nos anos 1990.

Para Jungmann, a Constituição garantiu pisos de investimento em saúde e educação, por exemplo, mas não à segurança pública. Ao mesmo tempo, também não prevê a obrigatoriedade de que a União assuma os gastos, como ocorre com a Previdência e a assistência social. O resultado disso, argumentou, é que o Brasil não conseguiu universalizar o direito à segurança pública.

— O sistema ou a arquitetura constituída em 1988 está falida. Ele faliu e eu não estou me referindo aos operadores que fazem isso. Eu estou dizendo simplesmente que, com esse sistema, nós não vamos superar essa crise que nós estamos vivendo. Isso inclui, primeiro, a questão da redistribuição das atribuições entre os entes federativos — afirmou.

Recursos

Para Jungman, é um erro colocar a maior parte da conta da segurança pública, cerca de 80%, sob a responsabilidade dos estados, que não têm condições de arcar com esse peso. Ao mesmo tempo, seria preciso garantir uma fonte de recursos para que a União assumisse parte dos gastos. Além disso, não incluir os municípios no sistema de segurança, como acontece hoje, é um problema, porque as cidades têm uma capacidade maior de identificar as vulnerabilidades na área.

O ministro também afirmou que, hoje, para punir um criminoso, é preciso passar por quatro sistemas que funcionam de maneiras diferentes e sem coordenação: polícia, Ministério Público, Justiça e sistema carcerário. A solução para a segurança, segundo Jungmann, não será possível sem a articulação institucional entre esses sistemas, com velocidades e concepções distintas.

— Como é possível fazer a integração se nós não chegarmos a um consenso a respeito de quais são os indicadores, quais são os conceitos e como é que nós vamos trabalhar com eles? — questionou.

Representando o ministro da Justiça, Torquato Jardim, o secretário-executivo do ministério, Gilson Libório de Oliveira Mendes, garantiu que, apesar de não ser mais o responsável pela segurança pública, o ministério continuará a dar o apoio logístico necessário à nova pasta. Ele garantiu que não haverá quebra na continuidade dos trabalhos.

— O Ministério da Justiça continua 100% no apoio, no suporte, nas atividades e no que for necessário para alcançar o objetivo do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, a fim de que atinja tudo aquilo que está sendo desenhado e um pouco mais: tudo aquilo que é esperado pela nossa sociedade.

Forças Armadas

A participação das Forças Armadas no enfrentamento da crise foi o centro do discurso do ministro interino da Defesa, General Joaquim Silva e Luna. Para ele, é um engano achar que as Forças Armadas não estão preparadas para as ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Ele lembrou que essa é uma missão constitucional das FFAA e que há treinamento e armas específicas para atuar nessa área.

— Também temos armamentos preparados para serem empregados na Garantia da Lei e da Ordem. Existe munição não letal. Existe todo um adestramento para se operar em determinadas localidades, existe tudo isso. Eu passo essa ideia, porque a gente tem ouvido, já quase como um lugar comum, que [as Forças Armadas] não estão preparadas. Estão.

O ministro também disse que a importância desse tipo de operação é a mesma dada à defesa nacional, sem segunda opção. De acordo com o ministro, a intenção é entregar resultados, já que há muita urgência.

— O Brasil tem muitas prioridades. E se tivéssemos que colocar esse nível de prioridade, prioridade um, talvez, tivéssemos uma quantidade muito grande de prioridade [número] 1. No entanto estamos diante de um caso de urgência. Entre as prioridades, um caso de urgência. A segurança pública se tornou um caso de urgência e de emergência; praticamente uma UTI.

Populações invisíveis

O chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Sérgio Etchegoyen, destacou a gradualidade das ações no Rio de Janeiro, desde as primeiras ações de Garantia da Lei e da Ordem. Para ele, a urgência da questão não está somente na existência do crime organizado, mas em uma "legião de fastasmas" muitas vezes esquecidos no processo: os cidadãos que perderam seu direito de ir e vir.

— Todos estamos nos esquecendo neste debate que, submetidas à atuação do crime organizado, existem verdadeiras populações que perderam direitos e garantias individuais, que perdem o direito de ir e vir, sendo obrigadas a esconder em suas residências armas, drogas e, muitas vezes, criminosos. São pessoas que têm sido manipuladas e utilizadas pelo crime — lamentou.

¹com Agência Senado

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