Boris Johnson: “Posição da Rússia no caso Skripal é cada vez mais bizarra”

A União Europeia (EU) declarou "solidariedade incondicional" ao Reino Unido no caso do ex-espião russo Serguei Skripal, embora os diplomatas europeus não tenham chegado a um consenso sobre se o governo da Rússia é responsável pelo envenenamento – ao contrário do Reino Unido.

"Nós no Reino Unido pensamos que a evidência, a culpabilidade aponta para o Estado russo, assim como ocorreu no caso de Alexander Litvinenko", afirmou o ministro do Exterior do Reino Unido, Boris Johnson, em entrevista à DW. "Nós demos uma opção: oferecemos trabalhar em conjunto, mas não obtivemos resposta. Fomos tratados com sarcasmo. Resta-nos concluir que se trata de uma ação do Estado russo."

O Reino Unido afirma que Skripal, de 66 anos, e sua filha Yulia, de 33 anos, foram envenenados com o agente nervoso Novichok, desenvolvido pela extinta União Soviética. Ambos continuam hospitalizados em estado crítico, após terem sido encontrados inconscientes em 4 de março, no banco de um parque na cidade de Salisbury.

"Tomamos a decisão de demonstrar que, caso alguém estiver usando imprudentemente um agente nervoso do tipo que não tinha sido usado na Europa desde a Segunda Guerra, caso alguém esteja indo fazer isso em Salisbury, então esse alguém precisa enfrentar algumas consequências diplomáticas", afirmou Johnson.

DW: Há alguns dias, o senhor declarou que era extremamente provável que Putin ordenara pessoalmente o uso de um agente nervoso para atacar o ex-espião Serguei Skripal. O que o senhor e o Parlamento britânico têm como prova para apoiar essa posição?

Boris Johnson: Antes de tudo, penso que é muito importante mostrarmos que pensamos que os culpados por isso não são os russos nem a Rússia. Não temos desavenças com a Rússia. Estes são atritos com o Kremlin e com o Estado russo em sua formação atual.

E a razão pela qual eu disse aquilo é que, se olharmos para a substância que foi usada, trata-se do agente Novichok, de acordo com nossos cientistas em Porton Down [instalação científica onde também fica um departamento do Ministério da Defesa]. Também deve ser considerado que Serguei Skripal é alguém que tem sido identificado como um alvo de extermínio e que Vladimir Putin disse que os traidores, ou seja, desertores como Skripal, devem ser envenenados. Trata-se de um agente nervoso exclusivo da Rússia.

Mas o senhor possui alguma evidência sólida de que Putin ordenou diretamente o envenenamento? Por que o que o senhor disse é a acusação mais direta já feita ao líder da Rússia.

Bem, ele está no comando desse trem. Alguém tem que ser o responsável, e nós no Reino Unido pensamos que a evidência, a culpabilidade aponta para o Estado russo, assim como ocorreu no caso de Alexander Litvinenko [ex-tenente-coronel russo morto por envenenamento em 2006]. Você lembra que a trilha do polônio levava muito claramente ao Estado russo. No final das contas, é Putin quem está no comando, e receio que ele não possa fugir da responsabilidade e da culpabilidade.

Por que o senhor – consequentemente, o governo britânico – deu esta declaração sem esperar o resultado da investigação ainda em andamento?

Porque temos uma experiência amarga do que acontece com a Rússia de Putin quando temos um problema igual a este. Há 12 anos tivemos o assassinato de Alexander Litvinenko em Londres. Naquela época, foi um evento fora do comum. O Reino Unido procedeu com imensa cautela e lentidão e decidimos trabalhar com o sistema judicial russo para tentar a extradição dos senhores [Dimitri] Kovtun e [Andrei] Lugovoy, que eram fortemente suspeitos de serem os responsáveis. E, no final, acabamos por receber apenas uma espécie de recusa sarcástica de se envolver com nosso processo judicial. 

Nós sentimos que era importante tomar essa decisão, de seguir, de demonstrar que, caso alguém esteja usando imprudentemente um agente nervoso do tipo que não tinha sido usado na Europa desde a Segunda Guerra, caso alguém esteja indo fazer isso em Salisbury, então esse alguém precisa enfrentar algumas consequências diplomáticas.

O senhor argumenta que a fonte desse agente nervoso Novichok é a Rússia. Como o senhor conseguiu concluir isso tão rapidamente? O Reino Unido possui amostras?

Deixe-me ser claro com você… Quando olho para a evidência, quero dizer as pessoas em Porton Down, o laboratório…

Então eles têm amostras…

Sim, eles têm. E eles foram absolutamente categóricos. Eu mesmo perguntei a um cara. Eu disse: 'Você tem certeza?'. E ele respondeu que não há dúvida. Temos muito poucas alternativas além de tomar a medida que tomamos.

Mas devo dizer que a diferença entre agora e o que ocorreu há 12 anos com Alexander Litvinenko é também que há muito mais abertura na comunidade internacional, muito mais compreensão sobre o tipo de comportamento que a Rússia tem exercido nos últimos anos. Ao redor da mesa em Bruxelas, em conversa com todos os outros países europeus, não há quase ninguém que não vivenciou, direta ou indiretamente, algum tipo de comportamento maligno ou perturbador.

Mas numa entrevista no domingo, o senhor mencionou que gostaria de ter uma cooperação construtiva com a Rússia sobre o assunto. Tendo acusado Putin diretamente, como isso será possível?

Como a primeira-ministra [Theresa May] disse, nós demos uma opção. Nós dissemos: Olha, isso é Novichok. Se houver uma explicação racional de como ele escapou de seus estoques e como veio a ser usado nas ruas de Salisbury, então nos deixe trabalhar juntos e ir até o fim com isso. Caso, por outro lado, não houver explicação, nos resta concluir que se trata de uma ação do Estado russo. E não obtivemos resposta. Fomos tratados com diversos tweets e trolls sarcásticos.

O Kremlin afirma que gostaria de ter acesso às amostras do material deste caso. O senhor permitirá esse acesso aos investigadores russos?

Penso que, em primeira lugar, e com respeito aos detetives do Kremlin, confiaremos nos especialistas técnicos da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq). Vamos ver qual é a avaliação deles. Esse é o procedimento adequado que o Reino Unido tem que seguir, segundo o Tratado sobre Armas Químicas. E eu simplesmente tenho que dizer que acho a posição russa sobre o que ocorreu com esse Novichok cada vez mais bizarra.

O governo britânico e a primeira-ministra do Reino Unido anunciaram algumas medidas, e o senhor já expulsou 23 diplomatas russos e recebeu uma resposta proporcional. Quais outras medidas serão tomadas?

Expulsamos 23 diplomatas, provavelmente espiões que se passavam por diplomatas, e há outras medidas que iremos tomar. Em particular, estamos endurecendo nossas fronteiras e temos muitas leis que nos permitem agir com firmeza em relação a dinheiro que está no Reino Unido e foi obtido de forma ilícita ou corrupta. Nós podemos fazer isso.

Temos a Agência Nacional Criminal (NCA), a Unidade Nacional de Crime Econômico. E eles continuarão com esse trabalho. Mas devo enfatizar que o Reino Unido é um Estado de Direito, e eu não posso, como político, ordenar que se vá atrás do dinheiro dessa pessoa, que se faça isso ou aquilo. Não é assim que funciona.

Diplomatas russos expulsos deixam o Reino Unido em meio à crise de ataque químico¹


Aeronave que levou diplomatas russos de Londres 20/3/2018 REUTERS/Chris Radburn

Vinte e três diplomatas russos expulsos e suas famílias partiram de Londres para Moscou nesta terça-feira, enquanto o Reino Unido e a Rússia trocam recriminações a respeito de um ataque com um agente nervoso na Inglaterra que provocou a pior crise na relação desde a Guerra Fria.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, culpou a Rússia pelo ataque a um ex-agente duplo russo e sua filha – o primeiro caso conhecido de uso ofensivo de uma toxina nervosa na Europa desde a Segunda Guerra Mundial – e deu aos 23 russos que disse serem espiões trabalhando sob disfarces diplomáticos uma semana para deixar Londres.

A Rússia vem negando repetidamente qualquer envolvimento no envenenamento de Sergei Skripal e sua filha, e no sábado teve uma atitude recíproca dando a 23 diplomatas britânicos uma semana para partirem de Moscou, além de fechar o Conselho Britânico na Rússia.

Enquanto May se reunia com autoridades de alto escalão e conselheiros de Segurança Nacional, seu porta-voz anunciava novas medidas para rastrear pessoas que entram no Reino Unido que podem ser consideradas uma ameaça à segurança da nação.

O gesto se alinhou a um anúncio feito pela premiê na quarta-feira, quando disse que seu país irá elaborar uma nova legislação para reforçar as defesas contra “atividades estatais hostis”. Um avião russo Ilyushin-96 de propriedade estatal com a palavra “Rossiya” e as cores branco, azul e vermelho da bandeira da Rússia impressas na lateral fez um voo especial de Moscou ao aeroporto Stansted de Londres para recolher os diplomatas, que receberam uma despedida calorosa do principal diplomata russo em Londres.

Agradecendo-os em nome do presidente Vladimir Putin, que no domingo, após ser reeleito, repetiu que Moscou não teve papel no ataque, o embaixador Alexander Yakovenko disse: “Estamos orgulhosos de vocês”.

A Rússia se recusou a explicar como o Novichok, um agente nervoso desenvolvido pelos militares soviéticos, foi usado para envenenar Skripal, um ex-coronel da inteligência militar russa que delatou dezenas de espiões ao Reino Unido.

Os Estados Unidos e potências europeias dizem compartilhar a crença britânica de que a Rússia é culpada pelo envenenamento, mas não deram nenhum indício do que farão a respeito. Diplomatas russos disseram à Conferência do Desarmamento, realizada na Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, que o próprio Reino Unido pode ter produzido a toxina e que Moscou não deve explicações.

Putin, que conquistou um quarto mandato no domingo, disse que a Rússia foi acusada falsamente. “Quanto à tragédia que vocês mencionaram, soube dela pela mídia. A primeira coisa que me veio à cabeça foi que, se tivesse sido um agente nervoso de uso militar, as pessoas teriam morrido na hora”.

¹com Agência Reuters
 

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