Por que a Força Aérea turca derrubou um avião militar russo?

O espaço aéreo da Síria está militarmente congestionado. Ao lado de aliados árabes, os Estados Unidos estão bombardeando posições da organização extremista do "Estado Islâmico" (EI); a Turquia realiza operações militares perto da fronteira com a Síria contra curdos e, desde o fim de setembro, a Rússia tem lançado seus ataques aéreos contra rebeldes.

E mais tardar desde o abatimento de um drone russo perto da fronteira entre Síria e Turquia, especialistas tem alertado para a possibilidade de incidentes mais graves. No entanto, era consenso que seria extremamente improvável que pilotos de um dos Estados-membros da Otan poderiam de fato atirar contra aviões russos.

Nesta terça-feira (24/11), porém, ocorreu este caso extremo: a Força Aérea turca abateu um avião militar da Rússia, mas os dados disponíveis são contraditórios. Ancara afirmou que o caça SU-24 invadiu o espaço aéreo turco e teria sido advertido dez vezes num prazo de cinco minutos, antes de ser derrubado. Moscou, por outro lado, garante que sua aeronave nunca deixou o espaço aéreo sírio. Washington corrobora a versão turca; Damasco defende a russa.

A filial turca da emissora americana CNN publicou uma imagem de satélite que mostra o trajeto tanto da aeronave russa como o dos caças turcos. Os traços vermelhos são do SU-24. A emissora citou como fonte o próprio Exército turco.

Caça russo esteve no máximo 15 segundos na Turquia

Em entrevista à revista alemã Der Spiegel, um ex-piloto de caça da Força Aérea alemã afirmou que a imagem parecia autêntica. Caso ela esteja reproduzindo os acontecimentos corretamente, o SU-24 teria coberto somente cerca de três quilômetros em território turco. Para percorrer essa distância um caça deste tipo precisaria de 10 a 15 segundos, segundo o ex-piloto.

Um porta-voz do Exército dos EUA confirmou que os pilotos russos foram avisados via rádio dez vezes. "Ouvimos tudo", garantiu. Mas também é fato de que o SU-24 permaneceu apenas alguns segundos no espaço aéreo turco. Isto foi confirmado por uma fonte interna da Otan, após a reunião extraordinária que foi convocada imediatamente depois do incidente.

Por outro lado, os responsáveis pelo lado turco tiveram claramente ao menos cinco minutos para decidir sobre uma ordem de abatimento do caça russo. "E as equipes [turcas] certamente pediram repetidamente por um retorno da base de comando, antes de terem apertado o botão", disse o ex-piloto ao Der Spiegel.

Mesmo que o caça russo tivesse realmente estado por apenas alguns segundos na Turquia, "o abatimento teria sido uma manobra bastante incompreensível", segundo o ex-piloto alemão. Isso poderia significar também que o míssil atingiu o SU-24 somente quando este já estava novamente em espaço aéreo sírio.

Três questões, no entanto, permanecem em aberto:

Por que, mesmo que fosse por alguns segundos, um avião militar russo invadiu o espaço aéreo da Turquia?
Fato é que o SU-24, apesar de ser uma aeronave de 30 anos, está equipado com um moderno sistema de navegação. Os pilotos russos, portanto, sempre souberam sua localização.

Por que os russos não responderam às advertências turcas?
Comunicações aéreas de emergência são realizadas numa frequência que pode ser captada por qualquer aeronave, seja ela civil ou militar. É possível que, devido à concentração em sua missão, um piloto deixe de ouvir uma mensagem de rádio. "Mas que eles são alertados cinco vezes em dez minutos e não reagiram é muito estranho", explicou o ex-piloto.

Por que a Turquia disparou?
Fato é: todos os envolvidos estão cientes sobre a situação delicada na fronteira entre Turquia e Síria. Em outubro, a Força Aérea turca interceptou um caça russo. Na época Ancara advertiu Moscou fortemente contra novas violações do espaço aéreo turco. O ex-piloto alemão, portanto, acha ter sido correto o abatimento – especialmente se os pilotos russos realmente ignoraram as dez advertências. "Se então eu não atiro, me faço de tolo", resumiu.

"Abate de caça russo pode ser fator de virada nas relações Rússia-Turquia"

Segundo Can Kasapoglu, pesquisador do Centro de Economia e Política Externa de Istambul, o caça russo abatido pela Força Aérea da Turquia estava a caminho da Síria para bombardear os turcomanos que combatem Assad. "Desde o início, o foco da operação russa não foi o 'Estado Islâmico', mas antes a oposição síria moderada."

Em entrevista à DW, o especialista em estratégia militar e estudos de guerra, afirmou: "As violações russas do espaço aéreo dos Países Bálticos se tornaram, basicamente, algo habitual – nós não queremos ver essa dinâmica no flanco sul da Otan, que inclui o espaço aéreo da Turquia."

DW: Um jato militar russo foi abatido por forças turcas. Tal incidente era de se esperar?

Can Kasapoglu: A Turquia deixou muito claro que não mudaria suas regras de engajamento segundo a nacionalidade da aeronave violadora. Cerca de um mês atrás, os turcos abateram um drone russo não tripulado. As autoridades da Turquia advertiram a Rússia para que não violasse seu espaço aéreo nacional. Ancara demonstrou que suas regras de engajamento são robustas e não devem ser colocadas à prova nem por sírios nem por russos.

Qual o motivo de um avião russo estar sobrevoando essa área?

Os caças Sukhoi Su-24 são bombardeiros táticos para operações de interdição aérea. São usados principalmente em bombardeios de solo pesados. Quem esse caça estava bombardeando? Os turcomanos, combatentes de origem turca que lutam contra o regime sírio com o apoio da Turquia. Estamos falando de 5 mil a 9 mil combatentes de língua turca. Eles estavam sob ataque pesado por parte das forças sírias, as quais há muito tempo vêm sendo apoiadas pelos russos e pelos iranianos. Isso provocou frustração na Turquia.

Uma das razões é que, em seguida aos atentados de Paris e devido às negociações entre Washington e Ancara durante o encontro do G20 em Antália, os EUA e a Turquia estavam discutindo as perspectivas de uma operação área conjunta reforçada sobre a Síria. Essa operação estava planejada, como entendemos, para servir de apoio a combatentes que lutam em solo contra Assad na Síria, como o Exército Livre Sírio ou as forças turcomanas.

Em contrapartida, os sírios, russos e iranianos se voltaram contra as tropas de solo turcomanas, como forma de "punição por procuração" contra a Turquia. A aeronave russa estava voando para bombardear as forças turcomanas. Basicamente, o avião violou o espaço aéreo da Turquia. Isso é bastante crítico. Não queremos ver, no flanco sul da Otan e no espaço aéreo turco, uma situação como a que acontece no Báltico.

O que isso quer dizer?

As violações russas de espaço aéreo sobre os países Bálticos basicamente se tornaram fato corriqueiro – nós não queremos ver esse desenvolvimento no flanco sul da Otan, que inclui o espaço aéreo da Turquia.

Os russos afirmam que a aeronave ainda estava no espaço aéreo sírio quando foi abatida. O que sabe sobre o local onde o caça foi abatido: estava sobre a Turquia ou sobre a Síria?

O procedimento turco é o seguinte: se os aviões se aproximam a 12 milhas (20 quilômetros) do espaço aéreo do país, a Turquia começa a adverti-los. Se chegam a cinco milhas, Ancara prepara a sua patrulha de jatos F-16 para intercepção e continua a enviar advertências. E se alguma aeronave vinda da Síria violar o espaço aéreo turco, então ela é abatida. De acordo com esse procedimento, e se tivermos em mente as violações russas, podemos concluir que o Sukhoi Su-24 violou o espaço aéreo da Turquia.

Que consequências isso terá para as relações entre a Rússia e a Turquia?

O ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov, planejava visitar a Turquia na quarta-feira. Vai ser interessante ver se ele virá ou não [Nota do editor: Pouco após a entrevista, Lavrov cancelou viagem, desaconselhando os russos de qualquer viagem para o país, "para turismo ou por qualquer outra razão".]

Se a Rússia quiser acirrar a situação, então haverá mais violações do espaço aéreo. Então veremos uma escalada mais significativa não somente entre a Rússia e Turquia, mas também entre a Otan e a Rússia. Autoridades turcas de alto escalão deixaram claro que essas violações não são somente do espaço aéreo turco, mas do espaço aéreo da Otan.

Esta é a primeira vez que um país da Otan abate uma aeronave militar russa. O que isso significa para as relações entre a Rússia e a Aliança Atlântica?

Esta escalada já não envolve Países Bálticos membros da Otan, mas um dos atores mais potentes da Aliança, a Turquia. Ancara tem mantido laços relativamente bons com a Rússia. O presidente Recep Tayyip Erdogan sublinhou que a Rússia poderia perder um amigo, se Moscou continuar a agir dessa forma.

Até agora, a Rússia tem tido relações muito boas com a Turquia, focadas no comércio e na cooperação energética. As últimas ocorrências podem ser um fator de virada adicional para essas relações.

Após os ataques terroristas em Paris, a Rússia está pressionando com vista a uma grande coalizão contra o "Estado Islâmico" (EI). O que esse incidente com o jato significa para tais planos?

Se os russos quiserem realmente fazer parte de uma coalizão anti-EI, eles devem escolher alvos diferentes no campo de batalha sírio. Desde o início, o foco da operação russa não foi o EI, mas antes a oposição síria moderada. Em segundo lugar: em vez de violar o espaço aéreo da Otan, eles devem coordenar seus esforços com os outros atores na coalizão anti-EI.

O senhor acha que a Turquia poderia pedir apoio da Otan agora?

Muito provavelmente. Em todas as crises no Oriente Médio, vimos o apelo turco à Otan. Escutamos agora que o primeiro-ministro turco está lançando uma campanha diplomática para explicar a posição de seu país.

Eu não vejo um recurso ao Artigo 5° [do Tratado do Atlântico Norte], mas o Artigo 4° está sobre a mesa, ou seja: a consulta sobre uma situação grave de defesa e segurança.

 

 

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