Pandemia e Guerra de Informação: Uma Breve Análise

 

Pandemia e Guerra de Informação:

Uma Breve Análise

 

Eduardo Atem de Carvalho, PhD

Universidade Estadual do Norte Fluminense

Rogério Atem de Carvalho, DSc

Instituto Federal Fluminense

 

 

1.Introdução

Esse artigo visa discutir brevemente, e de maneira o mais isenta possível, a guerra de informação que vem se desenrolando em paralelo à Pandemia COVID-19. Esta guerra possui diversas frentes, que vão desde idas e vindas na comprovação da eficácia de medicamentos, até manipulação de números. Esse artigo se concentrará numa rápida análise do discurso midiático, de  maneira a mostrar  a forma como as notícias são apresentadas à sociedade brasileira.

Com o intuito de evitar reações mais exaltadas justamente dos que se encontram em estado histérico, como será explicado adiante – sem qualquer fim pejorativo, os autores já adiantam que não buscam aqui minimizar os problemas reais advindos da pandemia, nem menosprezar as mortes e a dor das famílias. Não buscam tão pouco sugerir, apoiar ou criticar políticas públicas. Apenas analisar o estado do discurso reinante diante de fatos objetivos e com isso contribuir para uma melhor compreensão do fenômeno informacional durante a Pandemia

 

2.Discurso Histérico

Se engana quem acha que estado de histeria se refere exclusivamente aquelas situações onde pessoas se encontram descontroladas aos gritos pela rua. A histeria é basicamente um estado ingovernável de excesso de emoção. Empregaremos aqui os estudos de Lobackzewski [1], que lista basicamente três elementos para identificar um discurso histérico:

1) Supressão de Informações: informações desconfortáveis ou que  desdizem o discurso são suprimidas do mesmo.

2) Repetição de Mentiras: que bloqueia a mente das pessoas medianas para a verdade. No máximo, a pessoa inicia a busca por sentido no “meio termo” entre a verdade e a mentira, terminando com alguma falsificação satisfatória.

3) Uso da Emoção: conclusões racionais são substituídas por apelos a diferentes emoções.

O Discurso Histérico é empregado como instrumento de manipulação e é imediatamente traduzido em slogans, frases de efeito, memes e hashtags, que são facilmente consumidos por uma sociedade angustiada. A sociedade nesse estado adoece porque passa a dar ouvidos aos que se encontram em estado histérico, absorvendo e se tornando histérica aos poucos. Mesmo quando os que se comportam racionalmente falam, entra em cena o efeito visto acima: as pessoas na melhor das hipóteses farão o exercício de busca o “meio termo” e acabarão por se socorrer abraçando uma “mentira satisfatória”. Ao fim desse processo de busca pelo meio termo, a média da sociedade já estará histérica e os histéricos originais estarão ainda pior, num processo crescente e auto-alimentado.

E os racionais? Esses serão agredidos pelos histéricos, tal qual numa caça às bruxas, sendo tornados culpados, inclusive, dos problemas diversos que ocorrem durante a crise. A possibilidade de alguém questionar qualquer argumento contrário ao discurso dominante é perturbadora, tirando o histérico de seu conforto, sendo então repelida de maneira agressiva.

Como demonstrar tal tese? Até que ponto ela também não é uma histeria? Os autores a defendem com um breve estudo de caso de informações veiculadas na mídia nacional.

3. Mídia e COVID-19: Histeria à Solta

A supressão de informações é o alicerce do Discurso Histérico, assim, será melhor comentado do que os outros dois pontos. Os números aqui apresentados não representam qualquer exercício de previsão, e se referem aos dados disponíveis até dia 05/06/2020. Assim, não se pode posteriormente fazer julgamentos desta análise diante de qualquer mudança de cenário ou mesmo modificação de dados pretéritos. De fato, tais mudanças não fariam diferença na análise, o que se deseja mostrar é como, com os dados existentes, o discurso histérico é construído.

O pesquisador Leonardo Vizeu [2] chamou a atenção para a discrepancia nos números divulgados diariamente pelo Ministério da Saúde e os listados pelos site criado pelo Conselho Nacional de Justiça para divulgar o número de mortos na epidemia de 2020.

Uma análise rápida da anatomia do números divulgados pelo Ministério explica a diferença: os números do Ministério contém uma parcela de pessoas que realmente morreram naquela data, somadas com outras, que morreram em datas diversas e anteriores, mas cujo o diagnóstico era incerto ou não sabido e foram então coletadas amostras para exames laboratoriais. E estes exames são feitos em localidades distantes do ponto de coleta do material. Este efeito produz uma grande incerteza sobre os valores divulgados.

Uma outra curiosidade, que comprova o fato acima citado pode ser visto no gráfico  da Figura 1, onde o número diário de mortes, conforme divulgados pelo Ministério da Saúde é apresentado:

Figura 1 – Número de mortes diárias causadas pelo COVID-19, dados do Ministério da Saúde.

 

Pode-se observar claramente que nos finais semanas, o número de mortes no Brasil despenca a praticamente a metade. E que em algum dia no meio da semana haverá uma “explosão” de mortes. Na verdade, é que muitos laboratórios não funcionam em finais de semana e então os exames ficam acumulados para serem feitos e então divulgados em um ou mais dias da semana seguinte. Estes são os dias que obterão maior atenção da mídia, que omite as razões das quedas nos finais de semana, alimentando o pânico e a subsequente histeria.

Então, com seria um gráfico mais realistico do número de mortes ocorridas no Brasil?

 

Figura 2 – Número de mortes ocorridas no Brasil. Fonte: Site CNJ

 

Pela base dados do CNJ e dos atestados de óbitos emitidos, nota-se que o dia mais mortífero da epidemia, até a data de 07 de junho, foi o dia 14 de maio, com 822 mortes confirmadas por COVID-19. As barras amarelas apresentam valores que ainda serão corrigidos ao longo das semanas, conforme mais resultados de exames e registros serão feitos. Isto significa que estas barras poderão crescer bastante ainda, mas de qualquer forma fica evidente que a mortalidade varia sem ser da forma “serrote” como na Figura 1. A Suécia, apresenta comportamento igual como se pode ver na Figura 3:

Figura 3 – Taxa de mortes na Suécia. Notar a ausencia de registros nos finais de semana.

Tomando como base o pico real atual de 822 mortes confirmadas no dia 14/05/2020, mostraremos a Supressão de Informações. O Discurso Histérico é montado empregando os três elementos vistos, mas não necessariamente numa mesma notícia, que pode ter um, dois ou mesmo os três elementos. Para fins didáticos, será visto um exemplo por técnica.

 

a) Supressão de Informações: É a técnica mais comum, por isso a apresentação dos dados das Figuras 1 a 3. Abaixo se vê um, dentre vários exemplos de notícias veiculadas na mídia nacional sobre o número de mortes. Como todos os outros, omitem que se trata do número de registros e não o número de óbitos:

– Em 19/05/2020, sem qualquer referência que se trata do número de registros: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/05/19/brasil-supera-as-1000-mortes-por-coronavirus-em-24-horas-oficial.htm

Segundo a notícia: “O Brasil registrou 1.179 mortes pelo novo coronavírus em 24 horas, sua pior contagem diária desde o início da pandemia…”. Fica o desafio para o leitor de alguma notícia veiculada pela grande mídia que mostre os números de cartórios e não de registros.

Notar que 1000 é um limite mágico que a mídia vem se esforçando para romper antes mesmo que este aconteça. O fato de que registros se acumulam é absolutamente ignorado na grande maioria das notícias, formando o alicerce do discurso.

b) Repetição de Mentiras: Um exemplo excelente refere-se ao veiculado pela CNN em 27/03/2020. Segundo a emissora, o “Serviço Funerário em SP está sobrecarregado”. Naquela data o estado de São Paulo inteiro, com 44 milhões de habitantes, tinha 68 mortos. Seria portanto absolutamente impossível o Serviço Funerário da cidade de São Paulo já estar sobrecarregado, posto que o número de mortos diários, em qualquer período da última década é muito superior a 68 casos. A notícia dá a entender que o SF já estaria sobrecarregado pelo número de mortos, isso em Março, uma clara desinformação.

 

 

Figura 2: Serviço Funerário de SP Sobrecarregado

      

        c) Uso de Emoção: com dados omitidos (alicerce) e informações distorcidas (paredes), cabe à emoção descolar as pessoas da razão por fim (telhado). A reportagem citada abaixo ficou famosa ainda em Abril:

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/04/02/cemiterio-de-sp-abre-centenas-de-covas-apos-aumentar-enterros-por-covid-19.htm

Vejamos o texto de chamada: “Centenas de covas abertas à espera dos mortos pela covid-19. A imagem chocante que grita na capa do Washington Post, um dos principais jornais do mundo, mostra como o cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina, se prepara para o pico da pandemia de coronavírus no Brasil…. ”

Notar os termos “chocante” e “que grita”. Esses termos não estão colocados ocasionalmente no texto, a ideia é provocar forte emoção no leitor.

 

4.Conclusões

O terreno para a histeria vai sendo preparado em um contínuo crescente, enquanto algumas pessoas absorvem-na integralmente, outras acionam seus mecanismos de construção de “meios termos” – que por sua vez são também uma forma de contaminação pela histeria. Com o tempo, os equilibrados do início do processo atingem o nível de histeria dos que já estavam mais histéricos, enquanto que esses já avançaram ao nível seguinte. O processo vai evoluindo ao ponto que tudo mais que acontece na sociedade é colocado em segundo plano e as pessoas começam a aceitar situações absurdas em nome de um remédio para seus medos. Ao mesmo tempo, adquirem reações agressivas até o ponto em que nos encontramos hoje nas redes sociais, onde qualquer postura que não seja de pânico seja encarada como irresponsabilidade, crime, imbecilidade etc. Em suma, o saudável contraponto foi abolido a bem da histeria.

Talvez estejamos diante de um ponto de inflexão, em especial para as sociedades ocidentais. Em todas grandes crises que essas sociedades passaram na História, elas foram lideradas pelos corajosos e audazes. Agora, o “hominem occidentis” exemplar é uma criatura apavorada e apoplética, cujos direitos e iniciativa foram retirados, a pedido. E ai de ti que venha a questionar isso…

 

[1] Lobaczewski, A. M. Ponerologia – Psicopatas no Poder. Ed. Vide, 2014.

[2] Figueiredo, L. V. “Breve estudo comparativo da evolução diária de óbitos do COVID-19 no Brasil”, a publicar.

 

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