Cel Santiago – PMESP: O Coronavírus e a Segurança Humana

O Coronavírus e a Segurança Humana

Márcio Santiago Higashi Couto

Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, aluno do mestrado em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG) e pós-graduado em Política e Estratégia pela USP.

    

A pandemia de COVID-19, causada pelo novo coronavírus atinge proporções gigantescas, se espalhando ao redor do mundo, por países ricos e países pobres. Os perigos de uma doença altamente contagiosa e as incertezas que rondam toda a doença nova, além da sobrecarga nos sistemas de saúde, em vários países, e o pânico generalizado que está causando, torna o coronavirus uma grave ameaça à segurança da saúde.

Além de afetar a segurança da saúde, os reflexos da pandemia atingem também a segurança econômica, causando paralização do comércio, da indústria, e a perda de empregos, além de grande parte das verbas públicas serem direcionadas para atender as necessidades da saúde.

      

Esta paralização nas atividades de produção e de logística, também atingem a segurança alimentar, pois, mesmo que o alimento seja produzido, há dificuldades para que ele chegue à população, principalmente a mais carente. A falta de dinheiro, de empregos, de produtos essenciais de consumo e de comida, são fatores de extremo risco à segurança social, e à segurança pública, causando, protestos, saques, roubos, rebeliões e o caos generalizado.

      

Com o caos social, a segurança jurídica, isto é o respeito às leis e as garantias que elas proporcionam também é abalada. As pessoas e até mesmo autoridades públicas, quebram ou deturpam as leis, de acordo com seus interesses particulares. Isto, principalmente em países com a democracia fragilizada, afeta a segurança política, podendo levar um regime democrático a se tornar um regime autoritário.

   

Estes campos da segurança, foram agrupados, nos últimos anos, por serem interligados e interdependentes, a um conceito maior denominado Segurança Humana, que se preocupa com o bem-estar do indivíduo e o desenvolvimento humano pleno, livre de medos e de incertezas.

    

A segurança nacional também é ameaçada, pois a independência política do Estado e a liberdade em seu processo decisório, além da própria existência do Estado, como estrutura administrativa, podem entrar em colapso.

   

No mundo globalizado em que vivemos e na forma como a pandemia do coronavírus atinge todo o planeta, com os Estados Nacionais fragilizados e desesperados, pode ocorrer uma instabilidade que certamente irá atingir a segurança internacional.

     

Podemos então considerar a pandemia do coronavírus como uma das maiores ameaças à Segurança Humana que a Humanidade já enfrentou.

     

O coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2, causa uma doença infecciosa chamada de COVID-19. Embora, até o momento, e pelo que sabemos, 80 % das pessoas contaminadas são assintomáticas ou tem sintomas leves, semelhantes a uma gripe comum. 15% dos atingidos necessitam de tratamento mais intenso, com internação em hospitais. Cerca de 5% podem desenvolver pneumonia grave com insuficiência respiratória grave, necessitando de cuidados especiais.

   

A taxa de mortalidade gira entre 2% e 5% dos contaminados, principalmente pessoas com mais de 60 anos de idade, com doenças cardíacas ou diabetes e que possuem imunidade mais baixa. Sua transmissão ocorre de pessoa a pessoa, através de secreções como saliva, sendo altamente contagioso.

   

O aparecimento deste novo coronavírus foi detectado primeiramente na China, na cidade de Wuhan, em dezembro de 2019. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, declarou o surto como uma pandemia mundial.

    Até o dia 29 de março de 2020, a pandemia de coronavírus atingiu, no mundo todo, 663.220 pessoas, com confirmação de contágio, sendo que estimativas dizem que o número de contaminados possa ser até 10 vezes maior, pois grande parte dos contaminados é assintomática. Dessas pessoas confirmadas com o vírus, 30.822 faleceram, em todo mundo.

    

Até o dia 30 de março de 2020, embora várias vacinas estejam sendo pesquisadas e remédios sejam testados para combater o coronavírus, não há nada efetivo ainda para erradicar ou diminuir seus efeitos.

   

O aumento exponencial no número de infectados está levando ao colapso do sistema de saúde em vários países, com muitos doentes ocupando leitos de hospitais e as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) cada vez mais cheias, escassez cada vez maior de produtos de proteção individual, como álcool-gel e máscaras cirúrgicas, além de problemas até para enterrar ou cremar milhares de pessoas que morrem diariamente, agravando o cenário.

    

Outros efeitos da pandemia, são a histeria coletiva, além de ações como isolamento forçado, drástico, mas necessário, de milhões de pessoas, trancadas em suas casas, para não se contaminarem ou propagarem o coronavírus. Este isolamento, se não for bem aplicado, pode trazer graves problemas na produção, comércio e empregos, levando a uma das piores crises econômicas que o mundo já viu.

    

Estamos tratando de uma doença. Como qualquer doença, dificilmente existe um único remédio milagroso que sirva para todos os casos, ou uma dose única ou forma de tratamento único que se aplique a todas as pessoas.

    

Da mesma forma as políticas públicas e ações devem ser adequadas ao momento, à gravidade e aos recursos disponíveis, dosando o tempo para aplicação daquela medida a sua intensidade. Tudo isso acompanhando rigorosamente se as medidas tomadas estão surtindo os efeitos desejados.

    

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi o maior conflito armado da história da Humanidade. Em escala global, envolveu quase todos os países, nos cinco continentes. A catástrofe foi tão grande, que até hoje, não se sabe, exatamente, quantas pessoas morreram durante o conflito. Estimativas vão de 70 a 85 milhões de pessoas mortas.

     

Desses mortos, entre 50 a 56 milhões de pessoas seriam civis. E essas mortes de civis, durante a guerra, além de consequência de ações tais como bombardeios de cidades ou afundamentos de navios, foram resultados de massacres, doenças e fome.

     

Com o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e a posterior criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em outubro daquele ano, os direitos do indivíduo passaram a ser tratados com maior importância, saindo do pensamento de focar apenas na segurança nacional e na segurança internacional, ou seja, no interesse do Estado, dos países.

      

Em 1994 o Programa Para as Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em seu Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) trouxe a expressão “Segurança Humana”, focando no indivíduo e em suas liberdades, principalmente na liberdade do medo e na liberdade das necessidades, promovendo o diálogo para o desenvolvimento humano nos níveis individual, familiar e comunitário e abrangendo sete campos: político, econômico, saúde, social, comunitário, alimentar e ambiental.  

   

Isto leva a Segurança Humana a ser baseada no desenvolvimento e pode levar à choques com a soberania do estado e seu poder de intervenção nas liberdades individuais, segundo BUZAN e HANSEN (2012).

   

Segundo a resolução 66/290 sobre Segurança Humana, adotada pela ONU, na Assembleia Geral de 10 de setembro de 2012, a Segurança Humana é uma abordagem que auxilia os Estados Membros na identificação e enfrentamento de desafios amplos e transversais à sobrevivência, meios de sustento e dignidade de seus povos.

    

De acordo com a definição proposta por OLIVEIRA (2020) Segurança Humana é a garantia de sobrevivência individual e do bem-estar com dignidade das pessoas em seu convívio pessoal.

     

Em setembro de 2015, Chefes de Estado de várias nações se reuniram para debater a Segurança Humana e, através da ONU adotaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que inclui dezessete Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos os habitantes do planeta.

    

O objetivo 3 da agenda 2030 para a Segurança Humana, trata de saúde e bem estar e aborda a necessidade de facilitar o acesso à saúde, principalmente das populações mais vulneráveis, aumentar o recrutamento, formação e treinamento do pessoal da área de saúde,  apoiar a pesquisa e desenvolvimento de novas vacinas e remédios e “reforçar a capacidade de todos os países, particularmente os países em desenvolvimento, para o alerta precoce, redução de riscos e gerenciamento de riscos nacionais e globais de saúde”.

     

A Organização Mundial de Saúde (OMS) é o órgão da ONU responsável pelo campo da saúde e bem-estar físico, mental e social. Suas orientações, embora não tenham um caráter impositivo, constituem-se em importantes parâmetros para orientar políticas públicas e planos de ação para os países membros.

     

Estamos vendo na prática, e sentindo, como a pandemia do novo coronavírus atinge a segurança da saúde e afeta todos os campos que compõe a Segurança Humana, pois eles estão intimamente ligados.

   

É necessário um equilíbrio entre estes campos, pois medidas inadequadas, pensando somente na saúde, podem sim ter reflexos na economia e na segurança social, alimentar, pública e política. Assim como decisões pautadas apenas pela preocupação com a economia, podem causar um incremento no número de casos de COVID-19, que podem afetar de forma gravíssima todos os outros campos da Segurança Humana.

    

Além disso, cada ação que é tomada, ou não é tomada, em um país, acaba refletindo também em outro. Decisões precipitadas ou demagógicas, ou demasiadamente independentes, seja em países, estados ou municípios ou até mesmo individualmente podem afetar a todos.

   

Um indivíduo irresponsável pode contaminar entre 3 a 5 pessoas, diretamente. Um prefeito indeciso prejudica milhares de pessoas. Um governador demagogo coloca em perigo milhões de pessoas. e um presidente negligente pode colocar em risco um país inteiro. É necessário equilíbrio e coordenação entre todos os níveis.

    

As descobertas, boas e más, devem ser compartilhadas entre todos os países. Um novo remédio ou uma nova vacina, ou um meio mais rápido e barato de detectar o coronavírus, devem ser rapidamente disponibilizados para todos. E existe uma urgência cada vez maior em desenvolver novas alternativas.

      

O coronavírus não diferencia raça, sexo, idade, cor da pele, condição física ou de saúde, religião, opção sexual, comportamento social, classe econômica, nível de escolaridade ou posicionamento político/ideológico. Ele está atacando todos os seres humanos, em maior ou menor proporção. O coronavírus é uma ameaça real à Segurança Humana, podendo comprometer gravemente o bem-estar o desenvolvimento e o futuro da Raça Humana.

 

Referências.

BUZAN, Barry, HANSEN, Lene. Estudos de Segurança Internacional. São Paulo: UNESP, 2012.

OLIVEIRA, Eduardo. O Universo da Segurança Humana. Curitiba, Juruá Editora, 2020.

ONU. Human Security Handbook. Nova Iorque, Organização das Nações Unidas, 2016.

PANDEMIA DE COVID-19. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Pandemia_de_COVID-19&oldid=57922151>. Acesso em: 30 mar. 2020.

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