Nova Lei de Imigração: inovações, inconsistências e muitos desafios

Paulo Roberto de Lima Carvalho 

Agente de Policia Federal desde janeiro/1997, atuando há 10 (dez) anos junto ao Núcleo de Fiscalização do Tráfego Internacional no Estado do Ceará. É Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE, 2015), Especialista e Execução de Políticas de Segurança Pública (ANP, 2010), Especialista em Direito Processual Civil (FGF, 2009), Bacharel em Ciências Jurídicas (UNIFOR, 2008), Bacharel em Administração de Empresas (UEMA, 2003), autor de livro e artigo jurídicos, professor. Exerceu as funções de Presidente da Comissão de Controle de Segurança Privada, Presidente da Comissão de Controle de Produtos Químicos e Membro da Comissão Permanente de Licitação. Curriculum Lattes disponível em: 

http://lattes.cnpq.br/9192404304626837

Originário do Projeto de Lei n.º 288, de 11 de julho de 2013 do Senado, após longos debates e muitas críticas é publicada a Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017 que institui a Lei de Migração, apresentando em diversos momentos situações confusas e complexas para serem examinadas. Ainda sem a regulamentação devida, a lei apresenta muitos vácuos, que, sem dúvidas, já demandam muitos questionamentos.

A novel legislação apresenta em seu texto adaptações a nova realidade constitucional excluindo literalmente dispositivos que se apresentavam incompatíveis com a carta republicana e ampliando os mecanismos de cooperação internacional em atenção à nova realidade do mundo globalizado, onde as fronteiras geográficas não se revelam como grandes óbices para a circulação de pessoas e parecem estar cada vez mais próximas.

Buscar-se-á como objetivo geral deste artigo apresentar de forma sucinta as principais inovações legislativas da Lei de Migração, fazendo quando possível um comparativo com a legislação anterior e realizando as críticas necessárias à reflexão do leitor.

Inicialmente cumpre destacar que a Lei de Migração sofreu um total de 22 (vinte e dois) vetos presidenciais, o que já traz grande prejuízo hermenêutico ao texto, principalmente em razão do veto ao inciso I, §1º do art. 1º, o qual conceituava o migrante, termo esse que se repete em diversos dispositivos e que poderá causar problemas práticos na aplicação da atual norma migratória, tanto para os órgãos administrativos, quanto para o órgão do Poder Judiciário.

A medida em que a nova lei cria diversos direitos para os imigrantes, emigrantes, residentes fronteiriços, visitantes e apátridas, por meio de uma politica migratória que conjuga um amplo rol de princípios e diretrizes conforme definidos em seu art. 3º, deixa dúvidas de como efetivamente os implementar, uma vez que a maioria dos dispositivos carecem de regulamentação específica.

Para isso, os diversos órgão da administração pública em geral precisarão empreender um esforço hercúleo na formatação de instrumentos que efetivem essas novas políticas, uma vez a nova lei abriu de vez as portas do Brasil para o recebimento de indivíduos dos mais diversos pontos do globo, com os mais imprevisíveis objetivos, dificultando inclusive os controles institucionais.

Como aspectos positivos da nova Lei de Migração podemos destacar: o alinhamento do texto com os fundamentos e objetivos da Constituição da Republica Federativa do Brasil, em especial na prevalência dos direitos humanos e na busca de um maior desenvolvimento e integração das regiões de fronteira e fortalecimento da integração econômica nacional; inclusão social, cooperação internacional, proteção do brasileiro no exterior, além da promoção do reconhecimento acadêmico e do exercício profissional no Brasil.  A norma exige que a administração implemente mecanismos de desburocratização para agilizar os procedimentos administrativos necessários ao exercício dos direitos

Nesse sentido a lei estabelece que devem ser facilitadas as solicitações e comunicações mediante processo simplificado, inclusive pela via eletrônica, como meio de desburocratizar os processos de concessão de visto consular, podendo haver a isenção de taxas e emolumentos e podendo a emissão de visto consular se efetivar, além das embaixadas e repartições consulares, por meio de escritórios comerciais e de representação do Brasil no exterior.

Outro aspecto relevante que reforça a soberania nacional desde que seja efetivamente cumprido pelas autoridades consulares, é a possibilidade de ser denegado visto consular ao indivíduo anteriormente expulso do território nacional enquanto vigente os efeitos da expulsão, à pessoa condenada ou que responda processo por ato de terrorismo, crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (Decreto n.º 4.388, de 25 de setembro de 2002).

Com relação aos documentos de viagem, a Lei de Migração apresenta rol não taxativo, pois além dos já existentes, quais sejam: passaporte, laissez-passer, autorização de retorno, salvo-conduto, carteira de identidade de marítimo, carteira de matrícula consular, documento de identidade civil ou documento estrangeiro equivalente, quando admitidos em tratado, certificado de membro de tripulação de transporte aéreo, permite também o reconhecimento como documentos de viagem outros que vierem a ser reconhecidos pelo Estado brasileiro por meio de regulamento.

A nova lei apresenta alteração substancial quanto à classificação dos tipos de vistos consulares, que na legislação anterior dispunha de 07 (sete) tipos, sendo o visto temporário compostos por 08 (oito) subtipos, totalizando 14 (quatorze) classificações. Na legislação atual, foram reduzidas para 05 (cinco) as espécies de visto, sendo eles: de visita (VIVIS), com 05 (cinco) subtipos, temporário (VITEM I ao XI), com 11 (onze) subtipos, o diplomático (VIDIP), o oficial (VISOF) e o de cortesia (VICOR), além do já existente visto de assistência médica (VICAM) criado pelo art. 18 da Lei n.º 12.871/2013, totalizando 20 (vinte) classificações, podendo esse rol ser ampliado mediante regulamento.

Entendemos que a criação de novas classificações por meio de ato infralegal sem exigência de lei específica, fragiliza o sistema migratório, podendo gerar diversas inconsistências em razão de do exercício constitucional do Poder de Polícia pelos órgãos de fronteira, em especial da Polícia Federal esvaziando de forma demasiada a discricionariedade para o exercício da soberania nacional, uma vez que afeta diretamente os mecanismos de controle existentes e a integridade dos dados estatísticos na formulação de políticas públicas.

Como inovação foram criados os novos subtipos de vistos de acordo com a finalidade que são: a) pesquisa, ensino ou extensão acadêmica (relacionado a atividades acadêmicas, sugerindo ser uma unificação dos antigos vistos temporário I, V e VIII); b) tratamento de saúde (que pode ser extendido ao acompanhante);  c) acolhida humanitária (não confundir com a situação de asilo ou pedido de refúgio, mas que pode concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário); d) férias-trabalho (destinado ao imigrante maior de 16 (dezesseis) anos que seja nacional de país que conceda reciprocidade ao nacional brasileiro); e) prática de serviço voluntário (anteriormente não existia previsão para o serviço voluntário em ONGs e assemelhados); e, f) reunião familiar (mediante autorização de residência);

O visto permanente (VIPER), que concedido ao estrangeiro que tenha a finalidade de fixar residência no Brasil, assume nova feição passando a ser designado pela atual norma de AUTORIZAÇÃO DE RESIDENCIA, podendo ser de natureza definitiva, provisória ou especial, nas hipóteses apresentadas na própria Lei de Migração.

Ao tratar das medidas de retirada compulsória de estrangeiros do País, a nova lei apresenta uma conceituação legal, extraída da doutrina, para os institutos da repatriação, deportação e da expulsão, uma vez que na legislação anterior, ao tratar dos referidos institutos, apenas tratava da parte procedimental de como executar as medidas.

Mas, ao tratar das medidas compulsórias, as novas regras dificultam a efetiva implementação pelos órgãos de fiscalização, uma vez que cria ônus para a União ao exigir a presença da Defensoria Pública da União para a prestação de assistência jurídica em todos os procedimentos administrativos de deportação, amplia excessivamente os prazos procedimentais, não define com clareza quem são as autoridades competentes para processamento e julgamento, a forma de execução das medidas, além da exigência de notificação pessoal ao deportando, hipótese de difícil concretização na pratica, principalmente quando se tratar de indivíduo nômade, sem endereço fixo e que busca o espaço territorial brasileiro muitas vezes com fins diversos aos declarados no ato de ingresso.

Questões relacionadas à opção de nacionalidade, condições de naturalização, perda da nacionalidade e reaquisição da nacionalidade foram tratadas de forma a simplificar a realização procedimental, entretanto, ainda carecem da respectiva regulamentação para que possam ser aplicadas.

Importante inovação no texto da lei foi a criação de políticas públicas para os Emigrantes (brasileiro que se estabelece temporária ou definitivamente no exterior), com o intuito de desenvolver uma ação governamental integrada, buscando uma maior participação da atuação diplomática e das representações consulares do Brasil no exterior. Com isso, virá a prover uma maior e melhor proteção e prestação de assistência a brasileiros no exterior, por meio da facilitação de registros e demais serviços consulares relativos às áreas de educação, saúde, trabalho, previdência social e cultura.

Dentre as medidas de cooperação no âmbito internacional, destacam-se alterações significativas no instituto da extradição impossibilitando sua concessão quando em relação ao extraditando a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos (art. 82, inc. IV, Lei n.º 13.445/2017) em contraponto à legislação anterior que somente exigia pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano (art. 77, inc. IV, Lei n.º 6.815/80), criando uma situação mais favorável ao indivíduo infrator que cometeu crime no exterior.

Ainda sobre o tema, a nova lei retira a exclusividade do Supremo Tribunal Federal para realizar a apreciação do caráter da infração, limitando-se a dizer que “caberá a autoridade judiciária competente”, não dispondo se tal autoridade seria a nacional ou a estrangeira, e no caso da nacional, qual órgão judiciário teria a competência. Mas a lei leva a crer que seja competência da Justiça Federal, em razão de seção normativa topológica própria (Seção II e III do Capítulo VIII, da Lei de Migração) que trata da transferência da execução da pena (nos casos de extradição executória) e de transferência de pessoa condenada, atribuindo competência à execução penal àquele órgão judicial.

Com relação às infrações e penalidades administrativas, a Lei de migração apesar de reduzir as hipótese de incidência dos casos que configuram infrações administrativas, alargou o aspecto subjetivo ao permitir que o responsável pela fiscalização deverá considerar além das hipóteses previstas na lei, a condição econômica do infrator, a reincidência e a gravidade da infração. Dispõe ainda que os valores pecuniários das penalidades serão atualizados periodicamente conforme estabelecido no regulamento.

Dessa forma, as novas penalidades aplicadas tendem a apresentar uma maior eficácia por serem mais severas, obrigando o estrangeiro a uma maior observância e respeito pela legislação brasileira, principalmente por parte do visitante que de forma contumaz optar por descumprir o ordenamento, uma vez que se estabeleceram valores pecuniários mais elevados.

As penas de multa variam de R$ 100,00 (cem reais) até R$ 10.000,00 (dez mil reais), nas infrações cometidas por pessoas físicas, podendo ocorrer a conversão da multa, atribuída por dia de atraso ou excesso de permanência, em redução equivalente do período de estada para o visto de visita em caso de nova entrada no território nacional. Já ara as pessoas jurídicas, as multas tornaram-se ainda mais elevadas, tendo por valor mínimo R$ 1.000,00 (hum mil reais) e podendo chegar à cifra de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais), para a prática de cada ato infracional.

Outra questão importante a se apresentar é a necessidade da Administração Pública, em todas as suas esferas e Poderes, capacitar seus servidores, empregados e prepostos, e prover os meios necessários para o efetivo cumprimento da norma, uma vez que a novel Lei de Migração institui uma situação que consideramos anômala, por literalmente obrigar que “autoridades brasileiras serão [deverão ser] tolerantes quanto ao uso do idioma do residente fronteiriço e do imigrante quando eles se dirigirem a órgãos ou repartições públicas para reclamar ou reivindicar os direitos decorrentes” do novo estatuto. Ou seja, é preciso dispor de servidores que entendam o que fala o imigrante ou dispor da presença de intérprete em cada repartição pública, para todos os idiomas dos estrangeiros.

O novo texto também apresenta mudanças na legislação penal brasileira, acrescendo o art. 232-A ao Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), notadamente com a criação de um novo tipo penal definido como “promoção de migração ilegal”o qual possui efeito extraterritorial. O dispositivo servirá como importante elemento para a repressão de crimes cometidos por bandos ou agenciadores nacionais ou internacionais que promovem dentro e fora do território nacional diversos outros crimes conexos ou não, a exemplo do tráfico de seres humanos com a finalidade de extração de órgão e a exploração sexual.

A lei modifica a atual nomenclatura do Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) que passa a ser denominado Registro Nacional Migratório (RNM), sendo que os antigos documentos permanecem válidos até que ocorra a substituição gradativa, mediante a efetivação da atualização cadastral e dos novos registros biográficos e biométricos, de caráter obrigatório a todos os imigrantes detentores de visto temporário ou de autorização de residência, que de posse do número único de identificação garantirá o pleno exercício dos atos da vida civil.

Faltou incluir no artigo sobre imigração que a lei tem prazo de 180 dias para entrar em vigor. Pelo cálculo que fiz, seria a partir do dia 21/11/2017, terça-feira.

Essas são breves considerações iniciais sobre a novel Lei de Migração que, sem esgotar o tema, tentou-se de forma simplificada apresentar as principais inovações surgidas, sempre que necessário buscando fazer um comparativo com o estatuto anterior. A lei publicada em 25/05/2017 tem um prazo de 180 dias para entrar em vigor, ou seja, em 21/11/2017. Até lá será preciso que as instituições e servidores envolvidos sejam treinados e estejam preparados para um novo cenário na imigração do País.

Nota DefesaNet

Para a íntegra da Lei incluindo os artigos cortados:

Lei de Migração – Íntegra da Lei 13.445 Link

 

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