Amazonino de Andrada – DEPOIS DA EPIDEMIA


DEPOIS DA EPIDEMIA

                         
   
Amazonino de Andrada

Em 1966, dois antropólogos brasileiros, Eduardo Enéas Galvão (1921-1976) e Mário Ferreira Simões (1914-1985), publicaram na Revista de Antropologia da Universidade de São Paulo (volume XIV) o artigo “Mudança e Sobrevivência no Alto Xingu, Brasil Central”, do qual extraio esta passagem:

“A introdução de ferramentas de ferro trouxe aos xinguanos um aumento de produtividade, reforçando uma economia de subsistência que pelas observações de Steinen já era bem equilibrada naquela época (Karl von den Steinen (1855-1929), etnólogo alemão, esteve duas vezes no Brasil (em 1884 e 1887), percorrendo o rio Xingu e seus afluentes).

Por outro lado, determinou o desaparecimento no comércio intertribal do monopólio mantido pelos Trumái e Suyá da fabricação de machados de pedra, obrigando àqueles a lançar mão de outro produto como o “sal”, também fabricado pelos Waurá.

Idêntica alteração ocorreu com a cerâmica utilitária das tribos Waurá e Mehináku, pois, com exceção das grandes panelas para manipulação da mandioca, as demais têm sido substituídas por recipientes de folha-de-flandres e alumínio. Essa importação de implementos de ferro e alumínio alterou o comércio intertribal dos artigos de pedra e barro, o qual proporcionava aos Trumái, Waurá e Mehináku um certo acúmulo de riquezas e prestígio”.

Este trecho permite numerosas considerações além daquelas especificamente antropológicas.

Primeiro: as consequências da introdução de “melhorias”, sob a ótica utilitária e finalista externa, com um produto, um patamar tecnológico, acima do então usual, provocando demandas e comportamentos sociais diferentes.

Segundo: as mudanças também alteraram relacionamentos comerciais entre as tribos e mesmo, em observações posteriores de Herbert Baldus (1899-1970, etnólogo nascido na Alemanha e falecido em São Paulo) e de Darcy Ribeiro (1922-1997), na divisão de trabalho, especialmente entre sexos, e com a ociosidade nas relações culturais intertribais.

Ainda tivemos, destas observações, relatórios das consequências nos aspectos da moral e na nutrição deste conjunto xinguano.

Estas reflexões demonstram que soluções, aparentemente lógicas e desejadas para o desenvolvimento de sociedades, precisam estar inseridas em contextos muito mais amplos de pesquisa, planejamento e observações, longe do êxito imediato e do ganho fácil.

A última grande mudança na sociedade ocidental se deu em 1990 com a queda do Muro de Berlim, o fim da União Soviética e o neoliberalismo assumindo o poder econômico, político e psicossocial. Chamaram açodadamente de “Fim da História”. O que o foi, em certo sentido, o que ocorreu: redução das pesquisas tecnológicas e investigações científicas direcionadas à produção, maximização dos ganhos financeiros e aumento da concentração de renda e do desemprego. Também se expandiram as guerras, rebeliões e conflitos regionais e consequentes ondas de emigração.

Antes da eclosão do Covid 19, vivíamos o ambiente de mais uma crise financeira, cuja última, em 2008/2010, carreara para os bancos privados, último destino, impressos ou virtuais, mais de 22 trilhões de dólares estadunidenses dos tesouros dos Estados Unidos da América (EUA) e dos países da Europa Ocidental, oriundos dos tributos pagos pelas pessoas físicas e jurídicas.

Para que se tenha um valor comparativo a esta trilionária transferência, o PIB brasileiro, em 2019, foi da ordem de US$ 1,73 trilhões, ou seja, quase treze produtos internos brasileiros foram dados ao sistema financeiro internacional.

Para que esta realidade pudesse ser construída e mantida foram necessárias duas alterações na situação então vigente: a mudança da linha condutora dos Estados, de Estados Nacionais para Estados Mínimos, e o aumento das tecnologias de controle social, como da identificação facial.

É portanto indispensável se conhecer o mundo onde se instalou a epidemia transmitida pelo corona vírus para entender possíveis rumos e consequências.

Quanto à área econômica nem precisamos aguardar. Os países, e o Brasil não é exceção (PEC 10/2020, orçamento de guerra), destinam ainda maior parcela de seus recursos para o sistema financeiro que, na forma do costume, os aplicará em títulos públicos, de ganho garantido, fazendo um círculo vicioso, ou investirá em especulações de baixíssimo risco, pois estão majoritariamente garantidas pelo Estado. O Estado Mínimo é exatamente isso, só cuida da finança, onde é máximo, e ignora a saúde, a educação, a segurança, a mobilidade urbana e a habitação, onde é mínimo.

Mas, para as finanças, apenas mais do mesmo? O que pode ser diferente?

O avassalador fator demográfico, as migrações, desempregos levarão ao controle de pessoas e grupos, cada vez maior e mais sofisticado, e às guerras localizadas, regionais. E estas atividades absorverão grande parte dos orçamentos, competindo com as finanças transnacionais, apátridas.

Os confinamentos ao redor do mundo foram um teste dos alcances e reações à opressão. Não imposta contra a população, mas por esta entendida como um benefício. Muito será investido no setor psicossocial para instalar e manter, sem força físico-armada, controles dos espaços para deslocamentos. Isso não será novo, terá sustentação nos terrorismos, nas violências urbanas, nas invasões de populações emigrantes.

E pode ser instrumento de transferência de renda, sendo estes controles privatizados, contratados pelos Estados Mínimos. Este conjunto pode ser uma das consequências do vírus.

Aspectos geopolíticos, das relações internacionais e das políticas e comportamentos sociais serão objeto de próximas reflexões.

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