Reinaldo Azevedo
Vou fazer aqui, leitores, uma pergunta que não tem resposta. Ou tem. Vamos ver. Que artigo da Constituição está a salvo da vontade de uma maioria do Supremo? Resposta: nenhum! A qualquer momento, um dos doutores pode se insurgir contra o que está escrito. Se arrumar ao menos mais cinco que concordem, pronto! Aquilo que conhecemos por Carta Magna vale hoje menos do que as regras do seu condomínio.
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Nota DefesaNet
Recomendamos a leitura do Editorial DefesaNet "Os Homens de Preto" |
Nesta quinta, um trecho do Artigo 102 foi pelos ares. Na Alínea b do Inciso I está escrito que compete ao Supremo “processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”.
Observem que a Carta não especifica se os crimes foram cometidos antes ou depois do mandato ou a sua natureza. Mas Roberto Barroso, que chamo “O Licurgo de Ipanema”, resolveu propor uma Questão de Ordem, estabelecendo que, no caso dos membros do Congresso Nacional, o foro segue sendo o Supremo apenas para crimes cometidos no curso do mandato e em razão deste.
Três ministros discordavam da proposição inteira de Barroso porque entendem que cabe ao Congresso mudar a Constituição, a saber: Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. É o que eu também penso. Mesmo assim, votaram parcialmente com o relator porque já se sabiam vencidos. Tentaram evitar o mal maior. Não conseguiram.
No caso, os três haviam aderido ao voto de Alexandre de Moraes, que concordava com a proposta de que os crimes anteriores ao mandato não devem ser julgados pelo Supremo, mas considerava contraproducente a definição sobre se o delito guarda ou não relação com o mandato. Para ele, tendo ocorrido no seu exercício deste, a competência para processar e julgar teria de ser do Supremo. E tem razão nesse particular. Afinal, quem vai fazer essa definição? Resultado: há o risco de o STF ser acionado para dirimir a dúvida.
Assim, na aritmética meio burra, pode-se dizer que o Supremo aprovou por unanimidade que o tribunal julgará deputados e senadores no caso de crimes comuns que lhes são imputados no curso do mandato. E a segunda parte da tese também venceu: a Casa será o foro apenas para os crimes cometidos em razão da função. Nesse caso, o placar foi de 7 a 4.
Assim, o foro especial foi mitigado para 594 das quase 60 mil que o detêm. Arredondando, estamos falando de apenas 1%. A Câmara reagiu, corretamente a meu ver, e decidiu tomar as providências para votar Proposta de Emenda Constitucional, já aprovada no Senado, que extingue o foro especial, mantendo-o apenas para os respectivos presidentes dos Três Poderes e procurador-geral da República.
Haverá, podem apostar, um aumento da impunidade. Não são poucos os deputados e senadores que preferirão ser julgados nos seus respectivos Estados porque exercem influência sobre o Judiciário local, seja estadual, seja federal. Também estão abertas as portas à perseguição política disfarçada de rigor penal.
Eu lhes faço de novo a pergunta: existirá algum artigo da Constituição que esteja a salvo do Supremo? A resposta é “não”! Em que democracia do mundo uma corte suprema toma decisões contrariando o que está explicitamente definido na Constituição? Resposta: em nenhuma!
Em que país do mundo um tribunal considera inconstitucional uma determinada medida quando nada na Carta nem mesmo o sugere? Resposta: em nenhum! Em que lugar do mundo o guardião da Lei Maior promove um estupro coletivo contra o ente que está sob sua proteção e que também o rege? A resposta é “nenhum” outra vez.
E, meus queridos, se a Constituição não existe, então tudo é permitido e depende da maioria de ocasião do Supremo. O nome disso é insegurança jurídica.




















