Paula Schmitt – A irrelevância da realidade e a queima de arquivo

Frame do filme “1984”, de Michael Radford, adaptado da obra literária de George Orwell: controle supremo vem da negação do que se vê e do que se ouve, escreve a articulista

Esquerda e direita favorecem uma mesma classe dominante; apagamento de informações mostra quem está de cada lado, escreve Paula Schmitt

Frame do filme “1984”, de Michael Radford, adaptado da obra literária de George Orwell: controle supremo vem da negação do que se vê e do que se ouve, escreve a articulista

Paula Schmitt
Poder 360
6 Abril 2023

Já faz um tempo que as pessoas mais perceptivas entenderam que as palavras esquerda e direita deixaram de fazer sentido como definições ideológicas. A esquerda hoje é defensora dos grandes monopólios, das farmacêuticas, apoiadora da censura, da criminalização do pensamento, da tirania sanitária e de ações intrínsecas ao nazismo, principalmente a demonização racial e desumanização coletiva baseada na etnia. A direita, por sua vez, parece vir se dando conta de que o poder financeiro exacerbado, sem limites, cresce o suficiente para comprar organizações supranacionais, governos, tribunais judiciais, e engolir os concorrentes de um mercado que já deixou de ser livre há anos.

A confusão pode ter sido minha, claro, que insisti em me associar a uma esquerda que provavelmente nunca existiu. A esquerda que eu seguia usava um único adereço: um anelzinho de côco, um enfeite propositalmente simples que em sua irrelevância pecuniária significava desprendimento e um certo desprezo por sinais de riqueza e ostentação. A minha esquerda pagava o imposto a César sem nunca deixar de dar um dízimo a quem mais precisava. Ela não precisava aguardar uma utopia inatingível para que seu entorno melhorasse. Ela dava gorjeta, ajudava o pobre, mas acima de tudo defendia a educação que liberta o indivíduo das amarras invisíveis da estupidez. Esse era o verdadeiro empoderamento do indivíduo, um tesouro que ninguém lhe poderia roubar –o conhecimento, a capacidade de raciocínio lógico e o pensamento crítico. A minha esquerda defendia essa liberdade mais recôndita e infinita: o indivíduo como a minoria mais sagrada, e sua plenitude como o valor mais universal.

Escrevendo isso agora eu me sinto meio boba. Confesso, com bastante vergonha, que até poucos anos atrás eu não tinha ouvido a palavra Holodomor. Mas meu erro pode ter sido outro ainda maior. Eu não errei simplesmente em achar que a caridade, a bondade, a justiça e a igualdade de direitos eram valores da esquerda –eu errei em achar que esses valores eram exclusivos dela. Mas há algo ainda mais torto que precede esse (auto) engano: eu acreditei em uma divisão artificial onde nuances relevantes foram propositalmente obliteradas para um objetivo comum nesse binarismo de conveniência: a concentração de renda e poder.

Essa foi minha grande epifania, e admito que ela pode se desfazer na mesma lentidão com a qual se formou: esquerda e direita diferem em mil coisas, mas ambas facilitam exatamente o mesmo resultado –a criação de uma classe superior que controla a tudo e a todos. Essa classe suprema, pela sua própria posição e domínio antinatural, tem uma condição obrigatória à hierarquia monstruosa cujo cume ela ocupa: sua inferioridade moral.

No caso da esquerda, essa concentração de renda se dá com a ajuda do Estado e das compras que alimentam monopólios amigos com dinheiro público, enquanto estrangulam os concorrentes. O governo, neste caso, é mais que um atravessador: ele é o deus que decide quem sobrevive e quem morre. Aqui eu dou 2 exemplos de como o Estado serve para transferir a renda de milhões de pagadores de impostos para uma meia dúzia de comparsas: o caso da “distribuição gratuita” de absorventes menstruais, e o caso do remédio que previne a aids sem ter diminuído o número de aidéticos, e que ainda requer o uso de camisinha e precisa ser tomado para toda a vida, ao custo de mais ou menos US$ 2.000 por mês.

No caso da direita, a concentração de renda e poder se dá de um jeito diferente, pretensamente oposto: com a ausência de regulações e do Estado, permitindo aos piores e mais desonestos a supremacia destrutiva sobre aqueles que jogam limpo. Em ambos os casos, os vencedores são os mesmos. É sempre assim com os gerenciadores da luta: eles invariavelmente vencem, independente de quem ganha.

Mas enquanto direita e esquerda vão perdendo a falsa nitidez que lhes delineava, existe uma divisão que vem se tornando cada vez mais irrefutável, algo tão dramático e radical que em outros tempos seria necessária a segregação física para tornar tal separação possível: de um lado estão as pessoas que habitam a realidade e dela se alimentam, orientando-se pelos 5 sentidos no mapa da razão; do outro lado há um grupo de pessoas que abriram mão de suas faculdades mentais, transferindo seu discernimento para as mesmas agências de publicidade que há décadas lhes dizem que roupa usar, que marca fumar, que porcaria comer. Esses autômatos, contudo, foram a um nível impensável no fosso da vacuidade: elas não apenas deixaram de pensar, deliberar, refletir. Elas deixaram de ver, ouvir, sentir.

No livro “1984”, de George Orwell, o Estado totalitário controla tudo e todos: o que comem, o que leem, o que sentem. Mas o controle supremo e absoluto é descrito em uma ordem: “O partido lhe disse para rejeitar as evidências dos seus olhos e ouvidos. Este foi seu comando final, e o mais essencial”. Isto descreve a distopia que estamos vivendo, mundos paralelos que não se encontram, separados pela cisão mais profunda e intransponível: metade das pessoas se transformaram em uma espécie sub-animal que nega mesmo o que vê e o que ouve, e transfere a um poder superior o controle sobre os seus sentidos. Não se trata mais de meramente terceirizar a interpretação dos fatos –metade do mundo hoje terceiriza os seus sentidos mais imediatos, e aceita voluntariamente uma cegueira que espécies mais avançadas, como o cavalo, só toleram à força, com o uso de antolhos.

Os exemplos desse pesadelo filosófico e existencial são inesgotáveis nesse esgoto intelecto-moral no qual a sociedade se afunda: você hoje pode “congratular as mulheres” por terem quebrado um recorde na natação, mesmo que o recorde tenha sido quebrado por um “ex-homem” com pênis e um par de testículos; podemos ver adolescentes escapando de punição depois de cometerem um homicídio a sangue frio (porque eles não teriam a capacidade de discernimento e a responsabilidade por suas escolhas), enquanto crianças ainda mais jovens são consideradas responsáveis, maduras e autônomas o suficiente para se automutilar em uma operação irreversível que trará consequências incalculáveis para a vida inteira; você, mulher, será acusada de racismo e apropriação cultural se usar no Carnaval um cocar de índia feito na China, mas, se um homem colocar uma peruca e salto alto e disser que se entende como mulher, ele tem o direito de ocupar o seu espaço literal e fisicamente, expropriando seu banheiro, suas conquistas profissionais, esportivas, intelectuais; uma “vacina” que não salva, não impede o contágio e pode ter sérios efeitos colaterais é citada pelo Governo Federal da Ignorância Suprema como sendo crucial para a “proteção de todos”; e um remédio tomado por 2 dos maiores médicos do Brasil, David Uip e Roberto Kalil, que se medicaram com a demonizada cloroquina para salvar suas vidas, é tratado pela influencer Natalia Pasternak como uma farsa médica, e a metade de gente de inteligência sub-humana a qual me referi acima prefere acreditar na palavra e ignorar o ato, dando mais valor ao que uma pessoa diz do que ao que 2 ilustres médicos usaram em si mesmos.

Para terminar, gostaria de propor uma reflexão aos que ainda são capazes de fazê-la. No mês de março, duas das maiores celebridades no mundo da irrealidade –a já referida Natalia Pasternak e Pedro Hallal– apagaram tudo que disseram no Twitter por anos. Esses 2 foram atores principais numa das farsas mais tristes já encenadas no Congresso Nacional: a CPI da Pandemia. Hallal é especializado em Educação Física. Pasternak é microbiologista que já defendeu o glifosato, usado pela Monsanto (o glifosato é a base do Roundup, aquele pesticida que obrigou a Bayer, nova proprietária da Monsanto, a pagar indenizações de US$ 10 bilhões por provocar linfoma de hodgkins, segundo esta reportagem do New York Times) A Bayer é aquela empresa que fez dinheiro vendendo plasma sanguíneo contaminado com HIV, mesmo sabendo da contaminação, como eu conto aqui.

Natalia insiste que a associação entre o glifosato e o câncer “já foi extensivamente explorada por grupos ativistas e pela mídia”, mas é “não-científica”. Ao contrário, como ela explica neste artigo de 2018, as evidências científicas supostamente “sempre apontaram no sentido oposto”. Certamente Natália tem mais conhecimento que a justiça norte-americana e os advogados contratados para defender a empresa.

Quem quiser saber um pouco mais, aqui está um artigo publicado na CBS News sobre um estudo francês que mostrou camundongos com tumores irrefreáveis depois de uma dieta com produtos geneticamente modificados. Eu já escrevi sobre a Monsanto aqui, aqui e aqui.

Voltando à reflexão que proponho, nos últimos 3 anos a metade realista do mundo foi acusada de genocídio pela metade irrealista, aquela que vive num metaverso onde a verdade perdeu a relevância. Foram 3 anos em que pessoas como eu foram acusados de genocídio, anticiência, nazismo, fascismo, terraplanismo por se recusar a tomar a vacina-que-não-impede-o-contágio e optar por remédios considerados essenciais e seguros pela OMS e pelo Senhor da Razão. Num paralelo com um genocídio real, o Holocausto, eu teria sido o nazista, enquanto Hallal e Pasternak teriam sido os judeus, as vítimas da ignorância, os perseguidos que tentaram evitar um dos piores crimes da humanidade.

Mas agora pergunte-se: por que essas pessoas que supostamente tentaram salvar o mundo iriam optar por apagar os registros desse trabalho tão valoroso? Por que eles iriam escolher deletar a prova de que estavam do lado certo da História quando a História se revelar para os seus netos? Por que eles iriam queimar as evidências de que foram heróis? Não deveria ter sido eu, Paula Schmitt, negacionista anticiência (como dizem esses panfletos da imprensa marrom-banheiro aqui e aqui) que deveria ter apagado os rastros?

Ora, a resposta é óbvia: quem quer manter a história viva e a memória intacta são sempre as vítimas, que esperam no futuro conquistar reparação. Quem sempre apaga as evidências são os criminosos. Qualquer pessoa que lembra a história, para que a história não se repita, sabe que os nazistas fizeram questão de queimar tudo que podiam antes de os aliados chegarem e a verdade ser exposta em Nuremberg

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