Os candidatos e a Defesa Nacional

 

Pedro Paulo Rezende

Pela primeira vez na história, a eleição presidencial trará poucas consequências aos programas de reequipamento das Forças Armadas e às questões ligadas à política de defesa nacional. A reeleição de Dilma Rousseff, dará continuidade a um processo de reequipamento que segue na Marinha, no Exército e na Aeronáutica. Aécio Neves, se for o vencedor, teria pouca margem de manobra, uma vez que leis aprovadas pelo Congresso Nacional consolidaram o Ministério da Defesa e institucionalizaram a estratégia e os projetos de aquisição para os próximos 20 anos.

Fruto do esforço continuado de dois ministros, Nelson Jobim e Celso Amorim, ex-chanceler brasileiro, a legislação aprovada é bastante abrangente e será reforçada pelo Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED), que se encontra em preparação. O segredo desta revolução silenciosa é a prevalência do poder civil sobre o aparato militar.

O Ministério da Defesa foi administrado de forma amadora até a chegada de Nelson Jobim, que impôs um estilo midiático e autoritário aos chefes militares, avessos ao comando civil. Com forte ligação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu articular a elaboração da Política de Defesa Nacional e da Estratégia Nacional de Defesa — trabalho executado pelo ex-secretário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger —, que estabeleceram as linhas mestras do setor.

Celso Amorim chegou para consolidar este processo. Empenhou-se na tarefa de preparar o Livro Branco de Defesa, aprovado pelo Congresso em 2012, que teve mais de 900 emendas de seu punho. É um rol de tarefas práticas a serem implantadas até 2016. Com base neste documento, foram implantadas ações importantes no sentido de revitalizar a indústria bélica brasileira, com a criação de uma série de incentivos fiscais e de linhas de crédito científico-industriais por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC) a e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep/MCTI).

O Estado Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) também desenvolveu uma doutrina eficiente de operações que não se restringe aos militares, mas abarca uma forte coordenação com a estrutura de segurança do governo, incluindo as polícias de cunho federal e estadual, Receita Federal e, até mesmo, o IBAM.

PAED

Ao assumir a pasta da Defesa, o ex-ministro de Relações Exteriores encontrou uma situação complexa. Até então, cada força preparava seus próprios requerimentos sem se importar em adequá-lo ao das outras forças. Desta forma, só para citar um exemplo, há três modelos de fuzis em serviço na Marinha, no Exército e na Aeronáutica.

Ainda na gestão de Nelson Jobim, foram apresentados 850 programas de reequipamento das forças armadas ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Amorim determinou a criação de uma sistemática que realmente coordene os esforços. O PAED ainda não está pronto, mas, hoje, trabalha-se com apenas 75 projetos.

Um dos resultados dessa nova sistemática será o deslocamento dos programas, hoje conduzido pelas forças, para a esfera do Ministério da Defesa.
Possíveis mudanças

O orçamento do Ministério da Defesa é um alvo tentador para um governo que preze a austeridade fiscal. É o quarto maior da União, antecedido apenas pela Seguridade Social, Educação e Saúde. A eficiência da diplomacia brasileira, ao longo dos séculos, e a consolidação da União das Nações Sul-Americanas tornaram remotas hipóteses de conflito no subcontinente.

Dentro desse quadro, para alguns economistas conservadores, restaria um único papel para as Forças Armadas: o de polícia de fronteiras. Esta visão simplista ignora a necessidade de proteção da Amazônia Azul e dos imensos recursos do Pré-Sal e a presença brasileira no cenário internacional, principalmente em operações de manutenção de paz.

É verdade que há pouca margem de manobra. Setenta por cento do total previsto vai para o pagamento de pessoal (sendo que 49% destinam-se a cobrir os salários da Reserva e as pensões). Apesar disso, nos últimos três anos, empenhou-se muito esforço para o desenvolvimento da Base Industrial de Defesa. Programas com forte transferência de tecnologia — como o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), o Programa de Obtenção de Meios de Superfície (PROSUPER), o F-X2 e o PANTSIR S1 — são mais caros que a compra direta. Como benefício, além de permitir o desenvolvimento de conhecimento que poderá ser empregado no setor civil, a atual política gera empregos, mas não faltam ofertas de oportunidade, principalmente dos Estados Unidos, interessados em recolocar o Brasil em sua esfera de influência.

Com as compras de oportunidade, as necessidades de material, principalmente na Marinha e na Força Aérea, poderiam ser supridas mais rapidamente, ao custo de não mais se viabilizar a Base Industrial de Defesa.

Há mais um aspecto que poderia nos conduzir a este rumo: o embaixador Rubens Barbosa, principal assessor de Aécio Neves na área de política externa,  é um grande defensor da aproximação com os Estados Unidos. Em artigos e entrevistas, já manifestou o desejo de uma política externa que ele classifica de mais pragmática, com a aceitação dos protocolos adicionais ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR).

Outro ponto que sofreria um refluxo seria a da institucionalização do BRICS, considerada pelo governo atual como peça imprescindível para a criação de uma ordem mundial multipolar. Rubens Barbosa quer se aproximar da União Europeia e de Washington, que ocupam proporções cada vez menores em nossa balança comercial. Há um enorme potencial de cooperação com África do Sul, China, Índia e Rússia nas áreas de tecnologia espacial, militar e nuclear (para uso civil), que poderia ser sacrificado.

Conclusão

A institucionalização da defesa nacional, sem dúvida nenhuma, será reconhecida pelas gerações futuras como um dos maiores feitos dos governos do Partido dos Trabalhadores, mas um Congresso submisso e uma sociedade omissa poderiam não ser capazes de impedir eventuais retrocessos diante do esforço de autoridades econômicas voluntariosas.

Há muito em jogo. Se o processo atual for interrompido, boa parte das Forças Armadas brasileiras perderá completamente a efetividade. A maior prejudicada seria a Marinha, mas haveria fortes reflexos no Exército e na Aeronáutica. Serão perdidos algo em torno de 100 mil empregos de alta tecnologia, como ocorreu no governo de Fernando Collor de Mello.

A base de apoio a Aécio Neves está consciente da necessidade de reequipamento das Forças Armadas. Nos últimos 12 anos, participou de maneira leal e ativa na aprovação de todas as leis necessárias para viabilizar o processo de reformulação das Forças Armadas e de criação da Base Industrial de Defesa. Tudo depende, no entanto, de quem ocupar o Ministério da Fazenda e a chave do cofre.

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