BREMMER – O lugar do Irã no mundo

Ian Bremmer

Doutor em ciência política, é presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA

 

Não faz muito tempo, as coisas pareciam estar indo bem para o Irã. O pacto nuclear acordado por seu governo em 2015 com EUA, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha revogou as sanções pesadas, permitindo um aumento acentuado na produção petrolífera do país.

Liberou o acesso a bilhões de dólares em bens congelados por muito tempo. Empresas europeias chegaram ao Irã procurando fazer negócios. A economia do país começou a melhorar. A expectativa do público por dias melhores elevou os ânimos.

O ambiente geopolítico do Irã também estava melhorando. Barack Obama não favorecia a Arábia Saudita, principal rival regional do Irã, do mesmo modo como haviam feito presidentes americanos anteriores, especialmente desde a revolução iraniana de 1979. E ele tampouco tinha uma relação tão cordial com Israel. 

Após anos de guerra civil, o mais importante aliado regional do Irã, o ditador sírio, Bashar al-Assad, havia comprovado a resiliência de seu regime. A guerra saudita contra os aliados houthis do Irã no Iêmen não ia bem. O equilíbrio de poder no Oriente Médio parecia ter se deslocado fortemente a favor do Irã.

Então Donald Trump entrou em cena. Primeiro o presidente americano procurou se diferenciar de seu predecessor com uma adesão plena e declarada à Arábia Saudita e seu jovem e ambicioso príncipe herdeiro, Mohammad bin Salman. As declarações de Trump em relação ao Irã começaram a ecoar cada vez mais as do premiê israelense, Binyamin Netanyahu. Então, como não poderia deixar de acontecer, Trump cumpriu suas ameaças de tirar os EUA do acordo nuclear com o Irã.

Já houve protestos irados no Irã em torno da inflação elevada, alto índice de desemprego, cortes nos gastos públicos e corrupção, com a economia crescendo menos que o prometido.  Agora a volta das sanções e um desaquecimento econômico agudo vão agravar muito a situação. Dois dias antes do anúncio de Trump sobre o acordo nuclear, o Fundo Monetário Internacional avisou que a reimposição das sanções colocará em risco todo o sistema bancário do país. O sentimento de medo presente no Irã é palpável.

Muitos iranianos agora temem a volta dos tempos de dificuldade. Durante os anos das sanções (2010-2015), a economia iraniana passou de um crescimento de 6,6% do PIB em 2010 para uma retração de 1,5% em 2015.  Antes de Trump anunciar a retirada dos EUA do acordo nuclear, a previsão de crescimento da economia era de 4,3% este ano. Essa cifra agora já foi descartada.

 

Líderes europeus, indignados, prometeram manter o acordo nuclear sem a participação de Washington, mas as primeiras evidências sugerem que empresas europeias e outras vão se afastar do Irã para evitar o risco de perder acesso ao mercado americano, muito mais lucrativo. As sanções não voltarão por vários meses ainda, dando tempo para o Irã atender às exigências dos EUA de alterações no acordo nuclear e uma postura menos combativa em relação à Arábia Saudita, Emirados Árabes e Israel. 

Mas é pouco provável que o Irã faça concessões, já que os setores iranianos que se opõem ao pacto exercem influência importante nessas áreas de política pública. A posição regional do Irã também parece estar se enfraquecendo. Israel lançou ataques aéreos letais contra instalações militares iranianas na Síria e já deixou claro que o fará novamente.

A Rússia, ansiosa por consolidar sua própria presença política e econômica na Síria, não é avessa à pressão sobre seus concorrentes iranianos. Dentro do Irã, o clima é de ansiedade crescente. O presidente Hassan Rowhani apostou sua credibilidade no acordo nuclear e no impulso positivo que, para ele, o pacto daria à estagnada economia nacional. 

 

 Greve de caminhoneiros que persiste há semanas no Irã.

 

A linha dura iraniana, interessada em evitar uma abertura econômica que pode afrouxar seu controle sobre boa parte da riqueza do país, se compraz em ver o pacto nuclear e o próprio Rowhani desacreditados. É muito possível que a frustração converta o Irã em um ator regional mais agressivo e menos previsível. O país já está envolvido na política da Síria, do Líbano, Iraque e Iêmen.

As ameaças de ataques com mísseis, drones e ciberataques contra alvos sauditas, especialmente as instalações energéticas desse país, continuam. As forças iranianas e dos EUA vão se olhar com desconfiança, especialmente no estreito de Ormuz. Mas é na Síria, uma arena em que atuam forças sírias, Rússia, Irã, Turquia, Israel, Arábia Saudita, curdos e jihadistas, que podemos prever o maior risco de confronto. O curinga iraniano só vai elevar o perigo desse risco.

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