O novo papel das Guardas Costeiras no mundo


O novo papel das Guardas Costeiras no mundo
 

   Roberto Lopes
Jornalista especializado em assuntos militares.
Em 2000 graduou-se em Gestão e Planejamento de Defesa
no Colégio de Estudos de Defesa Hemisférica
da Universidade de Defesa Nacional dos Estados Unidos, em Washington.
Em maio deste ano lançará o livro “As Garras do Cisne”,
sobre o programa de expansão da Marinha do Brasil.

    
Foi preciso que 17 marinheiros morressem no atentado à bomba contra o costado do destróier “USS Cole” – que no momento do ataque, em outubro de 2000, se encontrava em faina de reabastecimento no porto iemenita de Áden –, para que a Marinha dos Estados Unidos fizesse a revisão dos seus procedimentos de segurança em zonas de alto risco – e convocasse a Guarda Costeira a organizar um sistema de defesa para embarcações e forças-tarefa em missão longe de casa.

A partir da tragédia do “Cole” – uma investida de terroristas suicidas reivindicado, mais tarde, pela Al Qaeda –, os deslocamentos de unidades da US Navy passaram a ser vigiados por navios da US Coast Guard ou por simples botes pneumáticos da corporação, dotados de metralhadoras pesadas, que fazem a proteção diuturna das embarcações enquanto elas estão atracadas ou fundeadas.

Os americanos também descobriram que as tripulações da Guarda Costeira são ótimas para ministrar ensinamentos ao pessoal das forças navais de países menores, sem expressão no equilíbrio naval internacional.

Esses quadros normalmente requerem apenas treinamento para combater piratas modernos (seqüestradores e ladrões, na maior parte das vezes), traficantes de tóxicos e contrabandistas de armas equipados de lanchas velozes.

A República Popular da China – potência naval emergente com ambição de estender a presença de sua frota de guerra por todos os oceanos do globo – confere à sua Guarda Costeira uma importância ainda maior que a atribuída por Washington.

Os militares chineses se apropriaram de uma flotilha de embarcações de polícia ambiental, antes dedicada à prevenção de incidentes com potencial de causar impacto ambiental, e a missões de salvamento em situações de emergência, e a vêm transformando em uma força de proteção marítima na acepção da palavra.

Há pouco mais de um ano – em janeiro de 2013 –, essa nova corporação incorporou um navio de patrulha oceânica de 4.000 toneladas – deslocamento equivalente ao das fragatas da esquadra brasileira.

O superpatrulheiro é dotado somente de canhões de tiro rápido e de metralhadoras pesadas, mas transporta sofisticados radares de varredura de superfície e de vigilância aérea, além de helicóptero e lanchas de abordagem. Suas máquinas o impulsionam a velocidades de até 36 nós horários, e nos compartimentos internos ele pode transportar centenas de pessoas, que podem ser simples vítimas de desastres naturais, mas também fuzileiros navais completamente equipados – para a tarefa de desembarque em alguma ilha do Mar do Sul da China.

O que mais chama a atenção é que essa nova classe de navio parece ter sido projetada para permanecer um bom tempo longe do porto. O barco carrega víveres e combustível que lhe dão autonomia de, pelo menos, três semanas. Além disso, está dotado de aparelho de dessalinização da água do mar e de sistemas de geração de energia que asseguram elevada manobrabilidade e marcha contínua mesmo em meio a tempestades.

De acordo com informações que chegaram ao Ocidente, a nova Guarda Costeira chinesa será dotada de várias dezenas de embarcações com tonelagens que irão variar entre 1.500 e 12.000 toneladas – nesse caso, um navio porta-helicópteros, equipado com convés de vôo capaz de suportar, simultaneamente, ao menos duas operações de pouso ou decolagem.

Outra informação que vazou para os vizinhos asiáticos da China e para as Marinhas ocidentais: a Guarda Costeira chinesa considera que a proteção de suas “águas costeiras” se estende por mais de mil quilômetros a partir do território continental da China, perímetro que engloba diversos arquipélagos considerados por Pequim “áreas estratégicas”…

O Ocidente já entendeu: para evitar ser acusada de enviar patrulhas militares em defesa de territórios insulares cuja soberania disputa com o Japão e a Coréia do Sul, a China está encorpando uma esquadra “à paisana”, uniformizada de Guarda Costeira.
Esse artifício político também vem sendo usado na América do Sul.

Ano passado, ao examinar com a diplomacia chilena medidas capazes de reduzir a repercussão da transferência à soberania peruana de uma área marítima antes sob jurisdição do Chile, diplomatas do governo de Lima concordaram em providenciar que a Marinha de seu país evitasse mandar unidades da sua frota de guerra à região recentemente recuperada (por meio de uma decisão da Corte Internacional de Justiça de Haia).

Em consequência desse acordo, os almirantes peruanos procederam a reclassificação de duas de suas fragatas classe Lupo como “navios-patrulha oceânicos”, e as transferiram para a Guarda Costeira peruana. As Lupo “rebaixadas” perderam os seus lançadores de mísseis e outros equipamentos que caracterizam uma fragata de emprego geral. Ficaram nos barcos só os canhões e as metralhadoras. A primeira dessas unidades já patrulha a nova área marítima do Peru, arvorando as identificações e estandartes da Guarda Costeira local.

A Marinha do Brasil rejeita a criação de uma Guarda Costeira no país, com medo de perder para a nova corporação a receita que aufere hoje, das taxas portuárias, tributos e emolumentos derivados dos diferentes serviços de vistoria e formação profissional que seus militares exercem em zonas litorâneas de todas as dimensões e características geográficas. A arrecadação é considerada vital para o custeio da rede de postos de fiscalização – que funciona ao amparo dos atuais Distritos Navais –, e também, em certa medida, ao investimento obrigatório em manutenção de embarcações e apoio logístico em terra.

Há, contudo, outras questões que entorpecem uma ação objetiva no rumo da implantação de uma Guarda Costeira no país.

A Força Naval brasileira argumenta que se tiver que ceder a um serviço de guarda-costas os navios dos seus Grupamentos de Patrulha Naval, e ainda a estrutura da atual Diretoria de Portos e Costas, perderá – além dos vultosos recursos originários das taxas cobradas pela utilização de auxílios à navegação e pelo ensino profissional marítimo – parte importante da sua capacidade operacional.

E isso não é tudo. Parcela expressiva da oficialidade egressa da Escola Naval parece dominada por um sentimento bem pouco marcial que a leva a repelir a ideia da Guarda Costeira: o ciúmes. A ideia inaceitável do surgimento de uma segunda corporação guardiã dos mares, incumbida de prover a segurança da navegação e de assegurar a salvaguarda da vida no mar.

Esses oficiais preferem se sujeitar a perseguir pilotos de jet-ski alcoolizados no Lago Paranoá, em Brasília, ou a ter que fazer o “patrulhamento” da orla de Copacabana durante algum show popular, ou ainda cumprir o papel de fiscal de embarcações pesqueiras miseráveis no extremo norte do litoral amapaense, a permitir que uma organização de polícia marítima moderna – dotada do adequado serviço de Inteligência – faça isso no lugar deles.

O assunto Guarda Costeira virou tabu dentro da Marinha do Brasil, e uma dor de cabeça (com os almirantes) que sucessivas administrações do PT têm preferido evitar. Mas como tudo que encontra respaldo na realidade dos fatos e na sensatez, também ele transformou-se em uma ideia teimosa, que se recusa a morrer.

É o que veremos, em um de nossos próximos artigos.

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