METRALHADORA MAXIM – A Rainha da Morte

Frederico Aranha – Pesquisador Independente

aranha.frederico@outlook.com

Advertência: tradução livre

 

No anoitecer de 25 de outubro de 1893, uma coluna de 700 homens da British South Africa Police – BSAP (Polícia Inglesa da África do Sul) acampou numa posição defensiva nas margens do rio Shangani, na antiga Rodésia do Sul, hoje Zimbabwe. Enquanto dormiam, Lobelunga, rei da tribo dos Matabele, enviou uma força de 6.000 homens armados com lanças, vários deles com fuzis de ação simples Martini-Henry tomados às forças britânicas em embates anteriores, ordenando um ataque à coluna.

Esta, contava entre suas armas com cinco metralhadoras pesadas Maxim. Ao amanhecer, o corneteiro deu o alarme, as Maxim entraram em ação e o resultado foi devastador. Cerca de 1.500 dos homens Matabele foram massacrados, ao passo que os ingleses sofreram somente quatro baixas. Iniciava a chamada Primeira Guerra Matabele.

A julgar pelo número de mortos em ação, os britânicos não só comprovaram a eficiência da metralhadora Maxim, bem como o potencial dela como arma de guerra psicológica. Em consequência do massacre vários chefes militares dos Matabele se suicidaram.  Dessa forma, a atuação das Maxim foi transcendental. C.J. Chivers no seu livro The Gun, em que aborda a história das armas de fogo automáticas no século XX, sugere que o número de baixas dos atacantes é exagerado:

 A verdade é que algumas centenas de homens com umas poucas Maxim, haviam vencido um rei e seu exército e destroçado o moral dos chefes inimigos. A empresa de Hiram Maxim não corria perigo.

A Iª Guerra Matabele viu, pela primeira vez, o uso da Maxim num campo de batalha e ela demonstrou ter um impacto decisivo. Em condições as mais desfavoráveis possíveis, tais como terreno montanhoso ou acidentado, ou densa vegetação, ausentes bons campos de tiro, o emprego da metralhadora Maxim causou um número baixo de mortes. Mas, como arma psicológica foi verdadeiramente fenomenal. Gerou um terror tal nos nativos, que passaram a julgar a Polícia Inglesa da África do Sul invencível. Num engajamento, por exemplo, uma unidade de 50 soldados com quatro Maxim desbaratou 5.000 guerreiros Matabele.

O invento de Maxim levou a morte ao campo de batalha em escala industrial. A Maxim, mais que nenhuma outra arma desenvolvida entre o final do século XIX e o início do XX, é responsável por mudar para sempre a natureza da guerra. A formação British square (quadrado britânico) e a afamada Thin red line (linha vermelha delgada), relativa à potência de fogo da infantaria em ordem cerrada, tornaram-se obsoletas.

Quando a metralhadora Maxim abria fogo a uma cadência de mais de 500 disparos por minuto, a tática dos soldados que marchavam e disparavam em linha se convertia em suicídio. Agora em diante o infante teria de correr e zigzagear, confiando na sua capacidade para escapar ao fogo adversário e cair sobre o inimigo. Quer dizer, passou a prevalecer a manobra e o fogo ao choque.

A história da metralhadora Maxim tem dois capítulos. O primeiro abrange a etapa em que foi a arma eleita pelos britânicos para ajudá-los a expandir seu império no final do século XIX. A devastação provocada por essa arma durante a Iª Guerra Mundial, constitui o segundo capítulo. Porém, para compreender realmente essa arma é preciso conhecer algo sobre seu inventor, um norte americano que era tanto um gênio empedernido quanto um astuto homem de negócios.

Era Hiram Maxim, nascido no Maine em 1840, a inventividade era natural. Quando ainda adolescente, inventou a melhor armadilha para ratos, que se retesava automaticamente e que livrou os moinhos de trigo locais da praga dos roedores. Aos 26 anos patenteou placas alisadoras de cabelo, a primeira de um total de 276 patentes em seu nome. Posteriormente, chegou a engenheiro-chefe da empresa de New York, United States Eletric Lighting Co., fabricante de lâmpadas elétricas, quando criou e introduziu os filamentos de carbono, mais duradouros. Mas, buscava fama e fortuna, especialmente esta, de modo que achou por bem ir para a Europa.

Estive em Viena, onde me encontrei com um americano que conhecera em New York, escreveu Maxim nas suas memórias: 

Aconselhou-me – abandona tua química e tua eletricidade! Se queres ganhar muito dinheiro inventa algo que permita a estes europeus cortarem a garganta uns dos outros com maior facilidade (lembrado por Chivers, cit.).

Construiu o primeiro protótipo em 1884, unindo a força do retrocesso provocado pelo disparo de um cartucho a um mecanismo de ferrolho acionado por uma mola e um dispositivo de alimentação, que introduzia na arma a munição que extraia de uma cinta de lona

 

Dispensava qualquer força externa. As Gatling e Nordenfelt, armas de cadência de fogo rápida da época, eram armas com vários canos, alimentadas por gravidade, acionadas manualmente e muito propensas a panes. Maxim também inventou uma pólvora sem fumaça, de combustão limpa, a que denominou cordite. Acabara-se o tempo em que a pólvora preta exigia permanente limpeza das armas. A combinação do fogo automático mecanizado com munição limpa foi revolucionária.

Em 1888, Sir Garnet Wolseley foi designado Comandante-em-Chefe do Exército Britânico. Em outubro do mesmo ano ordenou a compra de 120 metralhadoras Maxim no mesmo calibre .577/450 do fuzil Martini-Henry regulamentar. Wolseley tinha a reputação de inovador e reformista. Liderou expedições na África (Guerra Ashanti e Expedição de Resgate de Gordon), em 1884-1885, em que empregou armas de tiro rápido (Gatling) com sucesso e introduziu outras ideias não convencionais como a criação do Corpo Egípcio de Camelos. Em 1889, a Maxim foi adotada pelo Exército Britânico.  

Um ano mais tarde, os Exércitos da Áustria, Alemanha, Itália e Rússia também adotaram a Maxim. A encarnação da metralhadora Maxim por antonomásia surgiu quando o inventor se associou à empresa britânica Vickers Co. O resultado foi uma metralhadora com tripé, refrigerada à água, calibre .303” (7,7 mm), alimentada por uma cinta de 250 cartuchos, denominada genericamente Vickers-Maxim .

 

 

Vickers MK1 cal. .303

 

MG08 alemã,cal. 7,92 mm

 

 M1910 russa, cal. 7,62 mm

Chegaram a tempo para participarem da Iª Guerra Mundial. Porém, uma coisa era encher de balas os “selvagens”, outra era atirar contra soldados regulares. Muitos generais e estrategistas militares duvidavam da eficiência da metralhadora Maxim, bem como de outras metralhadoras similares, frente a tropas das potencias europeias ocidentais, embora advogassem a carga à baioneta. Um certo manual de infantaria afirmava que

                   (…) se deve inculcar o espírito da baioneta em todos as ações, de forma que avancem com determinação ofensiva nascida do treinamento constante, sem o que a carga com baioneta não resultará eficaz (em Chivers, cit.).   

Sequer as evidências da guerra Russo-Japonesa de 1904, com seus prolongados assédios e guerra de trincheira, sinistro prognóstico dos horrores que se avizinhavam na Iª Guerra Mundial, pode persuadir os observadores militares da letalidade da metralhadora Maxim no campo de batalha moderno.

James Stokesbury no seu livro A Short History of World War I escreveu:

Os observadores comprovaram como russos e japoneses eram derrubados em massa pelo fogo das metralhadoras e, no entanto, voltaram para casa para afirmar que a metralhadora é uma arma sobre valorizada – ‘parece muito improvável que vá ser eficaz contra soldados europeus treinados’; (…) pelo visto não consideravam que os japoneses, ou inclusive os russos, estivessem incluídos nessa categoria presumivelmente de elite.

A realidade da Frente Ocidental foi bastante diferente. Alguns chamaram a Iª Guerra Mundial “a guerra da metralhadora”, em que pese a artilharia tenha causado as maiores baixas. Ocorre que soldados relataram detalhadamente como viram seus companheiros caírem como moscas ante o fogo das metralhadoras, à medida que avançavam na terra de ninguém. Em julho de 1916, durante a Batalha do Somme, os britânicos perderam 21.000 homens somente no primeiro dia, a maior parte das mortes provocada pelas metralhadoras MG08, versão alemã da Maxim fabricada pelo Arsenal de Spandau.

Hiram Maxim, rico, famoso, investido como cavaleiro do reino, faleceu em 24 de novembro do mesmo ano, em Londres, sua morada desde que se naturalizou inglês. Poucas semanas depois terminou a Batalha do Somme. Resultou em baixas que chegaram a um milhão de homens, centenas de milhares deles abatidos pelo fogo das metralhadoras. 

 

Fontes de Consulta

CHIVERS, C.J. The Gun. New York: Simon & Schuster, 2011.

POPENKER, Maxim & WILLIAMS, Anthony G. Machine Gun. The Development of the Machine Gun from the Nineteenth Century to the Present Day. London: The Crowood Press, 2008.

STOKEBURY, James. A Short History of World War I. New York: Harpers Collins, 2009.

CHINN, George M. The Machine Gun, Vol. 1: History Evolution and Development of Manual, Automatic, and Airborne Repeating Weapons. Washington: Bureau of Ordnance, Department of the Navy, 1951.

Enlaces Eletrônicos

http://zonwar.ru/

http://modernfirearms.net/index-e.html

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