Se somos considerados uma organização terrorista de esquerda, por que então não agimos como tal? – Parte 2

(fonte da imagem – Mauro Pimentel /AFP)

“Se somos considerados uma organização terrorista de esquerda, por que então não agimos como tal?” – Parte 2

Flávio César Montebello Fabri
Colaborador DefesaNet

O debate político do presente momento (novembro de 2025) é a respeito de crime organizado e terrorismo. Mas o debate (ou embate) não é de hoje. Possui décadas.


Nota DefesaNet

Matéria em duas Partes

Se somos considerados uma organização terrorista de esquerda, por que então não agimos como tal- Parte 1

Se somos considerados uma organização terrorista de esquerda, por que então não agimos como tal- Parte 2

O Editor


O SNI (Serviço Nacional de Informações), no ano de 1981, em relatório a respeito de atividades subversivas, havia citado que um grupo de orientação “nacionalista” havia assumido ações que foram classificadas como atentados, fazendo uso de artefatos explosivos (tão como ameaçou danificar instalações de rádios em que, na programação, houvesse algo vinculado aos judeus, no caso, a favor deles). No tópico subseqüente aos atentados (e ameaças de), surge o nome “Comando Vermelho”. É fato que diversos autores e estudiosos citam o convívio dos líderes dessa organização com militantes, particularmente em estabelecimentos prisionais. De qualquer forma, o Arquivo Nacional, por seu vasto acervo de relatórios desclassificados (aqueles cujo acesso era anteriormente restrito e, com o passar dos anos, tornaram-se públicos) deixou isso registrado documentalmente. Naquele momento (1981) causava estranheza, também, onde era destinada expressiva parcela (40%) do que conseguiam angariar com a prática de crimes, o que era desconhecido.

SNI, relatório de 1981. Fica registrado o relacionamento entre criminosos e “militantes subversivos” em estabelecimentos prisionais. Também fica evidente a importância dada pelos “militantes” nos chamados “trabalhos de bairro”, onde acabavam por galgar efetiva influência (fonte: Arquivo Nacional). 

Curiosamente, no mesmo documento em que é citado o Comando Vermelho tão como outras ações, ao menos para a época, ditas subversivas (embora não caracterizadas como de guerrilha rural / urbana) há menção de uma prática que até hoje causa inquietação (talvez mais adequado o termo insegurança, incluindo neste aspecto atualmente, a jurídica): a invasão de propriedades tanto rurais como urbanas. Como foco dessas ações, mais que eventual “justiça social”, o objetivo de confronto entre um grupo carente (devidamente liderado, ou melhor, conduzido) contra a “sociedade” tão como “aos poderes constituídos e ao direito de propriedade”. Uma tática também que foi registrada em 1981: a produção de literatura para minar o moral das forças de segurança. Assim sendo, vale a pena sempre tentar recordar dos problemas do passado, como eram vistos ou debatidos, o que foi feito (ou não) e o que vemos no presente como resultado efetivo. Quem sabe com isso, também, possamos tentar projetar cenários futuros.

Quase duas décadas após o relatório citado (e estando já extinto o SNI), podemos ler outro documento com um título sugestivo para o momento atual: Envolvimento do Crime Organizado no Rio de Janeiro com o Terrorismo. Se naquela época algumas soluções eram debatidas ou estudadas (no que praticamente um quarto de século após, tais debates ainda persistem efetivamente) já era bem notório que se os “militantes de ontem”, que queriam se tornar a voz de alguns (tendo como respaldo a população de algumas áreas que desejavam representar, sentindo-se esta efetivamente representada ou não) começaram a perder naquele momento ou, eventualmente, a compartilhar (ou mesmo concorrer) essa condição com integrantes do Comando Vermelho. O protagonismo a favor de um expressivo contingente humano, ser a voz que repercutia nos ouvidos daqueles com poder de decisão, passou a ser um objetivo. Galgar efetiva influência.

Alguns representantes de associações de moradores possuíam vínculos com liderança do Comando Vermelho e, pelo visto, conseguiram cargos no governo. Outros possuíam grande capacidade para captação de votos e, portanto, tornavam-se figuras influentes. Ficou também registrado nesse período, o interesse que possuíam em contatar organizações como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e o Sendero Luminoso (Peru) para estabelecer parcerias , tão como de outros grupos, terroristas, no Oriente Médio.

O tema envolvimento do crime organizado com o terrorismo não é atual. 25 anos atrás já havia relatório sobre. A percepção deixada foi que a organização criminosa buscava ampliar suas parcerias e poder de influência (fonte: Arquivo Nacional). 

Quando a “Constituição Cidadã” de 1988 já completava mais de uma década e já era do conhecimento que muitos (com os mais diversos objetivos) tentavam ser a voz da população que se encontrava em áreas de claro desordenamento territorial, galgando o status de liderança com a “legitimidade” de interlocução com o governo, de representatividade, que o Comando Vermelho, por exemplo, havia aprendido exatamente o mesmo com os militantes do passado recente.

Em 1998, já possuíam a idéia de controle externo da atividade policial, possuindo a expectativa de participarem e interferirem na conduta das forças de segurança. Não diretamente, mas por intermédio de seus parceiros / simpatizantes que estariam em associações. Pelo menos é o que se percebe no relatório.

Em 1999, estariam recebendo efetivamente treinamento e orientações de estrangeiros para ações mais diretas (ou cinéticas).  A participação da sociedade civil organizada e da credibilidade de estudiosos com boas intenções era também fomentada. De qualquer forma, aquelas pessoas talvez não percebessem que entre uma enormidade de atores (com boas intenções, novamente ressaltamos), que eventualmente alguns tivessem interesses que não exatamente a resolução efetiva de problemas que abrangeriam toda a sociedade.

Para alguns, provavelmente seria um exagero mencionar que, mais de 25 anos atrás, fosse citado em um relatório brasileiro que havia a busca de parcerias (pelos criminosos) com organizações terroristas do Oriente Médio. Talvez ainda hoje parecesse algo irreal para alguns. De qualquer forma, como já publicado em Defesanet no artigo Hezbollah – Terrorismo, união com organizações criminosas e Brasil (de 08 de abril de 2024), já havia se tornado uma realidade atuar juntos, em algumas regiões, conforme estudo produzido nos Estados Unidos da América por comissão da United States House of Representatives, em 2011.

Imagem originalmente publicada no artigo Hezbollah – Terrorismo, união com organizações criminosas e Brasil (08 de abril de 2024) onde parcialmente se verifica estudo e debate a respeito do Hezbollah na América Latina e a parceria com organizações criminosas. A United States House of Representatives é uma das Câmaras do congresso americano, sendo a outra, o Senado. O relatório completo encontra-se disponível para consulta no sítio eletrônico https://www.govinfo.gov/ (governo dos Estados Unidos da América).

O que era debatido ou estudado mais de quarenta anos atrás efetivamente produziu algum resultado prático hoje? Particularmente, naquilo que fosse a favor de dois “grupos”, que são os principais interessados: a população em geral e os policiais, sendo que os últimos continuam, com parca remuneração, a se expor a riscos altíssimos e imenso desgaste para tentar proteger o primeiro “grupo” (estando subordinados a representantes eleitos por ele e, por conseguinte, de decisões e das opiniões daqueles que são ouvidos por tais representantes, o que raramente inclui alguém que pisou no “chão de fábrica”). Ambos (população e polícia) sentem na pele o efeito (imediato e de longo prazo) de decisões políticas e das leis (tão como da interpretação destas).

Como a polêmica a respeito de “especialista” sobre o tema Segurança Pública também ficou evidente por diversos motivos atualmente, adequado reproduzir algumas conclusões que um estudioso, detentor de grande relevância, disponibilizou. No caso o Prof. Pery Francisco Assis Shikida. Em seu interessante e direto estudo “Aspectos da Economia do Crime em Unidades Prisionais da Região Metropolitana de São Paulo: Elementos Teóricos e Evidências Empíricas” (2024), entre vários pontos interessantes, podemos ler:

– considerando custo / benefício, a renda obtida por criminosos em suas práticas era 12,9 vezes maior do que se estivessem envolvidos em algum trabalho legal, havendo a motivação para prática delituosa por idéia de ganho fácil, cobiça e ambição, majoritariamente. Percentual expressivo dos criminosos estava preocupado, principalmente, com seu próprio bem-estar e/ou teve influência pela interação em grupos sociais que forneceram incentivos à prática delituosa (vale neste ponto, também refletir atualmente, sobre os aspectos nocivos da narcocultura, do solapamento de valores por parte de alguns “influenciadores” tão como da verdadeira guerra informacional que testemunhamos).

– há fragilização das “travas morais”, como família e religião, entre aqueles que cometeram crimes e foram entrevistados.

– sobre a chance de sucesso na prática de crimes de natureza econômica (sendo considerado como fracasso, a prisão do criminoso), a média obtida pelo pesquisador foi de 80%, o que se traduz, em números, que de dez crimes cometidos, somente dois resultarão em efetiva prisão. É um incentivo e tanto para o cometimento de crimes.

– que de forma majoritária, o maior fator que contribuiu para o insucesso da prática criminosa foi a ação da polícia.

– é baixo o percentual daqueles que expressaram temer a intensidade da pena (17,6%) ou mesmo ser preso (14,2%) entre os entrevistados (o que deveria ser um ponto de reflexão para os que legislam tão como para aqueles que apreciarão o fato do decorrer do processo legal).

Conforme Miguel de Cervantes, a História “é êmula do tempo, repositório dos fatos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência para o futuro”. Estudar um pouco História nos ajuda a perceber que o efeito de hoje por ter tido sua causa no passado (o que inclui nesse aspecto a omissão e o proselitismo). Em 1981 o Comando Vermelho já tinha lugar nos relatórios do SNI (no caso do exemplo aqui citado no presente artigo de opinião). Vinte anos depois, em outro relatório, já se notava a influência que buscava e a penetração que paulatinamente obteve. No período atual (vinte e cinco anos após o relatório onde era exposta a busca de parcerias com organizações como as FARC e Sendero Luminoso) o tema é o enfrentamento a esta ameaça.

Se considerado terrorista ou não (apesar que desde 2011, haver também relatório norte-americano sobre parceria do crime organizado com organização terrorista em área de fronteira), vale recordar alguns pontos importantes, elucidados pelo Prof. Pery Francisco Assis Shikida: aparentemente os criminosos não temem (como deveriam), em sua maioria, a prisão e as penas a eles impostas. Também, que foi a ação da polícia (aquela mesma que raramente é reconhecida por investimentos em bons salários e também é submetida a intensos e reais riscos, desgaste físico e emocional), o fator que mais contribuiu para o insucesso de uma prática delituosa (pela ótica dos próprios criminosos).

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