Rio demanda mais Exército; tráfico é principal causa

Marcelo Godoy

O mapa das 183 ações de segurança integrada das Forças Armadas mostra que o Rio é onde as Forças Armadas mais participaram de ações ligadas à segurança pública, seguido pelo Distrito Federal (um quinto de todas as ações). Ao todo, 41% das operações naquele Estado se destinaram ao combate aos grupos organizados e armados de traficantes de drogas.

Desde 2013, o Comando Militar do Leste (CML), do Exército, e a Marinha registraram 19 bandidos foram mortos e 81 feridos. Houve ainda dois militares mortos – um deles por tiro acidental – e 84 feridos.

Exército e Marinha registraram ainda a prisão de 1.375 suspeitos nas operações nos complexos do Alemão, da Maré na chamada Operação Furacão. Houve ainda 2 feridos em um confronto com manifestantes em um evento e 5 feridos em operações no Rio contra o crime na década de 1990.

Só na ocupação da Maré, a Marinha registrou 41 ataques feitos por grupos armados contra seus homens. Os números são parciais, pois as Forças Armadas não dispõem dos dados de todas as operações feitas no Estado.

Para se ter uma ideia do peso do Rio nessas operações, o Exército registra apenas 9 prisões em greves de policiais no Nordeste e 14 durante os Jogos Olímpicos do Rio.

"Perdemos um cabo do 28º Batalhão de Infantaria Faria na Maré. Podia ser mais, pois teve tiro que acertou placa balística. É uma ação que está muito perto da guerra, do bandido para cá. Daqui para lá é que não pode ser", afirmou o general César Augusto Nardi de Souza, chefe de operações conjuntas do Ministério da Defesa.

No Distrito Federal é a proteção de eventos e de autoridades a principal razão de convocação do Exército ou da Marinha. Pará, Mato Grosso e Bahia completam a lista de unidades da federação com maior número de operações.

Além de combater a criminalidade (19% do total de ações), as Forças Armadas também usaram a GLO para garantir a segurança de eventos – como a Eco 92, a Copa e a Olimpíada – e encontros de chefes de Estado. Isso aconteceu em 22,9% das oportunidades.

A ação em greve de policiais pelo País foi a terceira razão que mais obrigou os militares a pôr a tropa na rua (14,2%) dos casos. A garantia das eleições veio logo a seguir, com 10,9%. Até 2004, as ações contra a ação de bandidos na fronteira também era contada como "operação de segurança integradas pelas três Forças".

Depois da legislação que concedeu a elas o poder de polícia na fronteiras, elas passaram a ser contadas de forma separada. Assim, de 1992 a 2004, ocorreram 19 ações dirigidas contra o tráfico de drogas e de armas nessas regiões (10,3%).

Relevantes ainda é o total de oportunidades em que os militares foram chamados para restabelecer a ordem ameaçada por conflitos sociais urbanos e agrários – 13,6% do total.

Regras. Desde 2001, para ser considerada uma ação de GLO, o deslocamento da tropa deve obedecer uma autorização presidencial – os casos que o Ministério da Defesa classifica como apoio logístico ou cumprimento de mandado judicial não precisam cumprir essa formalidade.

O Ministério da Defesa conta 131, pois exclui todas as ações na faixa de fronteira e casos que ele considera ter ocorrido apenas um apoio logístico, como o uso de blindados da Marinha para invadir o complexo do Alemão e da Maré, no Rio.

Além disso, as diversas fases da Operação Furacão são contadas como uma única operação pelo ministério. Assim, a proporção de operações contra o crime organizado no Rio pode ser maior ainda. Caso as 14 fases da operação fossem contadas em separado, o combate à criminalidade representaria 57% das operações de GLO feitas no Rio.

De acordo com o general Nardi, a operação atual no Rio está atuando com comando conjunto integrado. "Apesar de o Exército não ter o comando da operação, o planejamento é feito em conjunto. Ele recebe uma missão. E deixa bem claro o que cada um vai fazer. Cada operação está sendo planejada de forma integrada. Aí você coloca o que se pode e não pode fazer."

O modelo no Rio é um novo modelo. As Forças Armadas não querem voltar ao modelo da ocupação demorada, como ocorreram no Alemão e na Maré. Primeiro porque os militares se preocupam com uma "vulgarização" dos uso das Forças Armadas na Segurança Públicas.

Depois, segundo o general Sérgio José Pereira, chefe da assessoria de relações institucionais do Comando Militar do Leste (CML), o uso da inteligência em ações pontuais se mostram muito mais eficientes do que a presença ostensiva no combate ao crime.

Além disso, para o general Nardi, "a maior necessidade hoje é de apoio logístico". "Isso tem aumentado bastante, não só no Rio como crimes ambientais, apoiando o Ibama e a Polícia Federal. Mas a parte de criminalidade mesmo está mais focada no Rio de janeiro", afirmou.

Para cada uma dessas ações, o Ministério da Defesa produz regras de engajamento da tropa. "Elas é que determinam, por exemplo, em que situações um militar poderá usar munição letal contra um agente perturbador da ordem ou quando ele poderá sacar seu spray de pimenta.

As regras de engajamento procuram ser didáticas e são baseadas no direito penal brasileiro. Elas são de caráter reservado. Você vai dizer para o pessoal o que você pode ou não fazer, quando você pode atirar ou não. Mas posso dizer que toda vez que você é ameaçado em sua integridade ou para a defesa de terceiros, a legítima defesa é a regra. É diferente da guerra, onde você pode atirar no inimigo", disse o general Nardi.

Ação no Complexo do Alemão teve até guerra cibernética

O que fez as Forças Armadas reverem seu modelo de emprego de tropa foi o resultados das ações nos Complexos da Maré e do Alemão. Durante a Operação Arcanjo, no Alemão, o Exército lançou mão de um arsenal pouco conhecido de ações: desde operações de informações a ações psicológicas, guerra eletrônica cibernética e atividades de contrainteligência.

É o que consta de dois trabalhos de militares sobre a Operação Arcanjo, ocorrida de 2011 a 2012 no Complexo do Alemão, durante 583 dias. A guerra de informações e cibernética contou com ações em redes sociais para desorientar os traficantes de drogas.

Para ela até o Centro de Informações do Exército (CIE) foi mobilizado. Seus agentes cuidaram do disque-denúncia, colhendo informações sobre os bandidos e analisando os dados obtidos com as patrulhas. O modelo é descrito pelo major Georgingtown Haullinson Farias e pelo coronel Carlos Alberto de Lima em seus estudos sobre a atuação no Alemão. Segundo eles, "militares especializados no atendimento à denúncias" permitiram que o serviço fornecesse à área operacional informações mais precisas e seguras.

O fluxo de informação para o disque-denúncia só começou a cair, segundo o coronel, quando o sexto contingente entrou no Alemão, quando já estava sendo anunciada a substituição das Forças Armadas pela polícia estadual. "No Alemão era uma facção só. Na maré eram quatro facções e nenhuma delas queria perder seu espaço. Os chefes saíram, mas deixaram seus soldados lá dentro", afirmou o general chefe de operações conjuntas do Ministério da Defesa, general César Augusto Nardi de Souza.

Durante a ocupação, os números de criminalidade caíram no Alemão e na Maré e alguns serviços públicos foram estabelecidos. Pesquisa feita pela ONG Redes da Maré com 1 mil moradores de 18 a 69 anos e divulgada neste ano mostrou que, para 73,4% da população da região, a atuação da força de pacificação era ótima, boa ou regular. Só 25,4 desaprovavam a atuação dos militares.

Resistência. Para Edson Diniz, da Redes da Maré, a presença das Forças Armadas deixou um legado pequeno para as comunidades. "Fizemos uma pesquisa grande com moradores da Maré sobre a percepção dos moradores da Maré antes e depois da ocupação. A percepção é que o legado que ficou foi muito ruim." Segundo ele, houve uma tensão crescente dos militares principalmente com os jovens da Maré. "Esse segmento foi muito afetado pela atuação do exército. O Exército entrou querendo impor uma ordem de caserna aos jovens e chegou a ter casos desde agressão verbal a agressão física."

De acordo com Dias, no começo a presença da tropa trouxe expectativa de que as coisas podiam melhorar. "E quando sai da Maré a um custo altíssimo – um milhão por dia – o legado o que deixou foi nada. Hoje a Maré voltou a ter problema com os grupos armados e com a polícia que voltou a entrar com muita violência." Dias questiona o sentido de se pôr "tanque de guerra em uma área que tem 148 mil moradores em 38 mil domicílios?". Para ele, trata-se muito mais de uma exibição do que querer resolver o problema. "Há mais de 20 anos essas operações acontecem e continua a situação de insegurança que se tem."

O empresário Reginaldo Lima, de 47 anos, que foi assessor executivo do AfroReggae e via melhorias nas comunidades com as Unidades de Polícia Pacificadora, diz que o legado para a população do Complexo do Alemão da ocupação militar também foi pífio. "O Exército foi extraordinário na ocupação urbana durante algum tempo. Depois o exército passou a se comportar com hostilidade aos moradores. E a euforia com a expectativa com a chegada do Exército foi lentamente se perdendo."

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter