Malvinas – Falklands – Parlamentar Argentino acusa Brasil pelos Voos

Rodrigo Lopes

Porto Alegre pode estar no epicentro da crise diplomática que se ensaia entre os governos de Brasil e Argentina por ter sido um dos lugares onde aviões militares britânicos teriam pousado, como escala para as Ilhas Malvinas (Falkland Islands, para o Reino Unido), território alvo de disputa entre os dois países no Atlântico Sul. 

Na quarta-feira, o deputado Guillermo Carmona (Frente Ampla, de oposição ao governo de Mauricio Macri) denunciou no Congresso argentino que pelo menos seis voos da Royal Air Force utilizaram aeroportos brasileiros no Rio de Janeiro, em São Paulo, além do Salgado Filho, na capital gaúcha, como escala, entre novembro e dezembro de 2016. O incidente viola acordos entre Brasil e Argentina no âmbito do Mercosul.

O impasse foi divulgado pela primeira vez no Brasil pelo site www.defesanet.com.br, especializado em assuntos militares. Segundo um documento confidencial da chancelaria argentina, ao qual Carmona teve acesso, a Direção Nacional de Controle de Tráfego Aéreo do Ministério da Defesa detectou as escalas no Brasil de aviões Hércules C-130 e Airbus 330, ambos de transporte de tropas. O documento tem data de 19 de janeiro de 2017 e identifica ainda outros dois voos ao longo de 2016. No ano anterior, teriam sido 12 pousos em aeroportos brasileiros. 

Documento da autoridade que controla tráfego aéreo na Argentina cita aeroportos de São Paulo, Rio e Porto Alegre Foto: Documento1 / Reprodução

Para os argentinos, o Reino Unido estaria reforçando sua presença nas Malvinas, o que seria uma ameaça ao país. Diante da denúncia, a embaixada argentina em Brasília manifestou ao governo brasileiro "preocupação" e lembrou "o compromisso brasileiro de não receber em seus aeroportos e portos aeronaves e navios britânicos de guerra" que tenham como destino o arquipélago, "em concordância com a posição adotada pelo Mercosul e pela Unasul". 

Argentina e Reino Unido disputam a posse do território no Atlântico Sul. Em 1982, travaram uma guerra de dois meses, que levou a Argentina à derrota e contribuiu para a queda do regime militar no país vizinho. O Itamaraty respondeu, reafirmando o "apoio de nosso país à Questão Malvinas" e informou que "não tinha conhecimento dos voos". Também se comprometeu em consultar o Ministério da Defesa.

Zero Hora procurou o Ministério da Defesa, que repassou a questão para a Força Aérea Brasileira (FAB). Por e-mail, a FAB informou que "está apurando as informações juntamente com outros órgãos envolvidos". A coluna também pediu à Infraero, responsável por administrar os aeroportos no Brasil, a relação de todos os voos militares que pousaram no Salgado Filho em 2016, mas foi informada de que o controle da torre de comando do aeroporto é de responsabilidade militar, repassando o caso para a FAB. Uma autoridade no aeroporto gaúcho informou, sob anonimato, que, até o ano passado, era comum ver aviões militares britânicos no pátio.

 

Deputado argentino Guillermo Carmona (Frente Ampla):  "O Brasil está descumprindo compromissos com a Argentina e com o Mercosul"

Carmona considera caso grave e exige resposta do governo brasileiro

 

Em entrevista a ZH, o deputado argentino Guillermo Carmona (Frente Ampla), que denunciou a escala de aviões militares britânicos em aeroportos brasileiros, diz que é "estranho" o governo brasileiro não ter conhecimento dos voos e exige explicações. Segundo documento confidencial do controle aéreo argentino, pelo menos seis aeronaves da Royal Air Force pousaram em aeroportos brasileiros, entre eles o Salgado Filho, em Porto Alegre, como pausa antes de seguir viagem para as Ilhas Malvinas (Falkland Islands, para os britânicos). Em 2015, teriam sido 12 aterrissagens. O caso provocou mal-estar entre os governos de Brasil e Argentina, porque violaria acordos no âmbito do Mercosul e da Unasul. Veja os principais trechos da entrevista com Carmona, que denunciou o caso no Congresso argentino.

Qual a gravidade do uso dos aeroportos brasileiros por aviões militares britânicos?

Denunciei o caso à Câmara dos Deputados como fatos de altíssima gravidade porque denotam, por um lado, o aumento da militarização britânica nas Malvinas. Esses voos estão relacionados com aumento do pressuposto militar disposto Reino Unido para a execução de obras para as quais necessitam pessoal e materiais. São aviões que transportam material militar ou tropas. Em segundo lugar, é grave porque está demonstrando o descumprimento de compromissos do governo de um país que consideramos irmão, o Brasil. São compromissos que foram assumidos sob o marco da Unasul e do Mercosul. Em terceiro lugar, estamos muito preocupados com o fato de que o governo argentino não fez um forte protesto ante do governo Temer e ante o governo britânico. Se alguém ler o documento confidencial, verá que houve uma nota de baixo teor, sem que fossem usados os termos exigidos em uma situação tão grave como essa. Vemos como muitíssima gravidade e estamos preocupados sobretudo com a atitude que estão tendo os governos de Temer e de Macri.

O que o senhor espera do governo brasileiro?

A chancelaria argentina disse que o governo do Brasil desconhecia os fatos e que iria consultar o Ministério da Defesa. Não é crível esse argumento. Não podemos acreditar que o governo do Brasil desconheça (os fatos), uma vez que o ministério é um organismo que depende do presidente do Brasil, não é um organismo independente. É parte do governo brasileiro. Então, não pode afirmar isso, de que o governo do Brasil desconheça. O Ministério da Defesa brasileiro não pode desconhecer uma questão tão evidente como voos militares de uma potência como é o Reino Unido. Se for assim, denotaria uma situação que, ao menos na Argentina, seria muito grave: a desatenção das questões de defesa. É um argumento não crível.

Uma autoridade do aeroporto de Porto Alegre confirmou a ZH que é habitual a presença de aeronaves britânicas militares no Salgado Filho, por exemplo.

Se for assim, é muito mais grave a situação. O subterfúgio que o Reino Unido utiliza para conseguir que seus aviões sejam abastecidos é argumentar razões humanitárias, algum problema de saúde dos pilotos. Agora, é tão frequente o que ocorreu no ano passado, que perguntamos: é tão frequente que pilotos britânicos tenham problemas de saúde? Evidentemente, estão utilizando esse argumento para fazer disso uma questão normal. Tudo isso nos preocupa e alarma.

O senhor sabe datas e números de voos?

Não, mas vou insistir para que nos deem todos os detalhes. Queremos saber números de voos, horários, informações sobre o que transportavam, todos os elementos. 

Em 1983, ZH flagrou aviões britânicos na Base Aérea de Canoas, ou seja, tendo o Brasil como escala, mesmo quando o governo brasileiro negava oficialmente apoio.

Não conhecia o caso do Brasil, mas sim do Chile. Na época da ditadura de Pinochet, era frequente. Pinochet deu apoio logístico ao governo britânico durante a Guerra das Malvinas.

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