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Uma realidade mundial

CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO (79)
Advogado, foi presidente do Supremo Tribunal Federal (1999-2001) e do Tribunal Superior Eleitoral (1994-96 e 2005). É professor emérito da UnB (Universidade de Brasília) e da PUC/Minas

A imprensa brasileira revela que órgãos incumbidos de reprimir ações terroristas reclamam da falta de instrumentos legais para levar a cabo a atividade repressora.

Por outro lado, agências de inteligência descobriram a ocorrência de tentativas de cooptação de brasileiros e pelo menos dez jovens convertidos atuam na internet. E as redes sociais constituem importantes mecanismos de arregimentação de pessoas para os mais diversos fins.

Assim, a inexistência de lei específica que tipifique, às inteiras, atos terroristas, impede investigações, por exemplo, no rastreamento de e-mails e de conversas nas redes sociais, tolhendo, de modo geral, a atuação dos órgãos
estatais.

É certo que se tem, no Brasil, a criminalização do terrorismo (lei nº 7.170/83, artigo 20). Mas não é menos certo que terrorismo é gênero de que condutas terroristas são espécies. Estas, sim, precisam ser claramente especificadas,
tendo em vista o princípio da legalidade com o rigor que deve ser observado na tipificação do crime.

Todavia, sempre que se fala na edição de lei, para o fim de conceituar e tipificar condutas terroristas, surgem clamores contrários, fundados no receio de que essa criminalização atinja movimentos e manifestações populares
pacíficas.

Não raro há os que alegam que somos um povo ordeiro e que não há ameaças contra o Brasil e a sua gente, não obstante o reconhecimento de que o terrorismo é uma realidade no mundo.

Há terrorismo na Europa, na Ásia, na África, na América do Norte, especialmente nos Estados Unidos. Na Argentina ainda se discute a ação terrorista contra a entidade judaica Amia, em 1994, em Buenos Aires, que resultou em quase uma centena de mortes, tendo ocorrido, recentemente, o assassinato do promotor que investigava o atentado.

Então, os que, ao argumento de que somos um país pacífico, simplesmente põem-se na linha do dito popular "deixa ficar como está para ver como é que fica", como ocorreu relativamente durante anos com a questão hídrica, ao
argumento de que o Brasil teria água demais.

De repente, o país descobre que está secando e que podemos não ter água nem para necessidades mínimas.

Queira Deus que a negligência daqueles que, sob color de que não pairam ameaças contra os brasileiros, não acabe resultando na morte de inocentes. Ações terroristas objetivam provocar impactos matando não combatentes.

Precisamos, sim, de uma legislação inteligente, racional, que defina e criminalize condutas terroristas. Movimentos sociais pacíficos, discursos, não obstantes contestadores, mas que se comportam na liberdade de expressão,
manifestações populares que não causam danos ao patrimônio público e privado, evidentemente que não cabem no conceito de terrorismo.

A Constituição Federal de 1988 repele expressamente o terrorismo, ao consagrar como princípio a ser observado nas relações internacionais, o repúdio a essa prática (artigo 4º, inciso VIII).

Na tábua dos direitos fundamentais, o terrorismo é equiparado à tortura, ao tráfico de entorpecentes e drogas afins, que a lei deverá considerar como crime hediondo, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (artigo 5º, inciso
XLIV).

Quer-se não uma norma qualquer, mas lei, em sentido formal e material, que, traduzindo a vontade geral e aperfeiçoada pela jurisprudência, estabeleça democraticamente modos e meios de repressão ao terrorismo, um mal do século.
 

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