Defesa em Debate – LAAD 2013: A Indústria de Armas e a Cultura de Defesa no Brasil


A Defesa em Debate
 
Nam et ipsa scientia potestas est

 
 
LAAD 2013: A Indústria de Armas e
a Cultura de Defesa no Brasil

 
 

Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com

 

Entre os dias 9 e 12 de abril, ocorreu no espaço de eventos do Riocentro, no Rio de Janeiro, a maior Feira Internacional de Defesa e Segurança da América Latina, a qual reuniu mais de 30 mil visitantes, o maior público já registrado.
 
Além de ocupar os 3 pavilhões, a Feira contou com expositores da indústria de armas nacional e internacional e os mais de 30 mil visitantes puderam conhecer serviços, produtos e tecnologias oferecidos para e pelas Forças Armadas e Forças de Segurança Pública.
 
As indústrias de armas e seus contextos atuais
 
Os Emirados Árabes, por exemplo, marcaram presença no evento com várias empresas participantes, tais como: Tawazun, Advanced Integrated Systems, Emirates Advanced Investments, Abu Dhabi National Exhibition Center e Sofiya Trading. De acordo com Saif Mohamed Al Hajeri, responsável pela delegação da Tawazun, a participação de tantas empresas de seu país na Feira “constitui uma eloquente mensagem demonstrando o compromisso dos EAU em estreitar os laços de cooperação econômica e comercial com o Brasil, um dos países de mais rápido crescimento no mundo”. Em função do parque industrial de armas não estar dominado por produtos e tecnologias exclusivas de poucos países, o mercado de importação brasileiro desponta no cenário internacional, atraindo diversas indústrias de segurança e defesa.
 
28 indústrias de defesa israelenses também marcaram presença na LAAD 2013. Além de tecnologias e sistemas de segurança e defesa, estas empresas apresentaram em seus stands soluções tecnológicas altamente avançadas que incluíam desde segurança marítima e de fronteiras, tráfico de drogas à ameaças terroristas e respostas de emergência. Além de produtos estratégicos de defesa, como tecnologias e sistemas de comando e controle e sistemas não tripulados, as empresas também investiram em uniformes. Chamou a atenção durante a Feira, a linha de proteção contra trauma brusco da empresa israelense Blacknight. O material utilizado é confeccionado a base de D30, composto de moléculas inteligentes que acompanham os movimentos do usuário, mas que travam mediante impactos, absorvendo o choque. Além de leve e confortável, este tecido elástico é repelente a água e não é tóxico. Próprio para forças policiais, forças especiais, forças armadas, unidades especiais antiterrorismo, controle de distúrbios, academias de defesa e autoridades prisionais.
 
Outras importantes assinaturas simbólicas durante a maior Feira Internacional de Defesa e Segurança da América Latina foram os dois acordos do Senegal para aquisição de três aviões turboélice de ataque leve e treinamento avançado A-29 Super Tucano e 2 navios-patrulhas de empresas brasileiras, respectivamente, Embraer e Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está prestando suporte financeiro ao Governo do Senegal para estas aquisições militares. O acordo com a Embraer contempla apoio logístico à operação e à instalação de um sistema de treinamento para pilotos e mecânicos no território senegalense.
 
Este acordo sinaliza a consolidação das indústrias de defesa brasileiras no mercadode importação de armas africano. Este assunto, inclusive, já apresentei aos leitores no artigo intitulado “Reforma do CSONU e Inserção Internacional: Brasil, uma potência mundial?”, no qual apresentei as razões para que vários países da África Austral estejam procurando o Brasil a fim de solicitar cooperação e assinatura de contratos de serviços e aquisição de produtos de defesa. Acredito que “a razão para tamanho prestígio do Brasil no hemisfério sul é que a política externa brasileira criou a imagem de um país com instâncias altamente qualificadas que conseguem defender e expandir os interesses econômicos nacionais e demonstram ser capazes de alimentar um processo de desenvolvimento econômico significativo”. Embora saibamos as dificuldades que o Brasil possui em áreas críticas do desenvolvimento socioeconômico e que estas dificuldades não sejam capazes de sustentar a maior projeção brasileira no sistema internacional, a curto prazo, ao menos no hemisfério sul e em alguns países do hemisfério norte, o Brasil se destaca no cenário internacional como potência regional.
 
Os países membros da UNASUL também anunciaram a formação de um comitê consultivo que desenvolverá, conjuntamente, o projeto do Avião de Treinamento Básico. Esta proposta foi realizada pela Argentina em dezembro de 2012 e a coordenação deste projeto estará sob sua responsabilidade. A perspectiva é que, até o fim de 2015, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Uruguai e Venezuela, países membros do Conselho de Defesa da UNASUL disponham de, pelo menos, um protótipo do avião básico de treinamento.
 
Este projeto é de suma importância para ressaltar e institucionalizar valores e conceitos discutidos, aceitos e apresentados, conjuntamente, pelos países membros do CDUNASUL. Além disso, na percepção dos Ministros da Defesa, Amorim e Puricelli, respectivamente, do Brasil e da Argentina, o documento que formaliza os entendimentos para o desenvolvimento conjunto deste avião, enfatiza o “empenho em promover a realização, na América do Sul, de seminários e feiras que permitam estimular a integração regional em matéria de ciência, tecnologia e produção para a defesa”. A LAAD, no Brasil, e SINDPRODE, na Argentina, constituem exemplos deste empenho.
 
No início deste ano, o Itamaraty, durante a VII Reunião Ministerial da ZOPACAS, em Montevidéu, propôs a institucionalização dos valores da ZOPACAS no seio da ONU. No entanto, infelizmente, a política externa brasileira carece de maior visão geopolítica e militar do sistema regional e internacional, o que torna vulneráveis os discursos diplomáticos brasileiros. Por os valores e conceitos do CDUNASUL serem, de fato, discutidos, aceitos e apresentados, conjuntamente, tornam os discursos políticos menos vulneráveis às críticas regionais, melhor acolhidos pelas instituições internacionais e recebem a devida seriedade dos estruturalistas do sistema internacional.
 
A cultura de defesa no Brasil
 
De acordo com os organizados do evento, houve um crescimento superior a 15% em relação aos 26 mil visitantes, em 2011.  Além de diversas autoridades políticas e militares estrangeiras, marcaram presença no evento deste ano 694 expositores de 40 países. 195 expositores brasileiros ocuparam os três pavilhões do espaço de eventos do Riocentro. Comparativamente com a última edição, a Feira contou com 663 expositores, dos quais 120 eram brasileiros. Não há dúvida de que a indústria de armas no Brasil está acompanhando o fortalecimento e a projeção política do Brasil no sistema internacional. Isso reflete diretamente na cultura de defesa no Brasil, ou melhor, na percepção da sociedade sobre segurança e defesa nacional.
 
De acordo com as políticas de Defesa Nacional, Segurança é uma sensação, um estado de espírito. Exemplificando isso, por o Brasil, em teoria, não ter inimigos ou ameaças reais a sua soberania, o povo se sente seguro. Isso implica diretamente na relativa pouca importância que os investimentos em armas têm na cultura brasileira. No entanto, o fato de, segundo a ONU, o Brasil se posicionar em 3º lugar no ranking de maior número de homicídios da América Latina, torna o discurso pacifista brasileiro passível de discussão. O discurso político não está em harmonia com realidade, a medida que o Brasil desponta como um dos países mais socioeconomicamente desiguais do mundo.
 
Recentemente, dois fatos sobre o mercado de exportação de armas brasileiras chocaram setores da sociedade: (1) a lata de gás lacrimogêneo encontrada por ativistas pró-liberdade no Bahrein, no Golfo Pérsico, fabricada pela empresa brasileira Condor Tecnologias Não Letais, e (2) a informação do Small Arms Trade Survey, do Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, em Genebra, de que, em 2011, o Brasil foi o 4º maior exportador mundial de armas leves. De acordo com este relatório, o Brasil estaria logo atrás da Alemanha, da Itália e dos EUA.
 
A falta de esclarecimento e conscientização sobre os problemas relacionados à insegurança nacional tornam os brasileiros vulneráveis tanto a criminalidade quanto aos interesses escusos internacionais. Além dos vários tipos de tráfico (drogas, armas, pessoas, animais, órgãos etc), pirataria e demais crimes organizados transnacionais, há países seriamente comprometidos em desestabilizar a ascensão política do Brasil no sistema internacional. Embora estes tipos de ações ainda não sejam tangíveis, ou melhor, não sejam ameaças visualmente reais, cerceamentos tecnológicos, pressões políticas, assédios e/ou assassinatos à cientistas, ataques cibernéticos à sistemas estratégicos são exemplos de ações que podem já estar acontecendo no Brasil a fim de comprometer a sua maior projeção política internacional.
 
Isso reforça a necessidade de o Governo brasileiro ampliar o debate na sociedade, de forma transparente, sobre Segurança e Defesa. Ao tornar públicas estas ações, o Governo brasileiro não estaria alarmando; mas sim, esclarecendo e justificando à sociedade a necessidade dos investimentos em armas leves e pesadas. A conscientização social, diante da transparência do Governo, seria um processo natural. 
 
Além disso, a ampliação deste debate possibilitaria também a (re)discussão sobre o conceito de Segurança adotado pelas políticas de Defesa Nacional e congregaria novos elementos de análise no seio da própria sociedade para definir a posição que, de fato, o Brasil desejar assumir no mundo. A identidade de potência regional ou mundial, por exemplo, requer ônus financeiros, os quais serão oriundos dos cofres públicos nacionais. Para a sociedade aceitar os ônus provindos dos encargos da definição de tais identidades internacionais tornam a ampliação do debate sobre Segurança e Defesa imperativa. Se esta posição é do Estado brasileiro é justo que a sociedade participe ativamente na construção da identidade que o país assumirá no sistema internacional.
 
O fato de, a cada LAAD, aumentar significativamente o número de visitantes, em especial, de brasileiros, tem demonstrado a ampliação da percepção da sociedade sobre a importância da cultura de Defesa no Brasil.

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