Entendendo a Dissuasão – Espaço Aéreo

por Vianney Jr.,

Análise Exclusiva para DefesaNet

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O recém-revelado ataque de aeronaves russas ao território sueco, muito além das acaloradas matérias jornalísticas naquele país e vizinhos, revela o lado mais palpável, e acreditem, frequente do delicado equilíbrio de poder entre nações. O bombardeio de Páscoa, mais precisamente no dia 29 de março, Sexta-Feira Santa para os Cristãos, não deixou mortos ou feridos, uma vez que simulado, mais ainda assim foi responsável por tremores e rachaduras às bases da Defesa Nacional da Suécia e ao sentimento de soberania de seu povo.

Notícias como Bombas

A surtida de dois bombardeiros russos Tu-22, escoltados por quatro caças Su-27 foi revelada pelo jornal Svenska Dagbladet. A gravidade do objetivo: A simulação de um ataque à Suécia, um perigoso exercício a menos de 40 km (cerca de 2 minutos de voo) de sua fronteira. Se lembrarmos os episódios entre os dois países durante a Guerra Fria, é fácil entender que tais notícias possam fazer mais barulho do que mesmo bombas.

Pelo seu plano de prontidão e defesa aérea, a Suécia deveria ter no mínimo dois caças Gripen prontos para decolar e identificar os alvos em rota de aproximação ao seu espaço aéreo, mas a Força Aérea não os acionou. As reportagens dão conta que ao invés dos vetores suecos, dois caças da OTAN decolaram de uma base na Lituânia para verificar as intenções dos aviões russos, contudo, chegaram atrasadas e nada puderam “sombrear” – a maneira dissuasiva de dizer “estamos de olho”, e de convidar os indesejáveis visitantes a tomar outro rumo.

Segundo as matérias dos jornais eletrônicos, impressos e televisivos locais, o “bombardeio” do dia 29 de março, iniciou-se com a decolagem de seis aviões russos a partir de São Petersburgo à meia-noite. Dois bombardeiros Tu-22M3 e quatro caças Su-27, em scort mission. O curso das aeronaves apontava para leste de Estocolmo e, o que teoricamente deveria ser uma diversão de rota para o sul (Kalingrado), entre a Lituânia e a Polônia, foi na prática uma progressão para o sobrevoo de Gotska Sandön, uma ilha não habitada da Suécia, no Mar Báltico.

Fontes militares sugeriram que a ação simulou ataques à Estocolmo e alguns objetivos ao sul do país. Como que antevendo os fatos presentes (que exemplificam a frequência com que acontecem), e refletindo a preocupação em manter-se o equilíbrio ante o investimento em armamentos e treinamentos pelas forças armadas de países próximos, a ministra da Defesa, Karin Enström, já demonstrava em declarações à imprensa local, a necessidade de manter “os olhos bem abertos” para as demonstrações da Rússia para o mundo, de que está em um nível de tecnologia militar e preparo, superior ao que atingira nos anos 90. Indignado com o ocorrido, o Presidente do Comitê Parlamentar de Defesa da Suécia, Peter Hultqvist, classificou como extremamente grave o fato do “Estado de Prontidão” do país “não funcionar”. “Uma política de segurança e defesa eficaz, é aquela que nos deixe prontos a agir qualquer dia do ano”, afirma Hultqvist, demandando uma imediata revisão sobre o assunto.

Um novo visitante inconveniente

No último dia 20 de abril, um avião espião Ilyushin Il-20 realizou um voo dentro do pequeno espaço aéreo internacional entre as ilhas suecas de Öland e Gotland, no Mar Báltico. O alvo dos sensores e câmeras da aeronave russa foi o exercício militar no qual participavam Suécia, Finlândia e Estados Unidos.

Para quem possa imaginar que este tipo de acontecimento é algo pontual, privilégio de países que tiveram rusgas no passado, ou mais provável na imaginação de roteiristas de Hollywood, a realidade é que estes “eventos sensíveis” são o que há de mais frequente na categoria “teste de forças” da diplomacia do aço. Um insinua e o outro demonstra seu nível de alerta e reação. É a forma de avaliar as capacidades, um do outro, ainda que por sensores e radares, dentro ou fora do alcance visual. Vários episódios já foram relatados mundo afora, somente este ano. É onde as “pontas das lanças” se tocam. É onde o balanço das forças e o equilíbrio do poder reafirmam a soberania dos povos, a dissuasão das ameaças e a garantia da paz.

E o Brasil? A quem a 6ª Economia Mundial tem que dissuadir?

Como bem descrito por Geraldo Corrêa de Lyra Júnior, em seu trabalho Dissuasão Estratégica: Defesa da Amazônia, ao citar Couto, a dissuasão é, essencialmente, um resultado de natureza psicológica: “traduz-se por uma inibição ou paralisia perante uma ameaça que se receia e que é de concretização possível e plausível”. Como refere ainda o autor citado por Lyra Júnior: “a dissuasão é, essencialmente, o produto de dois fatores: a capacidade material e plausibilidade, ou credibilidade; mas depende também da fidelidade de comunicação e da incerteza relativamente a determinadas incógnitas” (COUTO, A. C. Elementos de estratégia. Lisboa: IAEM, 1988. 1 v., p. 60).

Para exemplificar e trazer à linguagem plana, acessível a todos os níveis de compreensão do tema, podemos recorrer à primeira cena do clássico filme Top Gun. Uma aeronave armada com mísseis de determinado raio de ação, aproxima-se de uma área protegida (naquele caso, um porta-aviões). Considerando-se essa efetividade de seus armamentos, uma ação tem de ser iniciada antes mesmo de atingida tal possível zona de lançamento, dissuadindo-a, pelo emprego de um vetor (caça) à altura, de prosseguir naquele curso. Daí, a “licença poética” do roteirista em colocar um F-14 no dorso, em espelho com a aeronave inimiga. O “dedo esticado”, porém, chega a acontecer na vida real.

No caso do Brasil, no presente cenário geopolítico, pode não parecer razoável que durante um deslocamento de seu navio-aeródromo A-12 São Paulo, uma “ameaça” queira testar suas capacidades de alerta de reação rápida, mas não é nada hollywoodiano prever uma situação de uma aeronave estrangeira de prospecção de recursos minerais sondando as reservas do Pré-Sal. Riqueza desperta cobiça, e a História não necessita ser reinventada para prognosticar consequências.

Se nos voltarmos ao ambiente continental, além dos desafios óbvios da extensão territorial e distribuição irregular da infraestrutura operacional, nos deparamos com uma assimetria de vetores de primeira linha. Duas forças aéreas de países da região dispõem em seus inventários de caças mais modernos que os operados pelo Brasil. São eles os F-16C/D Block 50/52+ do Chile, e os Su-30Mk2 da Venezuela. Para fazermos uma analogia a partir de um episódio hipotético, mesmo sobre a área territorial brasileira, podemos vislumbrar a seguinte situação tática. Um elemento de F-5EM decolado de Boa Vista, Roraima, poderia ter a desagradável experiência de ter nos RWR (Receptor de Alerta de Radar) das duas aeronaves brasileiras, a informação de que estavam sendo vistos (no caso, pelos radares NIIP Tijomirov RLPK-27VEP/N-001VEP dos Sukhoi venezuelanos), a mais de 100km da fronteira, sem no entanto captar nenhum alvo em seus próprios radares. Se ainda assim, resolvessem avançar “às escuras”, teriam que percorrer mais 30km antes de ter noção do que os ameaçava.

Calma, respire, não é o pior. Mais complicado seria, se os caças venezuelanos optassem por uma vigilância mais furtiva, não utilizando o radar, mas apenas o sistema eletro-óptico, o que daria a vantagem de “alvejar” os F-5 a aproximadamente 90km antes de chegarem à borda que separa Brasil e Venezuela. Para tentar sentir a angústia desta cena, imagine-se em um quarto escuro com um ponto de laser iluminando diretamente seu peito. É fácil perceber a frustração de se retornar à base convencidos da inferioridade de seus próprios recursos. Toda esta ilustração se dá no campo imaginário, mas não chega a beirar o impossível.

Na seara das hipóteses distantes que caminham na direção da realidade, o improvável transforma-se mais rápido sob a pressão das tensões econômicas, ideológicas e sociais. O cenário mundial portanto, apresenta-se em processo de franca instabilidade, propício as mais surpreendentes transformações. Mais que minerais com valor comercial e estratégico, como diamantes e urânio, e os animais e plantas que compõem a rica biodiversidade do país, os recursos naturais básicos, como a água, cada vez mais avançam em importância na lista de bens cobiçados internacionalmente. Na própria América do Sul, a demanda por água potável já desencadeia discussões e velhas questões territoriais parecem reacendidas.

F-X2: A ponta da lança

A demora na decisão sobre um novo avião à desempenhar o papel de primeira linha de defesa do Brasil tem sido tanta, que a urgência de se ter um vetor que assegure a tal “capacidade material” de “inibir ou paralisar” uma ameaça, ultrapassa hoje questões de importância estratégica como a própria transferência de tecnologia. Postergar por mais tempo esta decisão é aumentar a cada dia a incompatibilidade do país com o pretenso papel que enseja desempenhar no colegiado das nações. Isto sem falar das condições necessárias a exercer plenamente sua soberania, por mais remotas que sejam as ameaças, como queiram os mais céticos e aqueles que julgam desnecessários os investimentos em defesa, ainda que por falta de cultura, extremismos ideológicos ou mesmo desinformação.

Tecnicamente falando, o Brasil perdeu o melhor timing para uma escolha estratégica. Se a responsabilidade administrativa do país for voltada a tratar as questões de Relações Exteriores e Defesa Nacional como Política de Estado, e não como Política de Governo, é necessário se ter a tal “capacidade material e plausibilidade, ou credibilidade” (COUTO, 1988, p. 60). Isto por si só – a decisão, não fecha a questão da dissuasão sob o campo da proteção do Espaço Aéreo, até mesmo porque, diante de tantas inovações tecnológicas e na velocidade com que ocorrem, capacidade de dissuasão é uma arte dinâmica e interdisciplinar. Nenhuma competição F-X terá sentido, em um pais sério, se se encerrar em si própria. A cada nova, deve semear o conjunto de ações e investimentos materiais e intelectuais a estabelecer a caminhada vindoura. Como a viagem de mil léguas começa com um único passo… que venha a decisão.

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