Flavio Fabri – Quando a verdade é o que menos importa para alguns

Quando a verdade é o que menos importa para alguns

Fato é, o que ocorre no mundo, também ocorre ou ocorrerá no Brasil. De bom e de ruim.

 

 

Flávio César Montebello Fabri

Bacharel em direito,

Mestre em Ciências Policiais de Segurança e

Ordem Público, Policial Militar (reserva)

 

Fato é, o que ocorre no mundo, também ocorre ou ocorrerá no Brasil. De bom e de ruim.

Chama a atenção que, na época em que ocorreram as “ocupações das escolas” no Estado de São Paulo, entre o final de 2015 e início de 2016, com a atuação sempre primeira da Polícia Militar, que poucos haviam lido ou mesmo assistido o documentário a respeito da “Rebelião dos Pingüins”, que havia ocorrido poucos anos antes no Chile. Tal fato já foi comentado anteriormente por intermédio de artigo no site DefesaNet no ano de 2017 (https://www.defesanet.com.br/ghbr/noticia/26484/Flavio-Fabri—Informacao-e-desinformacao–um-dos-aspectos-da-Guerra-Hibrida/ ).

Faço recordar desse artigo de anos atrás somente para que lembremos, todos, de experiências vividas e não a esqueçamos. Pelo contrário, a idéia é que sempre possamos aprender aperfeiçoar-nos, evoluindo e nos acautelando. JAMAIS esquecendo.

Na verdade, talvez esse tipo de assunto não seja interessante a muitos, inclusive para alguns integrantes das forças de segurança (infelizmente, porém pontualmente), tão como para as gerações atuais que tenham como principal atrativo as redes sociais, personagens que são construídos nestas (sobre si próprio, às vezes) e mensagens eventualmente superficiais.

Que não exatamente todos apreciam conhecer as nuances, bastidores, interesses ou propósitos que não aqueles que são imediatamente colocados pela mídia leiga, como se fosse uma verdade absoluta somente por si, da forma que se apresentam (inicialmente). Assim, por intermédio da mesma mídia e das redes sociais, há uma quase imediata formação de opinião das grandes massas. Notícias ou informações curtas (mas não necessariamente verdadeiras), opiniões apaixonadas e convicção plena por parte de alguns.

Alguns “muitos” por sinal. O clamor popular que foi aceso por uma série de informações ou posicionamentos curtos e repetidos à exaustão como um mantra, até por atores estatais intencionalmente, o que tem ocorrido com mais que indesejada frequência. 

Ler ou debater profundamente sobre o tema, sem pautar principalmente o posicionamento ou convicção ideológica, raramente ocorre. E quando se fala (ou alerta-se) sobre interesses ou resultados outros e estratégias para obtenção de resultados, imediatamente alguns, propositadamente ou não, acusam quem fala sobre que está somente tendo ilações a respeito de “teorias da conspiração”.  Ou, como mais comumente, manifestação de cunho ideológico totalmente dissociado da realidade.

Na verdade, o que ocorre hoje, pode ter de tudo, menos “teoria da conspiração” (exceto quando propositadamente a intenção é desinformar, causar factóides e, por conseguinte, desestabilização). Trata-se de técnica, tática e estratégia pura. Ações feitas de forma sequencial, paulatinas e com vigor.

Guerra de Quinta Geração?

Ações de Desinformação?

Informação como arma? Revoluções Coloridas?

Guerra híbrida?

Assassinato de reputações?

No caso do território nacional principalmente, a “Teoria das Tesouras”?

Lawfare?

Quantos, fora aqueles que gostam de informar-se e debater de forma serena sobre de fato conhecem os termos que acabamos de citar, exceto aqueles que acompanham sites como este?

Poucos, bem poucos mesmo. Livros sobre o tema “Guerra Híbrida”, “Desinformação”, “Guerra de Quinta Geração”, enfim, deveriam ser de leitura obrigatória para alguns setores públicos, particularmente os vinculados à segurança e administração. Não somente para se saber o que é, do que se trata, mas principalmente para conhecer onde ocorreu, de que forma, se está ocorrendo (ou se há indícios de que ocorrerá), como progride e, principalmente, o que se fazer e esperar de ações e quais resultados. Plena consciência situacional.

Enquanto ocorriam as grandes manifestações e obstruções de via na capital paulista, poucos anos atrás, com depredação de patrimônio público e privado, poucos conheciam as ideias e o que foi escrito por Gene Sharp (Da Ditadura à Democracia, Poder Luta e Defesa, entre outros), tão como outras manifestações ou movimentos ao redor do mundo. Infelizmente alguns (poucos também) companheiros de profissão, quando comecei a conversar sobre, também desconheciam totalmente. Talvez a própria rotina ao qual é submetido o policial, em um trabalho cansativo na sua maioria, majoritariamente nas ruas, tenha impedido parte dos integrantes da força a ler sobre o tema anteriormente.

Bem anteriormente, como é desejável. A força policial fez seu melhor neste cenário, com certo ineditismo (pelo menos do ponto de vista regional), evoluiu face a realidade imediata que lhe foi apresentada e lutou, inclusive, contra forças que deveriam estar a apoiar a ordem (faço recordar das publicações a respeito dos direitos dos manifestantes disponibilizadas pela Defensoria Pública,  que defendia que alguns poucos cidadãos poderiam manifestarem-se obstruindo artérias principais do tráfego de uma das maiores cidades do planeta, ao custo de milhares de cidadãos aguardarem por horas que parcas dezenas de pessoas somente se levantassem e liberassem  vias como a Marginal Pinheiros, que é uma das principais da capital). 

Do Método Kettling, “tropa do braço”, atuação constante de efetivo (mesmo com a continuidade da formidável demanda de acionamento rotineiro por parte do cidadão paulista), a Polícia Militar (e não outros atores estatais) fez a principal diferença. A um custo altíssimo para alguns e, por vezes, para a própria Instituição, que se manteve firme e legalista.

A mídia leiga procurou muito por não conformidades pontuais (como sempre) ou, por vezes, eximiu boa parte do que antecedeu em determinado evento mostrando somente parte da ação, mais do que se empenhou informar realmente do que acontecia e o contexto. Com isso, incitava o clamor público. Agentes políticos, temendo desgaste, na maioria das vezes deixavam a força policial (força de Estado e não de Governo) por si. Por sinal o ator político é temporário no cargo, enquanto as instituições de Estado são permanentes, somente para recordar.

Deixando bem claro, não falo pela Polícia Militar (nem posso e menos ainda possuo competência para tal). Mas é fato que SEMPRE ocorre a primeira resposta por esta Instituição, a gestão de como lidar, ao preço do cansaço da atuação de seus integrantes por horas (e não raro, dias ou por vezes meses a fio), sofrendo sempre também severo e contínuo ataque, principalmente por aqueles com capacidade de formar opinião. Opinião que segue a convicção própria de alguns poucos e nem sempre condiz com a realidade.

Vivemos em um período onde ocorre a Guerra de 5ª Geração.

Se é comum para aqueles que possuem redes sociais e compartilham mensagens, constatarem que nos grupos que participam estas são difundidas com uma velocidade enorme e, muitas e muitas vezes, quem o faz não se certificou que o retransmitido era verdadeiro, atual ou possui algum contexto, principalmente quando a mensagem traz alguma comoção, então esse tipo ambiente (virtual) é PERFEITO para causar instabilidade.

Em uma época onde interesses ou propósitos não são exatamente tão transparentes ou se apresentam de forma imediata, as mensagens (e imagens) acabam sendo uma arma. Tão (ou senão) mais eficazes que uma arma de fogo. Só que o projétil lançado não impactará em um indivíduo somente. Ira atingir uma imensa multidão, com consequências enormes.

Exatamente hoje (26 de março de 2021), passa a repercutir de forma intensa em redes sociais uma parte de um vídeo onde ocorre uma não-conformidade de atuação policial. E, da forma que foi exposto, no atual contexto, causou grande comoção e reprovação. Só que o vídeo POSSUI MAIS DE UM ANO, não é mencionado o que aconteceu momentos antes (uma operação contra o comércio ilegal na região central da capital paulista, onde vendedores ambulantes agiram agressivamente ante a chega de fiscais e policiais).

Para mais detalhes sobre o incidente acesse matéria de VEJA

Vídeo mostra PM agredindo mulher com chutes no Vale do Anhangabaú

Caso ocorreu na quarta-feira (07OUT2020), durante operação contra ambulantes irregulares.

A verdade do que ocorreu, época, que a atuação foi apurada de forma rígida (tão como a não conformidade), não tem importado para quem compartilha a fração do vídeo.

Colocado da forma que foi, no momento emocional vivido, tomou uma proporção enorme. A desinformação atingiu seu objetivo. Formou opiniões convictas, reprovação e a crença que tal fato, por mais que seja esclarecido que não é atual, é o maior problema imediato. Também atingiu, particularmente, seus objetivos que possivelmente seriam os principais, mas não os imediatamente assimilados por muitos: desviou a atenção do (s) ator (es) estatal (is) que realmente decretou  restrição, lockdown ou impedimentos (quem de fato possui a autoridade de restringir e decretou tal, não está sequer sendo lembrado e, se o era anteriormente, passou a ser providencialmente esquecido) e, a força policial, que nas manifestações recentes em prol a um dos principais atores políticos do país, manifestações estas em que populares faziam questão de ir expressar seu carinho e apoio também em relação à força, passou esta a ser a vilã.

O desgaste da imagem de uma Instituição está ocorrendo de forma mais intensa, sendo interesse (de alguém ou de algum grupo) que esta seja não somente enfraquecida, mas seja apontada como a culpada de um problema (ou restrição) que não foi ela que criou. Os assuntos que estavam em voga anteriormente como o uso (ou mal uso) do erário público em prol à população, eficácia ou fracasso de medidas públicas em relação ao enfrentamento da pandemia, casos de corrupção, posicionamentos em relação a agentes do Poder Executivo, Legislativo ou mesmo esferas do Judiciário passaram a ser totalmente esquecidos. A força policial é a “culpada de tudo e de todas as agruras”. Providencial para muitos! Mero acaso o uso deste tipo de técnica de desinformação ou de fazer a atenção do público se voltar para outros? Com absoluta certeza NÃO.

Enquanto representantes das diversas esferas do Poder Executivo acabam digladiando-se neste período, há o intenso uso de mecanismos jurídicos, informações distintas sendo passadas de ambos os lados, narrativas e verdades sendo construídas pela mídia (algumas com construções rápidas, com posterior desconstrução por vezes demorada), tudo com uma enorme velocidade, ações que são acompanhadas por uma população que tem sofrido com as consequências da pandemia (e decisões políticas), é fato evidente  que tais mensagens em rede social tem angariado um poder enorme de desinformar essa massa.

Parece ter caído totalmente no esquecimento ou haver pouco interesse sobre o desenrolar tumultuado do que ocorreu nos Estados Unidos da América e dos fatos que precederam as eleições e, mesmo durante elas, com grave perturbação da ordem. As ações de desinformação, “guerra nas sombras” e em ambiente cibernético entre grandes players mundiais, o que está ocorrendo em países fronteiriços ao nosso (pouquíssima divulgação das ações do governo venezuelano contra as FARC-EP, por sinal, grupo narcoterrorista que foi recebido de braços abertos pelo governo daquele país anteriormente), atuação de grupos criminosos transnacionais, questões geopolíticas preocupantes e que ocorrem bem debaixo de nossos olhos, entre várias coisas que estão ocorrendo com surpreendente simultaneidade (para não falar orquestradas com incrível precisão), tudo isso está sendo esquecido ou recebendo parca divulgação.

Desde o desgaste na mídia estrangeira, feita intencionalmente por atores estatais contra o governo federal a ações jurídicas / legislativas com claro impacto imediato e consequências de longo prazo. Mas… a culpada é a força policial. A mesma força policial que foi aplaudida (literalmente) em grande manifestação dias atrás na capital paulista (eu testemunhei, in loco, isto), onde demonstrava-se apreço a um político e, momentos em que se expressava reprovação a outro, exatamente esta mesma força tem sido alvo, poucos dias após, de contínuo ataque. Não, não é coincidência.

É complicado o tato para se conseguir equalizar ações do ponto de vista técnico / legal / moral / político ao mesmo tempo e, ainda ter apoio popular majoritário. A força policial estava conseguindo isso. Vi com meus olhos em uma grande manifestação, misturado entre milhares de pessoas, somente para se ter uma ideia do que era estar do “outro lado do escudo”. Fiquei impressionado com a tranquilidade do ambiente e como as ordens e orientações dos policiais eram imediatamente acatadas, sem nenhum problema ou conflito. Com certeza outros, com “interesses outros” também tiveram a mesma percepção.

A questão é: o que esperar em curto e médio prazo? Por qual motivo a força policial que estava dias atrás sendo aplaudida passou a ser alvo de ataques (e a quem isso interessa)? A que ponto estamos para a desestabilização da nação, momento em que esta força policial terá que voltar às ruas?

Palavras como compreender, analisar, acautelar-se, projetar cenários, informar-se, entre outras, se fazem necessárias. O mundo não é somente redes sociais. Mas seu impacto é enorme e nem sempre bom.

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